Logo Exame.com
Mercados

Assaí: Belmiro Gomes ganha ainda mais holofotes com controle pulverizado da varejista

Saída de Casino deixa companhia nas mãos do CEO - por enquanto, mercado parece estar confortável com isso

Assaí: olhos atentos para empresa em nova fase (Assaí/Divulgação)
Assaí: olhos atentos para empresa em nova fase (Assaí/Divulgação)
Karina Souza

Karina Souza

Repórter Exame IN

Publicado em 23 de junho de 2023 às 10:00.

Última atualização em 13 de dezembro de 2023 às 19:32.

O Assaí finalmente será uma empresa sem controlador definido. A venda de 11% das ações pelo Casino, anunciada nesta quinta-feira (22), é a etapa final do processo de saída do grupo francês do negócio, iniciado no fim de 2022. A exemplo dos anúncios anteriores, o de hoje mexeu pouco com o preço da ação, que operou perto da estabilidade durante todo o dia. Um fator que reforça o conforto com Belmiro Gomes como “o homem de confiança” à frente do negócio, somado ao fim da interferência do sócio estrangeiro na firma de atacarejo. A promessa de uma governança melhor é um dos pontos mais defendidos por analistas desde o ‘começo do fim’ da era Casino no Assaí. A partir de agora, com o processo oficialmente concluído, a empresa passa a estar pronta para encarar os novos desafios que uma empresa sem dono vai exigir.

O otimismo do mercado com Belmiro Gomes não vem sem razão. O executivo atua há 35 anos no setor de alimentos (começou quando tinha apenas 15) e foi um dos principais responsáveis pela empresa desde que assumiu como CEO, em 2011. Quando Belmiro chegou, o Assaí tinha menos de 40 lojas e estava em poucas regiões do Brasil. Hoje, são mais de 230 pontos de venda espalhados por todo o país. Para Gomes, praticar preços baixos é mais do que um objetivo de negócio — mas um propósito de vida. Essa meta, recentemente, levou a empresa a crescer de forma expressiva, especialmente da pandemia para cá. Em 2019, o Assaí faturava R$ 30,2 bilhões, cifra que passou para R$ 54 bilhões no ano passado. 

A íntima ligação entre ‘a empresa e o homem’ em uma companhia sem dono não é rara no mercado brasileiro. Uma situação que reflete um modelo de companhia ainda em desenvolvimento no país: dados de 2020 apontavam que, das 360 companhias com ações negociadas naquele ano, menos de 7% poderiam ser classificadas como 'sem controlador definido'. A primeira a aderir esse modelo foi a Renner, em 2005. De lá para cá, vieram outras, como CVC, Totvs, BR Malls e Vale, para ficar em poucos exemplos. Nesse intervalo de dezoito anos, chegando até o Assaí, a sensação que fica é a de que a situação a ser enfrentada pela varejista de alimentos ainda guarda muitas semelhanças com o primeiro caso, de uma das maiores varejistas de moda do país.

Uma reportagem publicada pela EXAME em 2014, portanto nove anos depois de a Renner se tornar uma 'corporation', mostrava que José Galló, o ex-CEO da companhia, usava trajes da Renner da cabeça aos pés e a empresa, por sua vez, vestia Galló por todo o seu estilo de gestão. A presença do CEO no dia a dia era tão intensa que definir um sucessor para o executivo se tornou uma tarefa difícil, especialmente depois da troca de diretor financeiro que aconteceu em 2010. Relembrando o caso, a varejista de moda foi procurar, no mercado, alguém para substituir José Carlos Hruby e o substituto ficou cerca de três anos no cargo. Depois do episódio, a cobrança de um plano de sucessão se intensificou, um ponto que foi resolvido em 2019, quando Fabio Faccio assumiu o comando.

Trazendo o racional dessa situação para o presente, é inevitável pensar: como (e quando) substituir Belmiro Gomes será uma discussão importante também para o Assaí. Não para já, evidentemente. Apesar da falta de urgência, no tempo, o mérito da questão permanece válido, tendo em vista que, hoje, a maior parte do conselho de administração da companhia foi indicada pelo atual CEO. 

Há cerca de três meses, vale lembrar, o Assaí anunciou um novo colegiado com sete membros independentes de um total de nove. Hoje, compõem o colegiado, além de Belmiro, Nelson Carvalho, Phillipe Alarcon (que já estavam) e os novatos José Monforte, Oscar de Paula Bernardes Neto, Leila Loria e Leonardo Pereira, bem como Júlio César Campos e Andiara Petterle. Todos (os novos) indicados por Belmiro. Essa conjunção de fatores, de uma relação tão próxima da diretoria com os conselheiros pode dar brechas a cobranças de governança. E coloca em dúvida o tamanho do poder que o colegiado conseguirá ter para agir em nome dos acionistas diante das decisões tomadas pelo presidente do Assaí. 

O fato também aponta, ao mesmo tempo, a pouca estrada que o mercado brasileiro tem para lidar com corporações desse tipo. A indicação dos conselheiros por Belmiro foi pouco ou nada contestada pelos acionistas — que poderiam ter sido os primeiros a fazer valer a participação na empresa por meio de indicações para o colegiado. Mas os investidores não estão completamente desatentos. Um exemplo importante disso veio em abril, quando, em assembleia geral ordinária, acionistas vetaram a nova proposta de remuneração dos administradores e conselheiros, considerada alta demais por alguns deles. Relembrando: em abril, foi proposta pela empresa uma remuneração global anual de até R$ 101,5 milhões, distribuída da seguinte forma: para a diretoria, até R$ 75,8 milhões e, para o conselho de administração, até R$ 25,2 milhões. A companhia colocou uma nova proposta em votação nesta semana, com redução desses valores: R$ 20,6 milhões para o conselho e R$ 49,4 milhões para a diretoria estatutária. 

As discussões sobre o modelo de empresa sem controle definido

O protagonismo do CEO nesse modelo de empresa, aliado à sensação de que há um amplo espaço para que possa agir com ‘carta branca’ são aspectos mencionados por profissionais de mercado que são críticos ao modelo. A visão de que as coisas acontecem dessa forma em empresas sem controlador definido não se restringe ao cenário brasileiro, mas se estende até ao norte-americano. Para esses profissionais, ainda é melhor ter um acionista de referência que possa ter influência na companhia e consiga exercer algum poder sobre as decisões tomadas ali. 

Um exemplo recente disso pode ser relacionado com a entrada de Rubens Ometto na Vale, via Cosan. A holding tem 4,99% da mineradora, participação que pode se estender para 6,5%. Longe de ser uma acionista de referência nos números, a entrada na maior empresa privada do Brasil tampouco foi vista como um movimento passivo. Com a participação que detém hoje, a Cosan conseguiu sentar no conselho da Vale e deve contribuir para as decisões tomadas no futuro da empresa. O que foi visto por analistas e investidores brasileiros como um ganho e tanto para a mineradora

Além de fatores locais, outros dados internacionais ajudam a sustentar a tese. Um estudo feito pelo Credit Suisse globalmente mostrou que empresas familiares geraram mais retorno do que as demais ao longo dos últimos quinze anos, trazendo de volta o argumento de que ‘o olho do dono é que engorda o negócio’. 

Mas, como todo assunto, este também está longe de ser uma unanimidade. Afinal, cases de crescimento nesse modelo também já aconteceram por aqui: voltando à Renner, a empresa saiu de um valor de mercado de R$ 900 milhões em 2005 para R$ 20,5 bilhões atualmente. Na pandemia, então, foi a 'febre' das empresas sem dono: das três das maiores operações de fusão e aquisição anunciadas em 2020, duas envolviam empresas "sem dono": a briga pela Linx entre Stone e Totvs, a combinação entre Localiza e Unidas e a Laureate pela Ser Educacional. É um ambiente no qual conselhos de administração e executivos se tornam os protagonistas para o rumo futuro dessas empresas. 

Não à toa, para quem defende o modelo, a saída vista para fazê-lo funcionar é uma só: stewardship. Um termo que ganhou relevância depois da crise de 2008 e designa, essencialmente, o dever de investidores institucionais (fundos de investimento, fundos de pensão e outros) de ter um papel de protagonismo para cuidar dos ativos nos quais investem. É uma tarefa que vem na esteira do dever fiduciário que essas instituições têm com os próprios clientes — cotistas, por exemplo. “Hoje, o Brasil tem mais de 900 gestoras registradas e apenas 27 signatários do Código de Stewardship da Amec”, diz Geraldo Affonso Ferreira, conselheiro independente e especialista em governança corporativa, ao EXAME IN.

Avaliar o sucesso do ativismo de investidores, no Brasil, é um desafio, como mostra a tese de doutorado feita por Silvia Maura Rodrigues Pereira para a UFRJ em 2021. Tudo começa nas diferenças entre a forma como diferentes agentes — fundos de pensão, assets, instituições financeiras e hedge funds, por exemplo — trabalham. 

A especialista entrevistou 18 agentes, ao todo, sendo 5 fundos de pensão, 3 assets não independentes (cada um deles entre os 10 maiores dos respectivos setores) e 10 assets independentes de diferentes tamanhos. A maior parte dos entrevistados se identifica como investidor de longo prazo. Para resumir as conclusões: entre as gestoras, o rótulo de ativista é rejeitado, sendo que essas instituições preferem posturas mais colaborativas. O termo de “ativismo” é adotado principalmente por fundos de pensão. Mas a noção de stewardship está em um ponto inicial em todos os grupos. 

Ou seja, trata-se de uma consciência em construção. O Assaí é um novo — e importante — player dentro desse grupo ainda tão seleto na bolsa brasileira, e deve ter boa parte das atenções direcionadas para si daqui para frente, colaborando, na melhor das hipóteses, para formar esse entendimento por aqui. Um ponto é certeza entre quem acompanha a empresa: a varejista de atacarejo vai caminhar, cada vez mais, na direção em que Belmiro Gomes mandar. 

A venda de ações do Casino anunciada nesta quinta-feira é a ponta final de um processo que se desenrola desde os primeiros follow-ons do grupo francês realizados desde o ano passado. Por enquanto, o mercado está animado com um Assaí com ainda mais liberdade para Belmiro Gomes. O desafio do CEO, e dos conselheiros, é aliar sucesso de curto prazo com a sustentabilidade do negócio no longo prazo.

Para quem decide. Por quem decide.

Saiba antes. Receba o Insight no seu email

Li e concordo com os Termos de Uso e Política de Privacidade

Karina Souza

Karina Souza

Repórter Exame IN

Formada pela Universidade Anhembi Morumbi e pós-graduada pela Saint Paul, é repórter do Exame IN desde abril de 2022 e está na Exame desde 2020. Antes disso, passou por grandes agências de comunicação.

Continua após a publicidade
Citando ‘juros altos’, Assaí corta pela metade previsão de abertura de lojas em 2025

Citando ‘juros altos’, Assaí corta pela metade previsão de abertura de lojas em 2025

Na Intelbras, a troca do CEO e a busca por novas parcerias

Na Intelbras, a troca do CEO e a busca por novas parcerias