Revista Exame

Resistente a quedas: após crescer 50% na pandemia, a catarinense Oxford avança para outros mercados

Em crescimento acelerado, a indústria de louças Oxford, de Santa Catarina, quer dobrar de tamanho e faturar 1 bilhão de reais em cinco anos, mesmo com a concorrência dos asiáticos e a ressaca pós-pandemia no setor de decoração. O que explica o otimismo?

Irineu Weihermann, diretor-presidente da Oxford: aposta em itens elaborados — e nada de commodities
 (Leandro Fonseca/Exame)

Irineu Weihermann, diretor-presidente da Oxford: aposta em itens elaborados — e nada de commodities (Leandro Fonseca/Exame)

Marcos Bonfim
Marcos Bonfim

Repórter de Negócios

Publicado em 23 de novembro de 2023 às 06h00.

Última atualização em 23 de novembro de 2023 às 18h15.

O Brasil vive às voltas com a perda de relevância de sua indústria. O setor já chegou a representar 30% do PIB nos anos 1980. Hoje, a fatia beira os 10%. Muito disso em razão da concorrência feroz vinda da China, um assunto antigo e que, de tempos em tempos, volta à pauta de empresários e figuras do governo. Como superar a adversidade? Para além de pensar nos desafios macro do país, como educação e infraestrutura, vale um olhar atento a quem conseguiu ser competitivo, mesmo com o Brasil sendo o Brasil de sempre. Um bom exemplo vem de Pomerode, cidade de 30.000 habitantes no Vale do Itajaí, região de Santa Catarina colonizada por alemães na virada do século 20 e, atualmente, um dos maiores polos industriais do Sul do país. Numa das principais avenidas da cidade, uma casa de estilo enxaimel está recebendo uma reforma avaliada em 5 milhões de reais que terminará no começo de 2024. O local sediará uma megaloja de 750 metros quadrados da Oxford, fabricante de peças de porcelana e louças fundada há 70 anos em São Bento do Sul, cidade a 90 quilômetros dali. O espaço está ao lado da fábrica de cristais Strauss, comprada pela Oxford há seis anos. Os dois edifícios serão integrados por uma estrutura de vidro. A ideia é tornar o local mais um ponto turístico de Pomerode, um destino conhecido pela arquitetura e pelos costumes germânicos. A atração será a produção de cristais em tempo real. Os visitantes poderão ver as bolas de fogo oriundas de fornos com temperaturas acima de 1.400 graus Celsius. Depois de penduradas por hastes metálicas e assopradas por artesãos, elas viram peças como copos e taças de vinho. A intenção é criar uma experiência tão agradável quanto a que têm turistas em cidades europeias que são polos de indústrias de cristais.

A megaloja de Pomerode coroa anos de expansão acelerada da Oxford em meio a concorrentes abalados por choques. Fundada em 1953, por empresários de São Bento do Sul, a companhia entrou no radar dos fundadores da fabricante de motores WEG, aberta na vizinha Jaraguá do Sul. Em 2003, a WPA, uma holding dos fundadores da WEG, comprou a companhia. Na época, a Oxford sofria com a perda de clientes para os chineses. Na ocasião, 70% da receita de 40 milhões de reais vinha do exterior. Para competir em preço com fabricantes asiáticos, a empresa dava descontos agressivos — e amargava prejuízos. “A Oxford mandava a louça com uma nota de dólar junto”, brinca Décio da Silva, presidente do conselho de administração da WEG e da holding controladora da Oxford. “A operação era muito deficitária.” Embalados pela produção em massa e incentivos fiscais, os fabricantes chineses também ocuparam espaço de destaque em lojas de departamento brasileiras. Apesar de o Brasil ter conseguido o aval da Organização Mundial do Comércio para implantar barreiras tarifárias na importação de itens de porcelana chinesa, em 2014, a verdade é que a concorrência prejudicou de vez o setor. De 2010 para cá, o Brasil perdeu 24% das indústrias cerâmicas. Hoje são 567, de acordo com o Ministério do Trabalho. Quem sobreviveu enfrenta problemas. É o caso da -Schmidt, cuja dívida de 71 milhões de reais motivou um pedido de recuperação judicial em 2016 ainda sem aprovação dos credores.

Enquanto isso, na Oxford, os números são reluzentes como uma louça recém-lavada. Em 20 anos sob gestão dos controladores da WEG, o tamanho da empresa multiplicou por oito: em 2022, a receita líquida chegou a 449 milhões de reais. Boa parte do salto veio na pandemia e foi impulsionada pelo interesse repentino em utensílios domésticos por gente em quarentena. O fim da crise sanitária retomou gastos fora de casa, como refeições ou passagens aéreas, e provocou um novo baque no setor de casa e construção. Vide o fim da operação da loja de departamento Etna e o fechamento de pontos de venda de redes de -decoração como Tok&Stok e Camicado nos últimos meses. Em meio aos percalços entre concorrentes e varejistas de casa e decoração, a Oxford segue com o pé no acelerador. Neste ano, as receitas devem beirar os 500 milhões de reais. Em cinco anos, a meta é chegar ao primeiro bilhão em vendas.

O que explica tanta resistência à queda na Oxford? Boa parte da resposta está na combinação de um portfólio mais diverso e focado no mercado nacional. Logo após a mudança de controle, a Oxford abandonou as exportações. Muito tempo antes de o termo “cross-selling” virar moda em cursos de gestão, os sócios da WEG entenderam a importância de um portfólio amplo para vender mais de uma vez aos clientes de sempre — ou conquistar novos. Até então focada somente em linhas de pratos para as classes A e B, em 2005 a Oxford criou a Biona, com produtos para varejistas populares, como Casas Bahia e Magazine Luiza. A marca responde por 47% da receita. Na sequência, vieram investimentos no segmento de cristais com a compra de duas empresas de Pomerode: a Cristaleria Pomerana, em 2010, e a Strauss, sete anos mais tarde. Perto de 4% do faturamento da Oxford vem daí. Ao mesmo tempo, os sócios investiram na ampliação da fábrica de São Bento do Sul e na abertura de uma unidade em São Mateus, no Espírito Santo. A decisão abriu espaço para a produção de outros artigos para cozinha, como panelas de cerâmica, refratários, chaleiras, assadeiras, tábuas e potes. Os lançamentos foram acompanhados de um cuidado redobrado com o design. Desde 2015, a empresa patrocina um dos principais concursos para jovens designers brasileiros. Além disso, apostou em linhas de cerâmica com desenhos feitos a mão ou com alguma pegada de sustentabilidade. Em paralelo, investiu na venda direta ao consumidor, via um comércio eletrônico próprio e espaços dedicados em marketplaces como Amazon e Mercado Livre, e a megaloja prestes a abrir em Pomerode. “Isso é um movimento importante para encontrar um lugar diferente e sem concorrência direta da China”, diz Graziela Nivoloni, coordenadora de cursos do Instituto Europeu di Design, instituição de ensino em São Paulo. A consequência disso tudo é um negócio com maior valor agregado. De 2010 para cá, por exemplo, o volume fabricado pela Oxford por ano cresceu 167%, para 91 milhões de unidades. As receitas, por sua vez, expandiram 377% no período.

A expansão de portfólio da Oxford, de alguma maneira, segue os passos do que foi feito pela própria WEG. Aberta em 1961 como uma pequena fábrica de motores elétricos, a companhia é, atualmente, um gigante de 30 bilhões de reais com a fabricação de milhares de equipamentos elétricos para setores variados — do agronegócio à indústria naval. “A chegada dos sócios da WEG provocou uma guinada forte na estratégia”, diz Irineu Weihermann, que chegou à Oxford em 1988 como analista de TI e, depois de galgar várias posições, é o diretor-presidente da companhia desde 2012. “A cultura da WEG e a presença de um sócio majoritário com capital para investir colaboraram para o resultado.” A influência do controlador está presente no dia a dia da Oxford. A começar pela engenhosidade da mão de obra. As linhas de produção da WEG são laboratórios de inovação em nível global em componentes para motores. Quem visita a fábrica da Oxford em São Bento do Sul costuma ser apresentado a tecnologias criadas ali mesmo para contornar demandas a uma fração do custo de uma solução buscada no mercado. “Uma máquina de tampografia de quatro cores [utilizada na impressão de estampas coloridas sobre superfícies de porcelana] custa 2 milhões de reais na França, onde há um fornecedor dessa tecnologia”, diz -Leonides Levermann, diretor industrial da Oxford. “Aqui, nós fazemos por 500.000 reais.” Um time de 60 funcionários do setor de ferramentaria dedica várias horas ao planejamento de novos formatos, cores e estampas. Em razão disso, a companhia foi pioneira na fabricação de pratos com geometria pouco- convencional. Apesar de ainda serem o carro-chefe de vendas, os redondos vêm perdendo espaço para modelos quadrados, retangulares e até mesmo os orgânicos, nome dado às peças sem um formato geométrico definido.

Depois de encontrar um caminho para crescer, mesmo num setor machucado pela concorrência asiática, agora a Oxford quer fazer das exportações uma das prioridades. Após tanto tempo investido no consumidor brasileiro, só 10% da produção acaba indo para fora do país. Em geral, os clientes são varejistas de países vizinhos onde os chineses vêm perdendo competitividade em razão das restrições crescentes ao comércio exterior no mundo pós-pandemia. Para elevar a fatia, a Oxford deve inaugurar em 2024 um centro de distribuição de produtos nos Estados Unidos. É a primeira estrutura desse tipo fora do Brasil em 20 anos. O plano é usar o espaço como entreposto para varejistas americanos, europeus e até mesmo asiáticos serem reabastecidos em questão de dias. Num primeiro momento, o espaço deve receber os itens de maior valor agregado. “Nós temos de fugir das commodities”, diz Weihermann. “Iremos com produtos de formatos diferenciados, decorações mais elaboradas e esmaltes que permitem que o gosto dos alimentos seja preservado.” Nos planos está ainda a abertura de uma loja virtual para venda dos produtos diretamente ao consumidor americano. “Temos uma oportunidade muito boa para crescer na área internacional”, diz Décio da Silva, um dos responsáveis pela ambição global da WEG a partir dos anos 1990. No gigante dos componentes elétricos, a expansão envolveu três passos sucessivos: importação de produtos do Brasil, criação de cadeias de distribuição própria no exterior e construção de fábricas pelo mundo. Agora, portanto, a Oxford, está dando o segundo passo. “Quando a segunda etapa amadurecer, teremos a terceira, que é onde a WEG está”, diz.

Ao mesmo tempo que olha para o mundo, a Oxford vê a chegada de novos concorrentes no mercado doméstico. No ano passado, a gaúcha Tramontina aportou 400 milhões de reais numa fábrica de 54.300 metros quadrados em Pernambuco capaz de produzir quase 17 milhões de unidades de porcelana por ano, entre pratos, xícaras, pires, canecas e saladeiras. “A unidade representou o maior investimento do grupo de uma única vez”, diz Marcio Lucena Lisboa, diretor comercial da Tramontina. O destaque ali é uma tecnologia para moldar toda a peça de uma só vez — evitando, assim, o trabalho de ter de juntar alças manualmente. Em outro flanco, uma nova geração de pequenas indústrias está aproveitando a proteção comercial para conquistar o consumidor brasileiro com a mesma aposta no design desbravada pela Oxford há algum tempo. Em Porto Ferreira, município de 50.000 habitantes no interior paulista considerado um dos maiores berços da indústria de louças no país, há empresas como a Porto Brasil, especializada em stoneware, um tipo de argila transformado em itens com alta durabilidade depois de passar por fornos com temperaturas acima de 1.300 graus Celsius. A empresa fabrica 12 milhões de peças por ano e vende em lojas voltadas para os públicos A e B, como Camicado e Tok&Stok. “Conseguimos levar um produto nacional e, ao mesmo tempo, voltar a falar em inovação e design”, diz Ana Varaldo, CFO da Porto Brasil. Ao que tudo indica, a fórmula de resistência da Oxford ganhou adeptos, para o bem dos consumidores — e do Brasil.


DO INTERIOR DE SANTA CATARINA PARA O MUNDO

Fundada há 70 anos, a Oxford hoje opera em dois estados e prepara a abertura de um centro de distribuição nos Estados Unidos

1953 > Empresários de São Bento do Sul (SC) compram o acervo da Cerâmica Santa Terezinha, dedicada a louças

1954 > Mudança de nome para Oxford em homenagem ao bairro onde está a fábrica

1968 > Abertura da Oxford Mineração para o fornecimento de matéria-prima e comércio de argila a terceiros

1976 > Envio do primeiro contêiner com produtos da Oxford para os Estados Unidos

2003 > A holding WPA, de sócios da metalúrgica WEG, assume o controle da empresa

2005 > Criação da Biona, marca da Oxford para peças de porcelana com preços acessíveis

2010 > Compra de uma fábrica de cristais artesanais em Pomerode, em Santa Catarina

2016 > Inauguração da fábrica em São Mateus, no Espírito Santo

2017 > Aquisição da marca de cristais Strauss, de Pomerode

2021 > Expansão de 20% da capacidade da fábrica em São Mateus, para 54 milhões de peças ao ano

2023 > Preparativos para a inauguração de um centro de distribuição nos Estados Unidos, o primeiro no exterior

 

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