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Dívida, briga e frango frito: o inferno astral da IMC

Com gastos limitados por compromissos com credores e geração de caixa em queda, IMC se envolve em disputa com KFC e sócios

Tradicional baldinho da KFC: divergência com IMC promete dar em arbitragem (KGC/Divulgação)
Tradicional baldinho da KFC: divergência com IMC promete dar em arbitragem (KGC/Divulgação)

Publicado em 20 de janeiro de 2021 às 10:24.

Última atualização em 20 de janeiro de 2021 às 19:32.

O inferno astral da International Meal Company (IMC), dona das redes Frango Assado e Viena, tem de tudo. A pandemia realmente caiu como uma bomba atômica no negócio, que também representa as bandeiras Pizza Hut e KFC no Brasil. Há desde repercussões mais imediatas, como queda na receita, até outras mais profundas. Por exemplo: a administração do negócio foi parar no olho do furacão. E agora, a novidade da vez, é que até as bandeiras geridas não estão garantidas. A KFC quer dar fim ao contrato, se não houver um consenso com a IMC para renovação do acordo.

Em meio a todos esses problemas, que obviamente vieram acompanhados de uma desvalorização do negócio, a companhia atraiu um novo grupo de acionistas. Dos sócios novos, UV Gestão e Faro Capital, pouco se conhece. Ambas as gestoras concentram recursos de famílias que fizeram seu patrimônio no agronegócio. Mas o que o mercado já sabe é que estão dispostos a tomar as rédeas da situação para colocar a operação nos trilhos. Esses investidores acabam de sentar no conselho de administração, assumiram duas vagas em sete, e contam com apoio de outros acionistas para promover mudanças no negócio.

Sem dono

Desde que a gestora de private equity Advent — origem do presidente da empresa, Newton Maia — saiu da operação, a IMC ficou sem um norte. A empresa, que já tinha o capital pulverizado no mercado, perdeu a figura de um investidor com grande fatia e disposto a dar as diretrizes, alguém que pudesse representar ‘o olho do dono’.

O maior acionista, por um tempo, foi a Itaú Asset, que chegou a alcançar uma fatia da ordem de 25% do capital. Apesar de diligente, a gestora não tem como foco “conduzir” negócios. Nem de longe é o perfil ou desejo do Itaú, que atua de forma passiva nos investimentos. Além disso, a casa sistematicamente foi reduzindo a participação, desde a saída de André Caldas da liderança da gestão de recursos, que tinha uma estratégia de forte exposição ao setor de consumo. A gestora, que tem R$ 760 bilhões em ativos sob gestão, anunciou ontem, dia 19 de janeiro, que seu investimento na empresa caiu para 2,8%, — ante 8,8% no fim de novembro.

Enquanto Itaú reduziu o investimento devido à troca de chapéu na gestora, UV e Faro aumentaram. São as novas “donas” da IMC. Alcançaram uma fatia de quase 23% do capital. Nos tempos de Advent, a Faro foi sócia importante e chegou a participar do conselho, mas saiu do investimento quase junto com a gestora de private equity. Nesse retorno, veio com um plano pronto para o negócio, que inclui a venda de alguns ativos nos Estados Unidos, em linha com o que o administração já vinha fazendo — foram vendidas operações no México, na Costa Rica e ativos de menor porte.

Há pouco mais de uma semana, no dia 11, os novos sócios emplacaram uma mudança no conselho de administração. Luiz Fernando Ziegler de Saint Edmond e Lucas Rodas foram anunciados como novos conselheiros de administração, no lugar de Rodrigo Neiva Furtado e José Agote, que renunciaram a suas posições para uma transição mais simplificada. Rodas já havia até mesmo participado do conselho e já conhece a gestão do negócio.

Com a empresa avaliada em R$ 1 bilhão, e prestes a romper esse piso mais uma vez, o presidente Newton Maia não está com seu futuro garantido. Os novos sócios “de referência” querem ajeitar a operação com ou sem o executivo.

Apesar dos ruídos sobre a administração, até hoje nenhuma ata de reunião de conselho da IMC registra sinais de desavença. Se existirem divergências, elas ficam nos bastidores. O resultado final é sempre consenso nas medidas.

Brigas

Há uma lista de problemas com os quais a IMC vem convivendo desde que a pandemia estourou, como a perda de receita e a pressão da dívida. Nesse meio tempo, a companhia teve de reduzir número de funcionários, renegociar aluguéis em shoppings e aeroportos, montar uma cozinha central, aderir a market-places de delivery — isso para ficar apenas nos grandes movimentos.

O problema da vez, que o mercado conheceu nesta terça-feira, 19, é o risco de rompimento com a rede de frangos fritos KFC, que denunciou o contrato com a empresa brasileira por descumprimento de metas de abertura de novas lojas. A IMC vinha tentando rever as condições e estabelecer novos parâmetros para multas e royalties, mas não houve consenso até o momento. A busca por um acordo segue em andamento, apesar da iniciativa da rede americana. Mas, encarar discussões acirradas não é mais novidade, após a pandemia.

A família Martins, de Carlos Wizard Martins, reunida na holding Sforza, é dona de quase 9% da IMC. Em dezembro, a dona das redes Frango Assado e Viena comunicou uma discussão arbitral sobre condições do contrato com esses acionistas.

A Sforza detém as marcas Mundo Verde, Aloha, Topper, Rainha, Ronaldo Academy, além dos direitos de Pizza Hut, KFC e Taco Bell no Brasil. É pelo acordo com a Sforza que a IMC atua com as duas tradicionais bandeiras americanas por aqui. Entre o anúncio e o fechamento do negócio, a IMC encontrou uma divergência de R$ 85 milhões nas empresas absorvidas pelo contrato, conforme o EXAME IN apurou. Como não houve acordo sobre essa cobrança, os administradores da IMC tiveram de levar o tema para arbitragem, ainda que o diálogo permaneça aberto.

Pelos comunicados desta terça-feira, 19, tudo indica que, sem um acordo, a questão  com a KFC também pode virar uma disputa arbitral com processos de ambos os lados. Em causa, além da operação da bandeira no Brasil, há uma multa de valor desconhecido que os dois lados vão querer cobrar com alegação de ruptura de contrato. Isso se não houver acordo antes.

Havia um plano acelerado de abertura de novas unidades KFC para este ano. Como alternativa ao cenário de incerteza que se coloca, a IMC deve optar por inaugurar os projetos mais avançados (cerca de 15 unidades) e concentrar o crescimento em Frango Assado e Pizza Hut. O Frango Assado responde por cerca de 70% do Ebitda gerado pelo negócio no Brasil e o plano inclui abrir nove unidades em 2021 — um aumento de de 36% em relação as atuais 25 lojas.

O acordo com a Pizza Hut passou por uma revisão de cláusulas mais amigável, sem maiores traumas até o momento, para se adequar à vida pós-pandemia. A companhia anunciou que houve revisão das condições, sem detalhar as alterações. Mas, depois do que houve com KFC, há investidor que questiona quanto tempo de paz terá a empresa brasileira na relação com a Pizza Hut. A IMC foi o master franqueado da rede que mais abriu unidades durante a pandemia em toda a América Latina: nada menos do que 21 lojas.

Dinheiro contado

No ano passado, no auge do estresse, a IMC teve de renegociar as condições de debêntures emitidas em 2019, num total de 400 milhões de reais. Nessa negociação, acabou por aderir a uma cláusula que limitaria seu investimento em expansão a 90 milhões de reais, se não houvesse a capitalização. Como a empresa fez uma oferta e levantou R$ 385 milhões em julho, ganhou mais liberdade para uso dos recursos. A questão maior a ser administrada são metas de alavancagem.

Até setembro deste ano, a relação entre a dívida líquida e o Ebitda acumulado em 12 meses não pode ultrapassar 7,5 vezes. E, ao fim deste ano, precisa estar em 5 vezes. Daí o esforço para controlar a dívida líquida com um saldo de caixa elevado.

A renegociação também trouxe custo extra à dívida da companhia. As captações, em duas séries, que custavam CDI mais 1,15% e 1,60% tiveram as taxas elevadas para 4,85% e 5,30%, respectivamente.

Após o reforço de caixa com a oferta de ações, a dívida líquida ficou em 86 milhões de reais ao fim de setembro. Mas o Ebitda acumulado nos primeiros nove meses registrava queda de quase 79%, para R$ 39,2 milhões. Esse montante exclui eventos extraordinários, como a baixa contábil no valor de R$ 324 milhões relacionada à compra de alguns ativos, como as bandeiras Viena e Batata Inglesa, realizada no terceiro trimestre.

Com aeroportos vazios e shoppings fechados, a receita líquida da empresa caiu 37% no acumulado dos primeiros nove meses de 2020, para R$ 816 milhões.

No auge de sua história na bolsa, a ação da IMC valia R$ 11,25  — era, então, o segundo semestre de 2018.  Naquele ano, a empresa recusou uma fusão com a Sapore, que queria comprar uma fatia dos papéis a R$ 8,60 reais. Desde esse pico, porém, a companhia só perde valor. Na oferta de julho, a ação saiu a R$ 4,25. Ontem, dia 19, após um tombo de 9%, a ação encerrou o dia a R$ 3,64.

No início de 2020, antes de a covid-19 se espalhar por aqui, a ação da IMC oscilava entre R$ 8,30 e R$ 8,90. Quando Newton Maia assumiu a presidência, no início de 2017, a ação estava abaixo de R$ 3,15, se descontados os dividendos distribuídos. Mesmo longe da máxima, o começo de 2020 ainda era um ano de alegria para quem entrou junto com a gestão, não fosse a pandemia.

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