Tecnologia

Processo nos EUA ameaça pacto de gigantes entre Apple e Google

Enquanto isso, Facebook também pode virar alvo de ação antitruste já no mês que vem

Google e Amazon: empresas estão juntos, ainda que Steve Jobs, co-fundador da Apple, uma vez tenha prometido "guerra termonuclear" quando soube que o Google estava trabalhando em um rival para o sistema do iPhone. (Dado Ruvic/Reuters)

Google e Amazon: empresas estão juntos, ainda que Steve Jobs, co-fundador da Apple, uma vez tenha prometido "guerra termonuclear" quando soube que o Google estava trabalhando em um rival para o sistema do iPhone. (Dado Ruvic/Reuters)

AO

Agência O Globo

Publicado em 25 de outubro de 2020 às 17h04.

Última atualização em 1 de fevereiro de 2021 às 17h13.

Quando Tim Cook e Sundar Pichai, os principais executivos da Apple e do Google, foram fotografados jantando juntos em 2017 em um restaurante vietnamita sofisticado chamado Tamarine, a imagem desencadeou um frenesi digno de tabloides sobre a relação entre as duas empresas mais poderosas do Vale do Silício.

Enquanto os dois homens bebiam vinho tinto em uma mesa à janela de um restaurante em Palo Alto, suas empresas estavam em negociações tensas para renovar um dos negócios mais lucrativos da história: um acordo para apresentar o mecanismo de busca do Google como a escolha pré-selecionada no iPhone da Apple e outros dispositivos. O negócio atualizado valia bilhões de dólares para ambas as empresas e cimentou seu status no topo da hierarquia do setor de tecnologia.

Agora, a parceria está em perigo. Na última terça-feira, o Departamento de Justiça abriu um processo histórico contra o Google - o maior caso antitruste do governo dos EUA em duas décadas - e citou a aliança como um exemplo do que os promotores dizem ser as táticas ilegais da empresa para proteger seu monopólio e sufocar a concorrência na pesquisa na web.

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Outras gigantes tech também estão na mira de Washington. O Facebook pode enfrentar acusações antitruste dos EUA já em novembro, informou o Washington Post na sexta-feira, citando quatro pessoas familiarizadas com o assunto.

A Comissão Federal de Comércio (FTC, na sigla em inglês) se reuniu em particular na quinta-feira para discutir uma investigação, enquanto procuradores-gerais estaduais, sob a liderança de Letitia James, de Nova York, examinavam a empresa em busca de ameaças à concorrência, informou o jornal.

Em julho de 2019, o Facebook concordou em pagar uma  multa recorde de US $ 5 bilhões para resolver uma investigação separada da FTC sobre as práticas de privacidade da empresa.

Parceria Google-Apple começou há 15 anos

Mas voltando ao acordo entre Apple e Google, o escrutínio sobre o pacto, que foi assinado pela primeira vez há 15 anos e raramente foi discutido por qualquer uma das empresas, destacou a relação especial entre as duas empresas mais valiosas do Vale do Silício - uma improvável união de rivais que os reguladores dizem estar impedindo injustamente empresas menores de florescer.

- Temos um termo para esse tipo de acordo no Vale do Silício: "coopetição" - diz Bruce Sewell, conselheiro geral da Apple de 2009 a 2017. - Você tem uma competição brutal, mas ao mesmo tempo, tem a cooperação necessária entre as partes.

Apple e Google estão juntos, embora Cook tenha dito que a publicidade na internet, o ganha-pão do Google, se envolve na "vigilância" dos consumidores e mesmo que Steve Jobs, co-fundador da Apple, uma vez tenha prometido "guerra termonuclear" contra seu vizinho do vale quando soube que o Google estava trabalhando em um rival para o sistema do iPhone.

A Apple e a empresa controladora do Google, Alphabet, que valem mais de US$ 3 trilhões combinadas, competem em muitas frentes, como smartphones, mapas digitais e laptops. Mas também sabem fazer coisas boas juntas quando isso lhes convém. E poucos negócios foram melhores para os dois lados da mesa do que o acordo de busca no iPhone.

Quase metade do tráfego de pesquisa do Google agora vem de dispositivos da Apple, de acordo com o Departamento de Justiça, e a perspectiva de perder o acordo com a Apple foi descrita como um cenário de “código vermelho” dentro da empresa.

Quando os usuários do iPhone pesquisam no Google, eles veem os anúncios que impulsionam os negócios do Google. Eles também podem encontrar o caminho para outros produtos do Google, como o YouTube.

Perspectiva 'aterrorizante'

Um ex-executivo do Google, que pediu para não ser identificado porque não tinha permissão para falar sobre o negócio, disse que a perspectiva de perder o tráfego da Apple é "aterrorizante" para a empresa.

O Departamento de Justiça, que está pedindo um mandado de segurança impedindo o Google de entrar em acordos como o que fez com a Apple, argumenta que o pacto ajudou injustamente a tornar o Google, que lida com 92% das buscas mundiais na internet, o centro da vida on-line dos consumidores.

Negócios on-line como o Yelp e o Expedia, bem como empresas que vão de lojas de macarrão a organizações de notícias, costumam reclamar que o domínio da pesquisa do Google permite cobrar taxas de publicidade quando as pessoas simplesmente procuram seus nomes, bem como direcionar os consumidores para seus próprios produtos, como o Google Maps.

A Microsoft, que travou sua própria batalha antitruste duas décadas atrás, disse aos reguladores britânicos que, se fosse a opção padrão em iPhones e iPads, ganharia mais dinheiro com publicidade em cada busca em seu site rival, o Bing.

Além do mais, concorrentes como o DuckDuckGo, um pequeno mecanismo de pesquisa que se vende como uma alternativa ao Google voltada para a privacidade, nunca poderia fazer frente ao acordo entre as duas gigantes.

A Apple agora recebe cerca de US$ 8 bilhões a US$ 12 bilhões em pagamentos anuais - acima dos US$ 1 bilhão por ano em 2014 - em troca da inserção do mecanismo de busca do Google em seus produtos. É provavelmente o maior pagamento que o Google faz a qualquer companhia e é responsável por 14% a 21% dos lucros anuais da Apple. Isso não é uma soma que a Apple iria querer dispensar.

Cook e Pichai se encontraram novamente em 2018 para discutir como poderiam aumentar a receita de pesquisa. Após a reunião, um funcionário sênior da Apple escreveu a um colega do Google que “nossa visão é trabalhar como se fôssemos uma única empresa”, de acordo com o processo do Departamento de Justiça.

Uma separação forçada pode significar a perda de dinheiro fácil para a Apple. Mas seria uma ameaça mais significativa para o Google, que não teria uma maneira óbvia de substituir o tráfego perdido. Também pode levar a Apple a adquirir ou construir seu próprio mecanismo de busca.

No Google, as pessoas acreditam que a Apple é uma das poucas empresas no mundo que poderiam oferecer uma alternativa formidável, segundo um ex-executivo.

O Google também teme que, sem o acordo, a Apple possa dificultar o acesso dos usuários do iPhone ao seu mecanismo de busca.

Um porta-voz da Apple não quis comentar sobre a parceria, enquanto um porta-voz do Google citou um post de blog no qual a empresa defendia o relacionamento.

Embora sua conta com a Apple continue subindo, o Google tem repetidamente afirmado que domina a busca na internet porque os consumidores preferem, não porque está comprando clientes. A empresa argumenta que o Departamento de Justiça está pintando um quadro incompleto; sua parceria com a Apple, diz ela, não é diferente do que a Coca-Cola pagando um supermercado por espaço nas prateleiras de destaque.

Outros acordos

Outros mecanismos de busca, como o Bing da Microsoft, também têm acordos de divisão de receita com a Apple para aparecer como opções de busca secundária em iPhones, o Google diz em sua defesa.

Ele acrescenta que a Apple permite que as pessoas mudem seu mecanismo de busca padrão do Google - embora poucos provavelmente o façam, porque as pessoas normalmente não mexem nessas configurações e muitas preferem o Google, de qualquer maneira.

A Apple raramente, ou nunca, reconheceu publicamente seu acordo com o Google e, de acordo com a Bernstein Research, mencionou sua chamada "receita de licenciamento' em uma teleconferência sobre seus resultados pela primeira vez este ano.

De acordo com um ex-executivo sênior que falou sob condição de anonimato por causa de contratos de confidencialidade, os líderes da Apple fizeram o mesmo cálculo sobre o Google que o público em geral: a utilidade de seu mecanismo de busca vale o custo de suas práticas invasivas.

Relacionamento mudou

O relacionamento entre as empresas mudou de amigável para contencioso e depois para a "coopetição" de hoje. Nos primeiros anos do Google, os cofundadores da empresa, Larry Page e Sergey Brin, viam Steve Jobs como um mentor e faziam longas caminhadas com ele para discutir o futuro da tecnologia.

Em 2005, a Apple e o Google fecharam o que na época parecia um negócio modesto: o Google seria o mecanismo de busca padrão no navegador Safari da Apple em computadores Mac.

Rapidamente, Cook, então ainda vice de Jobs, viu o potencial lucrativo do acordo, de acordo com outro ex-executivo sênior da Apple que pediu para não ser identificado. Os pagamentos do Google eram puro lucro, e tudo que a Apple precisava fazer era apresentar um mecanismo de busca que seus usuários já queriam.

A Apple expandiu o negócio para seu grande produto futuro: o iPhone. Quando Jobs revelou o iPhone em 2007, ele convidou Eric Schmidt, então presidente-executivo do Google, para se juntar a ele no palco para o primeiro dos muitos eventos famosos do smarthone.

- Se fundíssemos as duas empresas, poderíamos chamá-las de AppleGoo- brincou Schmidt, que também fazia parte do conselho de administração da Apple. Com a pesquisa do Google no iPhone, ele acrescentou, “você pode realmente fundir sem fundir”.

Então o relacionamento azedou. O Google vinha desenvolvendo discretamente um concorrente para o iPhone: um software para smartphones chamado Android que qualquer fabricante de telefone poderia usar. Jobs ficou furioso.

Em 2010, a Apple processou uma fabricante de telefones que usava o Android. “Vou destruir o Android”, disse Jobs a seu biógrafo, Walter Isaacson. "Vou gastar meu último suspiro se precisar."

Um ano depois, a Apple lançou a Siri. Em vez de o Google apoiar a assistente virtual, quem o fazia era o Bing da Microsoft.

Mesmo assim, a parceria das empresas em iPhones continuou - lucrativa demais para qualquer um dos lados explodi-la. A Apple havia acertado o acordo para exigir renegociações periódicas, de acordo com um ex-executivo sênior, e a cada vez extraía mais dinheiro do Google.

- Você tem que ser capaz de manter esses relacionamentos e não queimar uma ponte - disse Sewell, ex-conselheiro geral da Apple, que se recusou a discutir os detalhes do negócio.

Por volta de 2017, o negócio estava em fase de renovação. O Google estava enfrentando um aperto, com cliques em seus anúncios móveis não crescendo rápido o suficiente. A Apple não ficou satisfeita com o desempenho do Bing para a Siri. E Cook acabara de anunciar que a Apple pretendia dobrar sua receita de serviços para US$ 50 bilhões até 2020, uma meta ambiciosa que só seria possível com os pagamentos do Google.

No outono de 2017, a Apple anunciou que o Google agora estava ajudando a Siri a responder a perguntas, e o Google divulgou que seus pagamentos pelo tráfego de busca aumentaram. A empresa ofereceu uma explicação anódina para parte do motivo pelo qual de repente estava pagando centenas de milhões de dólares a mais a uma empresa não identificada: "mudanças nos acordos de parceria".

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