Revista Exame

Na NRF 2024, a tecnologia de self-checkout mostra como o varejo físico quer fazer frente ao digital

Abalado pela pandemia e pelo avanço digital, o comércio tradicional investe em tecnologias como robôs e sensores para reconquistar os consumidores

Edição 2024 da feira da NRF, em Nova York: mais de 40.000 visitantes e 1.000 expositores (Leo Branco/Exame)

Edição 2024 da feira da NRF, em Nova York: mais de 40.000 visitantes e 1.000 expositores (Leo Branco/Exame)

Leo Branco
Leo Branco

Editor de Negócios e Carreira

Publicado em 25 de janeiro de 2024 às 06h00.

Num ponto comercial em uma das esquinas mais valorizadas da 5a Avenida, a principal via de comércio de Nova York, a loja da varejista japonesa Uniqlo é, talvez, um dos exemplos mais emblemáticos de como o comércio de rua está investindo pesado em tecnologia. Por ali, não há mais humanos com a função de caixa. Os funcionários andam pelos quatro andares da loja dando as boas-vindas a quem está passando, como é o costume no Japão, além de tirar uma ou outra dúvida.

Os clientes pagam sozinhos pelas suas compras. Para isso, colocam roupas em grandes caixas forradas com sensores de RFID, uma tecnologia para transmissão de dados via radiofrequência, além de câmeras para reconhecer o tamanho e o peso dos produtos colocados ali. Um visor exibe o nome e o preço de tudo dentro da caixa. Se o cliente tira algo, o visor automaticamente muda o valor da compra. Basta o cliente colocar o cartão de crédito na maquininha e — voilà! — a compra está feita. Esse tipo de autoatendimento é chamado no jargão do varejo de self-checkout.

O sistema adotado pela Uniqlo virou o paradigma de ótima experiência para o consumidor na boca do caixa — quem gosta de ficar escaneando códigos de barras até descobrir o preço de um produto?

Quem está adotando a tecnologia

Até recentemente, a tecnologia estava restrita a gigantes como a Uniqlo e a Amazon. Em 2018, a varejista americana ganhou as manchetes do mundo ao lançar a Go, uma loja na qual os clientes pagam pelas compras sem tirar a carteira do bolso, graças a um sistema semelhante ao da Uniqlo. Na ocasião, o gigante fundado por Jeff Bezos falava em abrir 3.000 lojas no formato até 2021.

A prática, porém, foi bem diferente do planejado. Atualmente, são 43 lojas no formato nos Estados Unidos e no Reino Unido. Em março passado, a companhia cortou oito unidades em meio a uma onda de demissões e medidas para cortes de custos. Enquanto isso, a tecnologia de self-checkout foi ganhando espaço entre concorrentes, como as americanas Walmart e Kroger, que passaram a adotar a tecnologia em algumas lojas.

Ao que tudo indica, o papo da automação nas compras deixará de ser só de executivos das grandes varejistas, para o bem de pequenos lojistas em busca de maneiras de competir com as grandes e também para o de consumidores. A tecnologia foi o destaque da feira anual da NRF, a associação americana das varejistas, realizada em janeiro, em Nova York.

Em três dias, 40.000 pessoas circularam pelos 310.000 metros quadrados do Javits Center, centro de convenções às margens do Rio Hudson. É quase 20% acima da edição do ano passado, que já tinha batido recorde de público. Além disso, 10% dos visitantes eram brasileiros.

O país mandou a segunda maior delegação, só atrás da americana. No meio da turma havia executivos de varejistas nacionais, como Pão de Açúcar e Mercado Livre, e também muitos empreendedores. Entidades como o Sebrae montaram missões com empresários de diversas regiões.

Qual é a disposição do varejo para a inovação

Há indícios de que uma revolução tecnológica está por vir no varejo tradicional. É o que mostra um estudo com 1.400 executivos do varejo conduzido pela americana Zebra Technologies, uma das principais fabricantes de tecnologias para o varejo, como sensores de RFID, câmeras e celulares capazes de reconhecer produtos dentro de um centro de distribuição. A pesquisa realizada no fim de 2023 constatou que 73% dos entrevistados pretendem acelerar o cronograma de investimentos em tecnologia nos próximos anos.

Em centros de distribuição, por exemplo, seis em cada dez executivos querem implantar a tecnologia de RFID para ganhar tempo na expedição de mercadorias que entram e saem de seus armazéns em algum momento nos próximos quatro anos. É um aumento de 21 pontos percentuais em relação a uma pesquisa similar feita pela Zebra em 2022.

Esta disposição deve elevar as vendas desse tipo de tecnologia no mundo para 18,9 bilhões de dólares, alta de 67% sobre 2022. O número de sensores de RFID como os instalados na máquina de self-checkout da Uniqlo deve beirar 49 bilhões em 2031, quase o triplo do número mais recente, de 2021: 18 bilhões.

Vitrine de realidade aumentada da startup Zero10, do Chipre: o cliente pode provar a roupa, mesmo sem o item em estoque (Leo Branco/Exame)

Por que estamos falando disso agora?

Grande parte das tecnologias de automação de vendas à disposição na NRF está longe de ser uma novidade. Os sensores de radiofrequência, por exemplo, remontam ao sistema de identificação de aeronaves adotado pelas forças militares americanas e alemãs na Segunda Guerra Mundial.

As câmeras de altíssima resolução em 3D, usadas para reconhecer objetos, como as mercadorias numa balança de caixa, já fazem parte do dia a dia de setores como o de segurança pública. Os experimentos com self-checkout começaram em 1986, numa loja do supermercado Kroger em Atlanta, nos Estados Unidos. Na época, o sistema era equivalente ao de quiosques de autoatendimento comuns em supermercados no Brasil hoje em dia, no qual o cliente ainda precisa escanear as compras.

Tudo isso na balança, por que o tema virou um oba-oba entre os frequentadores da NRF em 2024? Há três razões principais. A primeira está na resposta do setor ao baque sofrido na pandemia. O abre e fecha do comércio de rua levou muita gente para o e-commerce. Pessoas de todas as idades, inclusive idosos, ficaram acostumadas com inovações como vídeos em 3D para checar o tamanho de um calçado à venda na internet, por exemplo.

Agora, com o fim da pandemia e um cliente muito mais à vontade com a tecnologia na hora de comprar, o varejo físico está investindo como nunca em aparatos para melhorar a experiência do cliente que está de novo circulando por aí. Ou, então, para elevar a eficiência de processos, como a gestão de estoque, de modo a recuperar margens operacionais em meio à concorrência acirradíssima entre tantos canais.

Robô da Apptronik, de Austin (Texas): substituto de humanos em funções incômodas, como carregar caixas pesadas (Leo Branco/Exame)

A segunda parte da explicação está na queda dramática dos preços de algumas das tecnologias adotadas pelo varejo. O valor do sensor de RFID instalado numa etiqueta da Uniqlo, por exemplo, caiu 80% na década passada, de acordo com estudo da consultoria McKinsey. Hoje, é possível encontrar uma tag por 4 centavos de dólar. “No passado, o custo da tag era tão grande que tornava inviável adotar a tecnologia em mercadorias de pouco valor”, diz Alessandro Matos, gerente-geral para a América Latina da Zebra. “Hoje em dia, o custo deixou de ser um empecilho.”

Fundada em 1969, nos arredores de Chicago, a Zebra aposta pesado no varejo tendo em mente crescer entre os negócios de pequeno porte. Na NRF, a empresa de faturamento anual de 5 bilhões de dólares levou o conceito de “Modern Store”, com um self-checkout semelhante ao da Uniqlo, além de aparelhos para leitura dos códigos de RFID, como um celular adaptado que pode ser usado como um dispositivo para processar a compra dos clientes ou checar inventários num estoque.

“É possível montar uma loja inteligente com investimentos na casa dos milhares de reais”, diz Vanderlei Ferreira, gerente da empresa no Brasil. Por fim, as redes sociais trouxeram muita gente nova para o varejo — vide a multiplicação de lojas online populares no TikTok. Essa turma não apenas trabalha com clientes já dispostos a comprar com toda essa parafernália como também precisa deles para resolver problemas — erros de expedição ou fraudes em centros de distribuição —, ou ainda para fazer a gestão de estoque quando há pedidos de devolução de mercadorias.

O papel das startups no futuro do varejo

Daqui para a frente, a concorrência entre provedores de tecnologias tende a colocar o tema ainda mais na ordem do dia de tomadores de decisão do varejo. Entre as 1.000 empresas com algum estande na NRF de 2024 estavam muitas startups dispostas a forçar mudanças ainda mais radicais no comércio.

Um pavilhão inteiro do Javits Center foi dedicado a elas. Ali, era possível encontrar soluções como uma vitrine digital criada pela empresa cipriota Zero10. Fundada em 2020, ela usa realidade aumentada para capturar a fisionomia do cliente e, numa tela em tamanho real, reproduz a imagem do cliente sobreposta a qualquer peça de vestuário.  É uma mão na roda para uma loja com pouco estoque.

Ao lado dela estava um robô humanoide chamado Astro. Desenvolvido pela Apptronik, startup criada em Austin, no Texas, em 2016, o Astro serve para desempenhar funções pouco confortáveis aos humanos num centro de distribuição, como carregar caixas muito pesadas ou subir escadas sucessivas vezes.

Algumas tecnologias ainda estão na fase de protótipo, com uma vitrine capaz de mostrar em tamanho real uma pessoa a milhares de quilômetros dali. A ideia é o cliente tirar dúvidas mais rápido do que por telefone ou e-mail. É provável que algumas inovações caiam em desuso com o tempo, mas uma coisa é unânime entre quem circulou pela NRF deste ano: a experiência de compra está passando por uma revolução profunda e ainda sem data para acabar. 

Acompanhe tudo sobre:1259

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda