Alunos da Afrogames durante a rotina escolar (Afrogames/Reprodução)
Maria Eduarda Cury
Publicado em 1 de setembro de 2020 às 10h00.
Última atualização em 2 de setembro de 2020 às 17h48.
Em 2018, quando o empresário Ricardo Chantilly foi convidado para participar do torneio mundial de Dota 2, ele percebeu que o cenário de esportes eletrônicos estava crescendo e se consolidando. Mas uma situação o incomodou: a falta de pessoas negras ou de baixa renda no ambiente. Foi então que, em 2019, com o auxílio do grupo cultural AfroReggae, Chantilly fundou o espaço AfroGames.
Segundo ele, a ideia inicial do projeto sempre foi aproximar os jogos da periferia. E, como o AfroReggae já estava localizado no bairro Vigário Geral, no Rio de Janeiro, ele decidiu fazer uso de um dos prédios para montar o espaço focado em jogos. Com auxílio financeiro de marcas como HyperX e, a partir de hoje, da Fusion, o projeto estava no meio de seu segundo ano quando a pandemia obrigou que as atividades fossem interrompidas.
Hoje, o AfroGames é uma escola de tempo integral que prepara os alunos para se profissionalizarem no cenário de eSports – seja na parte técnica ou como atletas. A instalação conta com 21 computadores atualizados, podendo comportar 20 alunos e um professor. Confira, abaixo, uma foto da sala destinada aos jovens:
Além dos treinos profissionalizantes para os jogos League of Legends e Fortnite, os jovens também podem montar sua semana com aulas de programação e inglês. "Fizemos a escala dessa maneira para que o jovem possa escolher entre evoluir nos jogos competitivos ou garantir uma formação técnica para trabalhar nos bastidores", disse Chantilly em entrevista pra a Exame.
Durante o primeiro ano do projeto, o sócio e diretor do AfroGames conta que o número de interessados passou de 300. Mas, dada a limitação do número de computadores disponíveis, apenas 100 alunos por ano - e 20 por turma - podem ser aceitos. "Nós damos preferência para moradores de Vigário Geral e reservamos 30% das vagas para mulheres e portadores de necessidades especiais. A ideia é integrar os jovens da própria comunidade e, por isso, também não exigimos escolaridade mínima e nem cobramos mensalidade", disse Chantilly.
Apesar do projeto já ter conseguido formar times de League of Legends e Fortnite - sendo este último o primeiro time do Brasil que nasceu em uma favela -, Chantilly comentou que eles não tem como objetivo atual levar os times para os principais campeonatos do país. A ideia é que possam evoluir para chegar a este ponto, com rotinas de treinos similares a de uma "gaming house" profissional, mas no formato de uma escola regular.
Para Chantilly, o projeto pode ser a chave para dar início a uma democratização e popularização dos eSports no Brasil. Embora o país tenha mais de 62 milhões de jogadores ativos, o cenário profissional ainda afasta jovens fora das grandes cidades. "Para se dedicar a uma carreira, é preciso ter estabilidade de internet e financeira para investir em bons equipamentos, além de tempo para treino. Os adolescentes da periferia não tem tanto tempo quanto os jovens de classe média para isso", disse Chantilly.
Além de Fortnite e LoL, o próximo jogo que o projeto mira é o battle royale para celular Free Fire. O game é líder no cenário de eSports mobile no Brasil e já atrai diversas organizações de futebol, como Flamengo e Corinthians. "Pretendemos entrar no cenário do Free Fire o mais rápido possível, mas ainda estamos atrás de parcerias para que a formação do time seja possível para a nossa realidade", disse Chantilly.
Este ano, a ONU Brasil considerou o AfroGames um projeto modelo para os jovens brasileiros. Chantilly acrescentou que diversas Secretarias do país já estão interessadas em replicar o projeto em suas regiões. "Todo mundo quer jogar e todo mundo quer aprender. Os jovens não saem, eles entram e ficam para evoluir. Vamos poder ver jogador de favela treinando em clubes maiores, como paiN e INTZ daqui a pouco", disse o diretor do projeto.
As aulas do AfroGames estão programadas para voltar em novembro, mas o diretor comentou que ainda depende que a reabertura da escola seja liberada. Ainda assim, o grupo discute adiar o recomeço das aulas apenas para 2021, quando é mais seguro tanto para os funcionários quanto para os alunos. "Queremos poder miscigenar o cenário e torná-lo cada vez mais acessível. Acreditamos que ele poderá diminuir, aos poucos, a elitização da profissão", finalizou Chantilly.