Humberto Campana: de volta às origens (Fernando Laszlo/Divulgação)
Repórter de Casual
Publicado em 18 de junho de 2024 às 06h00.
“Uma vez li que a vida é um círculo. Você nasce em um lugar e vai morrer nesse mesmo lugar. E logo pensei: ‘Eu não quero morrer em Brotas, de jeito nenhum’”, diz o premiado designer Humberto Campana, que até 2020 achava inconcebível a ideia de voltar para a cidade do interior do estado, onde cresceu e passou parte da adolescência. Pelo mundo, ao lado de Fernando (1961-2022), os irmãos Campana colocaram o Brasil no centro do mundo no mercado de design. Cadeiras como Vermelha, Favela e Paraíba se tornaram assinaturas da dupla e referências do design brasileiro. Peças assinadas por eles fazem parte do acervo de museus como o MoMA, em Nova York. No ano passado, a poltrona Banquete Panda foi leiloada pela Christie’s por 44.100 dólares.
O retorno para o interior, mais de cinco décadas depois, aconteceu durante a pandemia e o isolamento social. “Decidi fazer as pazes com o meu passado e construir pavilhões verdes no sítio da minha família. Acho que foi a minha salvação”, afirma o designer sobre o Parque Campana, que será inaugurado no final deste mês.
“Eu e o Fernando construímos muito, fizemos workshops no mundo inteiro e pensamos: ‘Por que não fazemos isso na nossa cidade?’. Queremos que as pessoas tenham mais sensibilidade com a natureza”, conta o designer. O projeto também engloba arte, arquitetura, design, comida, além de natureza, algo de certa forma semelhante ao Instituto Inhotim, em Minas Gerais. Campana imagina que o projeto possa ser implementado em outras áreas do Brasil. “O solo de Brotas é 80% igual ao do resto do Brasil.”
Assim como muitos mobiliários criados com um viés sustentável, ressignificando materiais como cordas, tijolos e bichos de pelúcia, muitas das lembranças vividas na cidade também foram reinventadas para a construção do parque. Um muro de mandacarus dividia a casa da infância do lote do vizinho, e hoje essa lembrança é revivida em um pavilhão de dois círculos feitos com cactos, “que vão crescer e criar um anfiteatro para concertos e aulas”, diz. Outro pavilhão, também em formato circular, foi construído com tijolos e pedras com aspecto de ferrugem. No centro, Humberto plantou uma figueira. “No dia que o Fernando faleceu, fiquei andando por São Paulo e vi essa figueira brotando na calçada. Puxei a planta e falei que iria plantá-la como sinal de continuação da vida dele. Há uma conexão espiritual, quero que [o parque] tenha um sentido, um significado e uma conexão com o Fernando e com as pessoas que me ajudaram.”
O plano é que o parque de 50 hectares tenha 12 pavilhões, em referência às 12 cidades etruscas. Mais uma referência dos Campana ao passado. “Quero fazer essa união entre a Itália e o Brasil porque a minha origem é italiana, da região da Toscana, de Lucca. A Itália também foi onde tudo começou, onde nos tornamos conhecidos por meio das revistas locais e onde produzo parte dos móveis.” Atualmente o parque possui sete pavilhões prontos que serão utilizados para aulas, palestras, performances de música e dança, por exemplo. Mas também será um espaço contemplativo. “Queria que as pessoas entrassem em silêncio, porque tem animais que estão voltando.”
Um museu também receberá uma seleção dos 40 anos de trabalho da dupla. “Acho que o desafio desse projeto é lidar com a finitude. Eu poderia virar as costas, falar ‘agora que eu fiz um nome, posso morar na Itália ou em qualquer lugar do mundo’. Mas não é isso, eu quis retornar ao meu lugar de origem e valorizá-lo. Estou dando de volta à cidade o que ela me deu.”