Revista Exame

No meio do caminho tem um La Niña

O Brasil pode bater recorde na produção de soja na temporada 2024/25, mas a chegada do La Niña põe em xeque a estimativa — e a rentabilidade da soja também começa a preocupar

César H. S. Rezende
César H. S. Rezende

Repórter de agro e macroeconomia

Publicado em 22 de agosto de 2024 às 06h00.

Última atualização em 25 de agosto de 2024 às 17h36.

Se “no meio do caminho tinha uma pedra”, como escreveu o poeta Carlos Drummond de Andrade no poema intitulado No Meio do Caminho, na safra 2024/2025 do Brasil também há um obstáculo que pode atrapalhar as projeções dos analistas de uma safra recorde de soja do país — e ele atende pelo nome La Niña.

O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) projeta em 169 milhões de toneladas a produção brasileira. Caso confirmado, seria um recorde. Desde junho, o órgão americano mantém nesse patamar a estimativa de soja do país, mas o fenômeno climático pode frustrar essa expectativa, além de afetar a rentabilidade da soja brasileira.

No último levantamento do Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOOA, na sigla em inglês), reportado no início deste mês, há 66% de risco de o La Niña ocorrer a partir de setembro — a previsão é de que ele atue até fevereiro. Acontece que será nesse período, sobretudo a partir de setembro e outubro, que alguns estados brasileiros darão início ao plantio da soja. E é nesse ponto que reside o X da questão.

O La Niña é um evento climático no qual a temperatura do Oceano Pacífico na região tropical fica abaixo da média, e esse resfriamento provoca uma série de efeitos climáticos, que incluem chuvas mais intensas na Ásia e condições mais secas em algumas áreas da América do Sul.

O ponto de consenso entre os meteorologistas, contudo, não é se o La Niña vai ocorrer, e sim quando e quais serão seus reais impactos no agronegócio. No caso brasileiro, as atenções estão voltadas para o Centro-Oeste e o Sul do país, já que Mato Grosso, Rio Grande do Sul, Paraná, Goiás e Mato Grosso do Sul respondem por mais de 80% da produção de soja.

“A influência de fenômenos climáticos não é instantânea, e há um atraso entre o início de um fenômeno e seus efeitos reais. Da mesma forma, quando um fenômeno termina, seus efeitos não desaparecem imediatamente”, afirma Willians Bini, meteorologista do Clima no Campo.

As mudanças climáticas, avalia, têm impossibilitado cravar os reais impactos sobre as diferentes culturas do agro. O ano passado, por exemplo, foi marcado por altas temperaturas, que causaram problemas na agricultura, exigindo replantios por causa das condições extremas de calor. “Embora o clima deste ano também possa ser quente, a presença do La Niña pode moderar a frequência de picos extremos de calor”, diz. “Na última vez em que tivemos o La Niña, em 2022/2023, a produção de soja no Centro-Oeste do Brasil foi muito boa. Portanto, apesar das dificuldades, a presença do La Niña não necessariamente implica resultados negativos.”

Na temporada 2023/24, que começou em 1o de julho do ano passado e foi até 30 de junho de 2024, a expectativa do mercado era de que o Brasil batesse recorde com uma produção de soja que ultrapassasse com folga os 150 milhões de toneladas — a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), órgão oficial do país para levantamento da safra, estima que o país tenha colhido 147,38 milhões de toneladas.

As projeções caí­ram por terra quando a realidade climática se impôs: em várias re­giões do Brasil, as chuvas irregulares causaram atrasos na semeadura e nos replantios. Além disso, a combinação de estiagem e altas temperaturas acelerou o ciclo das plantas, especialmente das cultivares precoces. Embora essas variedades tenham atingido o ponto de colheita mais cedo, muitas delas apresentaram perdas consideráveis em seu potencial produtivo. O caso mais emblemático, talvez, seja o do Rio Grande do Sul, o segundo maior produtor nacional de soja. Em abril e maio, chuvas e inundações afetaram a colheita do estado, que tem uma perda estimada em 2 milhões de toneladas da oleaginosa.

O Brasil é o maior produtor global de soja, acompanhado de Estados Unidos e Argentina. Juntos, esses paí­ses devem somar 340,7 milhões de toneladas de soja em 2024/25 — os EUA e a Argentina devem produzir 120,7 e 51 milhões de toneladas, respectivamente, segundo o USDA. Além disso, o Brasil é o principal exportador mundial do grão.

Na temporada 2024/25, o país deve embarcar 105 milhões de toneladas de soja e produzir 163 milhões de toneladas, segundo estimativas do Itaú BBA Agro, e a China deve ser o principal destino dessas exportações. Se por um lado há um consenso de que a produção deve atingir um pico máximo, há divergências quando o tema é a rentabilidade da soja. Analistas do setor quebram a cabeça para entender como os preços vão se comportar.

Na visão do Itaú BBA Agro, a temporada 2024/25 deve trazer melhores margens para o produtor, já que os custos dos insumos, sobretudo de fertilizantes, devem cair 25%.

Ainda assim, de acordo com a consultoria, os preços da soja, tanto na bolsa de Chicago (CBOT) quanto no retorno ao produtor, devem se manter em um nível comportado — baixo — diante da expectativa de safra recorde no Brasil e do bom desenvolvimento das lavouras americanas. “Essa melhora nas margens pode ser um alívio para os produtores, que enfrentaram dificuldades significativas neste ano, com muitos deles lutando para fechar suas contas”, diz à EXAME César de Castro Alves, gerente da consultoria agro do banco.

De acordo com o pesquisador Mauro Osaki, do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), a rentabilidade da soja nas últimas safras no Brasil apresentou uma queda significativa. A temporada 2022/23 teve uma diminuição de quase 51% em relação ao ciclo 2021/22, enquanto a safra 2023/24 apresentou uma retração de cerca de 30% em relação à safra 2022/23.

Para Osaki, ainda que o produtor consiga cobrir seus custos operacionais, é preciso monitorar a produtividade da soja. “Aqueles que trabalham com áreas arrendadas, dependendo do valor do contrato, podem enfrentar dificuldades para pagar seus custos”, afirma o pesquisador à EXAME.

Na consultoria Datagro, a avaliação é de que o Brasil aumentará em 1,5% a área plantada com soja em 2024/25, para 46,8 milhões de hectares. O incremento, segundo o líder de conteúdo da Datagro Grãos, Flávio França Junior, possibilitaria uma produção de 166,6 milhões de toneladas, um aumento de 12% em comparação com a safra 2023/24 — a consultoria sinaliza uma produtividade de 3.554 quilos por hectare, considerando possíveis impactos de um La Ninã fraco no fim do segundo semestre de 2024 e níveis tecnológicos estáveis.

Mesmo com a perspectiva de menores preços da soja, França Júnior endossa o coro de uma eventual queda nos custos, com destaque também para os insumos, que devem variar entre 5% e 10%, dependendo da região. “Se o produtor conseguir colher adequadamente, com uma boa produtividade, ainda há potencial para obter lucratividade positiva”, destaca o líder de conteúdo da Datagro Grãos.

Mais otimista do que seus pares, a Safras & Mercado projeta uma produção de 171,5 milhões de toneladas na temporada 2024/2025. Segundo Luiz Fernando Gutierrez, especialista no mercado de soja da consultoria, esse montante deve ser alcançado com um aumento de 1,9% na área cultivada, que deve atingir 47,3 milhões de hectares.

“A estimativa baseia-se principalmente na expectativa de recuperação da produtividade em relação à safra 2023/24, que enfrentou problemas em vários estados, especialmente no centro-norte do país”, afirma Gutierrez. Historicamente, o fenômeno La Niña tende a provocar um clima seco na Região Sul do Brasil, onde estão localizados Paraná e Rio Grande do Sul. No entanto, nem sempre o La Niña resulta em perdas significativas em nível nacional. Se o Brasil baterá recorde ou não nesta temporada, e se a rentabilidade será melhor do que nas últimas safras, o tempo — no sentido do clima — vai dizer.


Acompanhe tudo sobre:1266

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda