Charlie Munger: muito além dos investimentos, as lições para uma vida bem vivida
Fundador da gestora Constellation e discípulo de Munger, Florian Bartunek conta o que aprendeu com o sócio de Warren Buffett, que faleceu esta semana, aos 99 anos
Florian Bartunek
Sócio-fundador da Constellation Asset Management
Publicado em 30 de novembro de 2023 às 18:22.
Última atualização em 11 de dezembro de 2023 às 16:13.
“Tudo que quero saber é onde vou morrer, então nunca irei para lá. E um pensamento relacionado: desde o início, escreva o obituário desejado – e então comporte-se de acordo” – Charlie Munger (1924-2023)
Tive o privilégio de conhecer Charlie Munger pessoalmente em 2014 e fiquei encantado. Já conhecia seus comentários inteligentíssimos sobre investimentos, mas a pessoa por trás do investidor me impressionou ainda mais. Ele definitivamente viveu seus quase 100 anos de acordo com a frase acima – uma de suas inúmeras citações memoráveis.
Qual o segredo para seu sucesso? “É tão simples: gaste menos do que você ganha, invista de forma inteligente, evite pessoas tóxicas e atividades tóxicas, e tente continuar aprendendo durante toda a sua vida. Se você fizer todas essas coisas, é quase certo que terá sucesso. Do contrário, você vai precisar de muita sorte”, disse certa vez, condensando em três frases quase um mini manual da vida.
Munger tinha uma língua afiadíssima e nem sempre era politicamente correto, o que o tornava muito divertido e muito complementar a seu sócio e amigo por anos mais de 60 anos, Warren Buffett. Em um mundo de influenciadores e dicas financeiras baratas na Internet, era um raio de luz de bom senso.
Sua amizade próspera com Buffett começou em um jantar em Omaha 1959. Três anos depois, Munger fundou e trabalhou como advogado no escritório Munger, Tolles & Olson LLP. Mais tarde, abandonou a advocacia para se concentrar na gestão de investimentos. Seu portfólio gerou retornos anuais excepcionais de mais de 20% de 1962 a 1975, contra um retorno anual de 5,0% para o Dow Jones.
“Charlie e eu pensamos muito parecido. Mas o que levo uma página para explicar, ele resume em uma frase. Sua versão, além disso, é sempre mais claramente fundamentada e também mais engenhosa e direto ao ponto”, já havia resumido Buffett.
Mas um aspecto pouco conhecido da sua biografia – detalhada em livro escrito por Janet Lowe – foi seu começo duro quando mais jovem. Em 1949, Munger tinha apenas 25 anos e foi contratado no escritório de advocacia Wright & Garrett após ter se graduado em direito pela Harvard Law School. Seu patrimônio era o equivalente a US$ 20 mil, a valores de hoje. Aos 29 anos, se divorciou de sua primeira esposa após oito anos de casado. Perdeu tudo no divórcio e teve de se mudar para um péssimo dormitório universitário.
Logo em seguida, seu filho Teddy foi diagnosticado com leucemia. Sem seguro saúde, Charlie teve de pagar as despesas de seu bolso. Segundo relatos de amigos, Munger ia para o hospital, abraçava seu filho e depois vagava pelas ruas de sua cidade chorando.
Um ano após o diagnóstico, em 1955, Teddy Munger morreu. Com 31 anos Munger estava divorciado, falido e tinha acabado de enterrar seu filho de 9 anos. Um pouco mais velho ainda sofreu com uma doença em um olho, que, dada a dor terrível, teve de ser removido.
Num exemplo de resiliência e superação, 40 anos depois ele era uma das 400 pessoas mais ricas do mundo, se tornou um dos mais respeitados investidores da história. Mais do que isso: estava casado há 35 anos com sua segunda esposa, teve oito filhos e inúmeros netos.
Sobre investimentos, o próprio Buffett reconhece que Munger foi pivotal em ajudá-lo a evoluir de uma estratégia de apenas procurar ativos baratos, para valorizar mais empresas de qualidade, mesmo que isso signifique pagar um prêmio.
Buffett reputa seus melhores investimentos à influência de Munger. Sua filosofia sempre foi de concentrar seus investimentos em poucas empresas que conhecia muito bem. Ele costumava dizer que não se precisa mais de cinco empresas em um portfólio, dado que é impossível conhecer 100 empresas muito bem. Era um apaixonado pela Costco, de supermercados, e pelo banco Wells Fargo, dos quais foi investidor por décadas.
Ele morreu às vésperas de completar 100 anos, mais precisamente a 34 dias de sua planejada festa de centenário para 500 pessoas num clube em Los Angeles.
Me parece que o segredo de sua longevidade foi seguir seus próprios ensinamentos: não parar de trabalhar fazendo o que gosta, estar cercado de amigos e da família e viver de acordo com seus padrões e valores éticos.
Uma coisa que Munger sempre falava é que é mais interessante conversar com os gênios do passado, lendo biografias (que ele devorava em um dia) do que com alguns idiotas do presente. Recomendo ao leitor todos os livros e textos sobre Charlie – um amigo e mentor, mesmo para quem não o conhecia.
A seguir, algumas de suas frases mais memoráveis:
- “Vejo constantemente pessoas subindo na vida que não são as mais inteligentes, às vezes nem mesmo as mais diligentes, mas são máquinas de aprender. Eles vão para a cama todas as noites um pouco mais sábios do que quando se levantaram e isso ajuda, principalmente quando você tem uma longa jornada pela frente.”
- “Vá para a cama mais inteligente do que quando acordou.”
- “Sem a dedicação e um método para estar sempre estudando e aprendendo algo novo, você é como um homem de uma perna só em uma competição de chute no traseiro.”
- “Muitas pessoas com QI alto são péssimos investidores porque têm temperamentos terríveis. E é por isso que dizemos que ter um certo tipo de temperamento é mais importante que o cérebro. Você precisa manter a emoção irracional sob controle. Você precisa de paciência e disciplina e capacidade de suportar perdas e adversidades sem enlouquecer. Você precisa da habilidade de não ficar louco com o sucesso extremo”
- “Acho que parte da popularidade da Berkshire Hathaway é que parecemos pessoas que descobriram um truque. Não é brilho. É apenas evitar a estupidez.”
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Florian Bartunek
Sócio-fundador da Constellation Asset ManagementFlorian Bartunek começou a carreira no banco Pactual e, aos 25 anos, virou sócio. Em 2002, fundou a Constellation, gestora de fundos de ações investimento com R$ 10 bilhões sob gestão.