Revista Exame

Fadiga digital: a falta de conexão humana e o burnout institucional

Existem milhares de trabalhadores indo à exaustão para atender clientes também cansados

Em tempos de necessidade de novos modelos de trabalho, focar as pessoas será ainda mais estratégico — e alinhado aos princípios ESG (Boris SV/Getty Images)

Em tempos de necessidade de novos modelos de trabalho, focar as pessoas será ainda mais estratégico — e alinhado aos princípios ESG (Boris SV/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 19 de agosto de 2021 às 05h54.

Entre os efeitos da pandemia no trabalho, um dos mais relevantes é a fadiga digital para trabalhadores em regime remoto, gerada pela sobrecarga e mascarada pelo aumento de produtividade. No início deste ano, surgiu na NRF 2021, maior feira de varejo mundial, a expressão “fadiga digital”, voltada para os consumidores carentes de conexões humanas. Por trás destes, existem milhares de trabalhadores indo à exaustão para atender aos consumidores e clientes fadigados. Como falar em customer centricity quando o aumento da incidência de burnout entre os brasileiros já é fato consumado? O burnout é uma síndrome ligada ao trabalho, com sensação de esgotamento, de falta de energia e mudança no hábito de sono, sintomas que podem ser confundidos com ansiedade ou depressão. 

De maneira acelerada, entramos no tempo de people centricity, que deve abranger as necessidades tanto dos trabalhadores quanto dos consumidores. Se antes da pandemia quase 25% dos trabalhadores brasileiros sofriam de burnout, segundo dados da International Stress Management Association (Isma-BR), agora a situação piorou. Plataformas de terapia online acusam um aumento de 42% nas menções ao burnout.

Alguns dados ilustram as origens da fadiga digital. Segundo uma pesquisa recente da Microsoft, houve aumento de mais de 2,5 vezes no tempo gasto em reuniões globalmente e crescimento de mais de 40% no número de chats trocados fora do horário de expediente, combinados com redução nas férias. Todas essas horas a fio na frente de telas sem garantia de ergonomia em casa, sem intervalos, com horários extensos e confusos podem prejudicar a saúde mental, gerando dores no corpo e danos à visão.

Entretanto, apesar das consequências sobre a saúde mental e física, há uma migração para o formato de trabalho remoto, chamado na América do Norte de “a grande renúncia”, já se materializando por aqui também. Pessoas trocando de empresas, muitas vezes sem aumento significativo de remuneração, motivadas pela oferta de trabalho remoto permanente. Embora em pesquisas recentes a maioria dos entrevistados tenha relatado preferir o trabalho híbrido, tanto no Brasil (Google) quanto em nível mundial (Zoom). 

O modelo de trabalho híbrido é apresentado como uma disrupção, mas que ainda não foi claramente delineada. Nesse contexto, as empresas precisarão repensar desde já como cuidam das pessoas, pois o trabalho decente vai muito além do emprego formal e da carteira assinada. Ele também concerne temas como saúde mental, segurança psicológica, diversidade e inclusão, feedbacks frequentes e outros.

A criação de empregos anunciada em nossa economia se contrapõe ao desemprego que não tem baixado, caracterizando a nova economia. Quem opta pelo trabalho remoto visa poder trabalhar da cidade que quiser, mantendo rotinas domésticas que foram reor­ganizadas desde o início da pandemia, com maior proximidade familiar e sem deslocamento de casa até o trabalho. Essas pessoas não estão refletidas em nosso desemprego de mais de 14%, pois são aquelas com maior nível de empregabilidade, em níveis gerenciais ou especializados em áreas tecnológicas. 

O turnover voltou a ser uma dor importante para os líderes, uma vez que quase 40% da força de trabalho mundial considera mudar de emprego, segundo dados da Microsoft, um dos efeitos da “grande renúncia”. No Brasil, o turnover é ainda impulsionado pela inflação nos salários causada por empresas com modelo de negócios de base tecnológica e de forte crescimento.

A renúncia aos deslocamentos impacta positivamente a qualidade de vida das pessoas e o meio ambiente. Em tempos de compromissos ESG e balanço de carbono zero. Esse efeito não pode ser ignorado, nem ambiental nem socialmente. Na Falconi, por exemplo, eram realizadas quase 500 viagens por semana antes da pandemia, grande parte delas aérea, um dos meios de transporte que mais contribuem para o efeito estufa. O deslocamento médio de um trabalhador diário é de 32 quilômetros por dia, o que, quando feito em um automóvel econômico pode gerar mais de 1.800 kg CO2-eq anuais por pessoa. 

Mesmo para aqueles que utilizam o transporte público, ter menos pessoas se deslocando requer menos investimento público e privado para essa infraestrutura. Em capitais brasileiras, o tempo médio semanal de deslocamento é de pelo menos 6 horas, subindo até 7 horas no Rio de Janeiro e em São Paulo, de acordo com dados do IBGE. Isso é praticamente um dia de trabalho perdido, que, somado à carga de trabalho formal, sobrecarrega a saúde mental e gera muito carbono emitido por vários meios de transporte. 

Ainda falando de ESG, o trabalho remoto pode ser visto também pelo ângulo da inclusão, pois permite que pessoas talentosas acessem mercados antes distantes geograficamente, no Brasil e fora do país.

Em tempos de necessidade premente de novo modelo de trabalho, focar as pessoas será ainda mais estratégico, gerando impacto social e ambiental positivos, de acordo com os princípios ESG. Isso não comporta uma força de trabalho exausta digitalmente, que circula freneticamente entre empresas de alto crescimento, dispostas a pagar passes talvez insustentáveis.

(Arte/Exame)

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