Revista Exame

Para receber mais tecnologia, a escola vai ter de mudar

Para o diretor de educação da OCDE, o uso da tecnologia só vai melhorar o aprendizado se o sistema escolar for reformulado

Escola: “Com professores qualificados, a tecnologia pode elevar o ensino para o próximo nível”, diz Andreas Schleicher (Stock.xchng/Reprodução)

Escola: “Com professores qualificados, a tecnologia pode elevar o ensino para o próximo nível”, diz Andreas Schleicher (Stock.xchng/Reprodução)

DR

Da Redação

Publicado em 2 de novembro de 2017 às 05h55.

Última atualização em 14 de novembro de 2017 às 12h16.

O alemão Andreas Schleicher trabalha há mais de duas décadas na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) pesquisando os impactos da educação. Hoje, ele é diretor da divisão de educação do órgão e é o responsável pelo Pisa, maior e mais conhecido teste de avaliação educacional do mundo. Para Schleicher, o desafio de levar mais tecnologia vai além da infraestrutura e passa por uma total revisão dos modelos pedagógicos. “É preciso que os professores sejam os protagonistas dessa mudança. Se isso não acontecer, colocar a tecnologia na frente dos alunos não vai fazer muita diferença”, diz ele.

Andreas Schleicher, da OCDE: “Com professores qualificados, a tecnologia pode elevar o ensino para o próximo nível” | Paulo Fehlauer/Folhapress

O uso de softwares e computadores em sala de aula ainda é limitado no Brasil e em outros países. Por que isso ocorre?

O uso de tecnologia em sala de aula enfrenta uma série de dificuldades. Temos hoje uma tecnologia do século 21, um modelo pedagógico do século 20 e um sistema escolar do século 19. O que eu quero dizer com isso é que a tecnologia está disponível, mas o sistema educacional não está preparado para aproveitá-la. Muitas vezes, o sistema escolar até trabalha contra isso. Por exemplo, a tecnologia estimula o aprendizado colaborativo e dá aos estudantes acesso livre ao conhecimento, mas os exames de avaliação só testam a capacidade de os alunos reproduzirem o conteúdo que aprenderam. É um tipo de avaliação -contraproducente para o tipo de aprendizado possibilitado pela tecnologia. Também é preciso dizer que há uma grande lacuna entre a tecnologia que as crianças experimentam fora da sala de aula e a tecnologia que eles veem dentro da sala, de pior qualidade. O professor acaba passando vergonha quando usa os computadores e a conexão de internet de que a escola dispõe.

Qual é a solução?

Precisamos reformular os modelos pedagógicos, precisamos reorganizar o aprendizado em sala de aula, precisamos redesenhar o modo como a tecnologia melhora a criação de conhecimento. No Japão ou em Singapura, países que têm os melhores índices de educação, não há muita tecnologia nas salas de aula. Na verdade, os professores usam a tecnologia mais para trabalhar com outros professores, para criar redes de colaboração. Em Xangai, na China, existe uma plataforma digital em que os professores compartilham os planos de aula para que outros possam usá-los. A parte inteligente disso é que, quanto mais as lições são usadas por outros educadores, mais o professor ganha status e pontos. No fim do ano, o diretor da escola pergunta não só se o professor foi capaz de ensinar os alunos mas também como ele -contribuiu para o sistema educacional.

Esse exemplo de Xangai pode ser um modelo para outros países?

Sim. Os professores muitas vezes trabalham isolados em suas salas de aula. Eles não sabem, e não têm muitos meios de saber, o que vem acontecendo em outras salas e em outras escolas. Acho que a tecnologia pode ajudar a corrigir isso.

Nos países desenvolvidos, a tecnologia está sendo bem aplicada na educação?

Obviamente, um país como a Finlândia tem professores muito mais preparados do que outros. Quando há educadores qualificados, a tecnologia pode elevar a educação para o próximo nível. Mas, mesmo nesses países, ainda me surpreendo com quão pequeno é o impacto da tecnologia nas práticas de ensino. Ainda há muito o que fazer. No Brasil existem bons exemplos de inovação na educação, mas a tecnologia ainda não entrou de maneira disseminada no sistema educacional. É preciso que os professores sejam os protagonistas dessa mudança, e não apenas os implementadores das soluções. Se isso não acontecer, colocar a tecnologia diante dos alunos não vai fazer muita diferença.

A maioria das pesquisas não mostra uma ligação direta entre o uso da tecnologia e a melhoria no aprendizado. Por que isso ocorre?

Porque ainda não temos uma pedagogia preparada para fazer um bom uso dessa tecnologia. Essa é a ligação que falta. Se o professor simplesmente usa a tecnologia para fazer a mesma coisa que faz numa sala de aula tradicional, no final, os resultados educacionais serão piores. Se o objetivo é melhorar o aprendizado, a tecnologia não é uma maneira muito efetiva de atingir isso. A vantagem da tecnologia está no desenvolvimento de práticas colaborativas, no desenvolvimento de habilidades criativas, de resolução de problemas. Nisso, o uso da tecnologia pode fazer uma diferença real. Mas, para acontecer, é preciso ter uma pedagogia diferente, uma organização diferente da sala de aula. Para completar, discordo que a tecnologia possa substituir o ensino de baixa qualidade. Essa é uma ideia que volta e meia aparece: é preciso usar a tecnologia para substituir o trabalho dos professores onde a educação é de baixa qualidade. Isso não é muito promissor.

Acompanhe tudo sobre:Educaçãoempresas-de-tecnologiaEXAME 50 AnosOCDE

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda