Revista Exame

Sul Global vai ganhar força no comércio internacional, aponta estudo do BCG

Comércio exterior passa por alterações profundas, que vão se acentuar nos próximos anos

Xi Jinping, dirigente da China, com Dina Boluarte, presidente do Peru: trocas comerciais entre China e Sul Global vão crescer   (Ernesto Benavides/AFP/Getty Images)

Xi Jinping, dirigente da China, com Dina Boluarte, presidente do Peru: trocas comerciais entre China e Sul Global vão crescer (Ernesto Benavides/AFP/Getty Images)

Rafael Balago
Rafael Balago

Repórter de macroeconomia

Publicado em 20 de março de 2025 às 06h00.

O comércio internacional de mercadorias passa por muitas transformações, que podem ser comparadas ao movimento de placas tectônicas: são alterações difíceis de serem percebidas de um dia para o outro, mas, depois de alguns anos, continentes inteiros podem ter mudado de lugar.

Um estudo do Boston Consulting Group, obtido de forma antecipada pela EXAME, mostra que as mudanças no cenário global devem se intensificar na próxima década. São diversas alterações de fluxo: as trocas entre Estados Unidos e China devem cair, enquanto as movimentações comerciais em direção ao chamado Sul Global vão crescer.

O estudo analisou dados de mais de 150 países e projetou como as decisões dos países estão mudando as importações e as exportações. Segundo o BCG, entre as maiores alterações previstas para o período de 2023 a 2033, são as trocas comerciais entre a China e o Sul Global, área que inclui Brasil, América Latina, África e Sudeste Asiático, que devem ter um crescimento composto anual de 5,9% e movimentar mais 1,2 trilhão de dólares por ano em mercadorias em 2033.

Na mesma lógica, o fluxo entre nações do Sul Global deve crescer 3,8% por ano, e atingir 675 bilhões de dólares na próxima década. Já as vendas anuais entre China e EUA devem cair 1,2%, ou 159 bilhões de dólares por ano, em 2033, e as trocas entre União Europeia e Rússia vão encolher 17,2% ao ano e alcançar 106 bilhões de dólares em 2033. (Veja mais números no quadro abaixo)

Nova ordem mundial

“Isso é mais uma manifestação da nova ordem mundial. Desde o final da guerra fria, houve uma redução gradual de barreiras ao comércio internacional, que se tornou um motor de crescimento global. O comércio internacional sempre cresceu acima do crescimento do PIB global”, diz Daniel Azevedo, diretor-executivo e sócio sênior do BCG no Brasil.

O relatório mostra que o Sul Global ganhará força, impulsionado especialmente pela Índia e pelo Sudeste Asiático, que estão avançando na produção de itens com cada vez mais complexidade e passando a fabricar produtos antes feitos na China. As trocas dentro da região, aponta a consultoria, estão indo, além da exportação de commodities baseadas em recursos naturais, para produtos manufaturados mais sofisticados.

Outro movimento é o afastamento entre China e Ocidente. A segunda maior economia do mundo passará a exportar muito menos para os EUA e deverá ter uma relação estagnada com a Europa. Ao mesmo tempo, Rússia e China deverão ter forte alta nas negociações entre si, de 6,3% anuais, ou 269 bilhões de dólares adicionais em 2033.

Para o Brasil, uma das consequências das mudanças será a possibilidade de aumentar as parcerias comerciais. Além do acordo comercial com a União Europeia, concluído no fim de 2024 e à espera de ratificação pelo lado europeu, a China poderá direcionar para cá parte de seus produtos que iam para EUA e Europa, e eventualmente aumentar as compras de itens agrícolas antes adquiridos dos americanos.

A mudança é, de fato, estrutural. Desde o fim da Segunda Guerra, os Estados Unidos buscavam estimular o livre-comércio no mundo, como forma de gerar crescimento econômico e paz. O embrião da União Europeia, por exemplo, foi um acordo, em 1951, entre Alemanha, França, Itália e mais três países para gerenciar de forma conjunta a produção de carvão e aço, itens essenciais para fabricar armas e equipamentos militares.

Além dos acordos comerciais, o avanço da logística, como a adoção de contêineres, barateou o transporte de mercadorias. Assim, se tornou banal comprar produtos feitos do outro lado do mundo, especialmente na China. Hoje, é comum que itens complexos, como automóveis, sejam feitos com peças vindas de várias partes do mundo.

Este modelo de produção globalizada começou a ser abalado no primeiro governo de Donald Trump, sob o argumento de que os Estados Unidos estavam sendo prejudicados por terem um grande déficit comercial. Em 2018, ele impôs tarifas contra a China e mais alguns parceiros, mas em escala bem menor do que a atual. Em boa parte dos casos, foram feitos acordos, como a criação de cotas de importação, e as tarifas acabaram suspensas ou nem implantadas.

A segunda onda de mudanças veio com a pandemia, a partir de 2020. A necessidade de isolamento social paralisou fábricas e dificultou o transporte de mercadorias, o que gerou falta de produtos, de máscaras a carros e aviões. Para complicar, a China, que centralizava a cadeia de produção de diversos itens — a exemplo das máscaras —, demorou mais tempo que o Ocidente para suspender as medidas de restrição, o que postergou a crise nas cadeias de produção e gerou alta de preços.

Assim, no começo desta década, ganhou força o conceito de near-shoring, ou seja, produzir em lugares mais próximos. O maior beneficiado com isso foi o México, que se tornou o maior fornecedor estrangeiro dos Estados Unidos, superando a China.

Em outra reviravolta, ao voltar à Casa Branca, Trump escolheu México e Canadá como seus principais alvos comerciais, além da China. Ele aplicou novas taxas, que, na prática, podem acabar com o tratado ­USCMA, assinado entre os três países da América do Norte e que prevê livre-comércio entre eles.

O republicano promete, ainda, impor tarifas recíprocas a todos os países que taxam importações dos EUA, embora não esteja claro de que maneira isso será feito. Segundo o estudo do BCG, se as medidas propostas inicialmente por Trump — de 60% de tarifas para a China, 25% para Canadá e México e 20% para o resto do mundo — forem implantadas, haveria um aumento de 639 bilhões de dólares no custo dos produtos fornecidos pelos dez maiores parceiros comerciais dos EUA (veja quadro acima).

Os produtos mais atingidos seriam peças automotivas, veículos, energia e eletrônicos, como celulares. Além disso, Trump já postergou e cancelou medidas anunciadas várias vezes, o que traz uma dose adicional de incerteza.

“Uma empresa que tentar apostar em um só futuro vai estar errada. A volatilidade é a única certeza que temos no momento”, diz Azevedo. Ele sugere também que as empresas passem a fortalecer o que chama de “músculo geopolítico”. Após anos de relativa paz global, as empresas deixaram de prestar atenção ao tema, argumenta. Em um cenário de placas tectônicas em movimento, é importante estar de olho nas mudanças do mapa.

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