Guilherme Dias, CMO da Gupy: a tecnologia da empresa está transformando o recrutamento, com inteligência artificial promovendo inclusão e agilidade nas contratações (Gupy/Divulgação)
Repórter
Publicado em 29 de outubro de 2024 às 06h00.
Última atualização em 30 de outubro de 2024 às 09h37.
A tecnologia entrou com força na área de recursos humanos e já faz parte do dia a dia da área, inclusive para selecionar os melhores candidatos nos processos de recrutamento. Entre as empresas que já contrataram serviços das chamadas HR techs, as startups da área de RH, 24% adotaram a tecnologia para a área de recrutamento e seleção. E, entre aquelas que ainda não empregam esse tipo de solução, 41% desejam contratar. Os dados são de uma pesquisa conduzida pela Think Work em parceria com a Flash, empresa de software de gestão para recursos humanos, entre 7 de junho e 9 de julho de 2024, com a participação de 303 profissionais de RH. A inteligência artificial (IA), ainda que não seja a única tecnologia utilizada para recrutar pessoas, já se faz presente em 42% das empresas ouvidas no levantamento.
Outra pesquisa, da Gartner, mostrou que 80% dos fornecedores de softwares de recrutamento terão incorporado funcionalidades de IA em seus produtos até 2027. Não há dúvidas de que as tecnologias utilizadas, principalmente IA e machine learning, geram ganhos em economia de tempo e assertividade na contratação. O grande ponto de discussão, hoje, é até que ponto elas reproduzem vieses nos processos de escolha, impactando negativamente a diversidade nos quadros de funcionários. “Um item muito importante e debatido por todas as mulheres dos países do G20 é a questão dos vieses das novas tecnologias, já que o conhecimento acumulado resulta de conhecimentos anteriores, permeados por vieses de gênero”, comenta a professora Maria José Tonelli, da Fundação Getulio Vargas (FGV). “A preocupação, quando se trata de recrutamento e seleção de pessoas, é evitar que preconceitos e discriminações sejam reproduzidos.”
Para ela, o uso das ferramentas tecnológicas é essencial atualmente, mas a acadêmica ressalta a importância dos cuidados necessários para que os processos de recursos humanos não percam sua essencialidade, respeitando e promovendo o humano em toda a sua diversidade. “A tecnologia pode desumanizar os processos de gestão de pessoas, e a tecnologia deve estar a favor do humano para questões humanas.”
Thalita Gelenske, CEO e fundadora da Blend Edu, uma startup brasileira especializada em inovação para diversidade e inclusão, afirma que existem múltiplos estudos e pesquisas que mostram o risco de as ferramentas de IA e machine learning perpetuarem ou até amplificarem vieses inconscientes e preconceitos, se não forem adequadamente monitoradas e utilizadas. “Essa exclusão realizada pela tecnologia, apesar de não ser necessariamente intencional, ocorre porque os algoritmos aprendem com base em dados históricos, decisões passadas e bases preexistentes, além de nem sempre contarem com equipes de desenvolvimento diversas”, explica. “Portanto, se premissas por trás da construção da tecnologia não partirem de uma lógica inclusiva e as equipes responsáveis pelo desenvolvimento não tiverem representatividade, a ferramenta pode replicar ou potencializar os padrões negativos e preconceituosos existentes na nossa sociedade.”
Nesse sentido, a recomendação da especialista é ver a tecnologia como uma ferramenta de apoio, e não como algo que substitui completamente recrutadores e recrutadoras. “O elemento humano continua sendo essencial para garantir que as decisões sejam inclusivas e justas.”
Como é no C-level
É isso o que acontece nas seleções para os cargos do C-level. Isis Borge, sócia do Talenses Group, consultoria de recrutamento especializada em alto escalão, diz que o uso de tecnologia no recrutamento de C-level está cada vez mais presente, mas ainda é preciso lembrar que processos para vagas na alta gerência são como uma “alfaiataria, não têm massificação, e boa parte do processo continua sendo ‘feito a mão’, sob medida e com exclusividade para cada vaga, primando pelo atendimento impecável e pela atenção aos detalhes”. “Embora as tecnologias sejam amplamente adotadas para cargos operacionais, o processo para posições executivas se beneficia menos de ferramentas como inteligência artificial e automação. Eu ainda vejo que os processos seletivos de posições de C-level são bastante artesanais, aprofundados e consultivos”, afirma.
Segundo ela, para esse nível hierárquico, as IAs generativas são usadas para preparar arquivos seguindo um determinado padrão de formato, elaborar traduções, montagens de tabelas e material padronizado, descritivo e preenchimento de dados em sistemas. Tecnologias também têm sido utilizadas para análises de tendências mercadológicas, para trazer dados para o processo seletivo com criações de painéis e gráficos das informações mais relevantes do processo seletivo. “Mas não faz sentido o uso de IA para triagens, por exemplo, que são processos bastante customizados e feitos a mão”, ressalta. “Acreditamos que a IA vem para aumentar a produtividade das equipes, mas não para substituir a riqueza do conhecimento e as percepções humanas em processos seletivos mais seniores.”
O que os donos das tecnologias têm feito
A Gupy, uma das plataformas mais antigas no uso de inteligência artificial para recrutamento e seleção, diz ser intencional no desenvolvimento de funcionalidades e algoritmos que minimizem os vieses nos processos seletivos. “Estamos comprometidos em garantir que nossa tecnologia seja uma aliada nesse desafio, proporcionando mais justiça e inclusão nas contratações”, afirma Guilherme Dias, CMO da Gupy. “Nossa inteligência artificial nunca toma decisões de eliminação, aprovação ou movimentação de candidatos. Em vez disso, a IA organiza os currículos recebidos, especialmente em casos nos quais o volume de inscrições pode chegar a centenas ou até milhares por vaga.”
Com isso, diz Dias, as empresas não precisam recorrer a critérios como ordem de chegada ou ordem alfabética para avaliar os candidatos. “O que garante que todos tenham uma primeira chance justa, mesmo em processos de grande volume.”
Ele ressalta que o RH da empresa contratante recebe 100% das inscrições feitas na vaga e tem a liberdade de analisar cada perfil individualmente, se assim desejar. “O papel da Gupy é agilizar essa tarefa, permitindo que a seleção seja mais eficiente e com menos influência de vieses humanos”, comenta.
Para evitar os vieses, Dias explica que a Gupy adota algumas práticas. Desenvolveu, por exemplo, o módulo “diversidade”, uma ferramenta gratuita que permite aos clientes realizar processos seletivos afirmativos. Além disso, sua IA, afirma o executivo, não lê o gênero das palavras, “o que impede que perfis masculinos sejam privilegiados em detrimento dos femininos”, e não utiliza informações como origem racial, gênero, orientação sexual, idade ou outros dados sensíveis, “conforme previsto na legislação, garantindo que esses fatores não influenciem a seleção”. “Realizamos auditorias e testes regulares em nossos algoritmos para identificar e corrigir potenciais vieses”, pontua Dias. “Antes de qualquer mudança ser implementada, ela é testada em grupos de controle para garantir que não haja impacto discriminatório sobre perfis diversos.”
Por fim, Dias comenta que a Gupy tem um trabalho de conscientização com os clientes. “Incentivamos revisões regulares dos processos de recrutamento”, afirma. “Nossos relatórios detalham as características demográficas e profissionais dos candidatos que avançam nas etapas de seleção, permitindo que as empresas identifiquem possíveis distorções e façam ajustes para melhorar continuamente.” O executivo acredita que o trabalho conjunto entre plataformas e empresas é essencial para construir um mercado de trabalho cada vez mais inclusivo e diverso.
As tecnologias do LinkedIn também são amplamente utilizadas pelas empresas nos processos de recrutamento e seleção. Globalmente, mais de 1 milhão de empresas usam as soluções de busca de talentos da rede social, informa a companhia.
A plataforma utiliza uma combinação de machine learning, inteligência artificial (IA) e análise de dados com o intuito de tornar a busca por talentos cada vez mais precisa. Milton Beck, diretor-geral do LinkedIn para América Latina e África, exemplifica como funciona. “Os contratantes podem usar ‘prompts’ [‘solicitações’, na tradução para o português] de pesquisa em linguagem natural, como ‘quero contratar um líder sênior de marketing’, e as ferramentas de IA do LinkedIn, combinadas com insights exclusivos de mais de 1 bilhão de profissionais e 68 milhões de empresas [que usam a plataforma], podem entender o tipo de perfil procurado, fornecendo recomendações dos melhores candidatos.”
A ferramenta oferece, ainda, insights para recrutadores sobre a diversidade de gênero em setores e localizações específicas. “Em uma busca recente, ao procurar por engenheiros e engenheiras civis no Recife, por exemplo, a plataforma me mostrou que 26% dos perfis com essa descrição são de mulheres, permitindo ao recrutador alinhar esse percentual com o de candidatos entrevistados”, detalha Beck.
A plataforma também apoia os recrutadores com mensagens personalizadas por IA, que ajudam a economizar tempo ao se conectarem com os candidatos. Na visão do CEO do LinkedIn, a tecnologia é uma aliada poderosa na promoção da diversidade. “Quando usada corretamente, ela pode ajudar a mitigar vieses subjetivos, como preferências inconscientes relacionadas a gênero, idade ou etnia, e focar as habilidades e as competências”, explica.
Segundo ele, o LinkedIn está sempre atualizando seu algoritmo para que os usuários tenham a melhor experiência. “A tecnologia deve ser usada como um complemento a uma estratégia de recrutamento inclusiva, sempre com uma supervisão cuidadosa para garantir que ela promova, em vez de limitar, a diversidade — e é neste ponto que o fator humano se torna ainda mais essencial.”
Atenção ao formular descritivos da vaga
Para ampliar a diversidade de profissionais interessados nas vagas, Beck recomenda às empresas que tenham um olhar cuidadoso sobre a linguagem usada na hora de buscar candidatos, pensando em descritivos de posições que não passem de cinco requisitos. “É preciso pensar no que realmente é indispensável para a função e no que a pessoa poderia desenvolver”, exemplifica. “Além disso, uma comunicação mais branda e sem utilização de termos muito pesados ou de termos de linguagem enviesados é importante.”
Beck cita uma pesquisa do LinkedIn que mostrou que 44% das mulheres se sentiriam desencorajadas a se candidatar a uma função se a palavra “agressiva” fosse incluída no anúncio. “Dessa forma, em vez de anunciar um ‘vendedor agressivo’, a empresa pode colocar que procura por uma ‘pessoa com foco em vendas que seja comprometida com metas’”, recomenda. “As palavras utilizadas para descrever tudo — desde cargos até a cultura da empresa — influenciam na capacidade de atrair uma força de trabalho diversa ao mesmo tempo que podem ajudar a mitigar esses vieses inconscientes.”
Candidatos veem a IA com bons olhos
Os candidatos a uma vaga de trabalho veem de forma positiva o uso de IA no recrutamento e seleção, segundo uma pesquisa do Capterra realizada em julho de 2024 com 250 entrevistados brasileiros. De acordo com o levantamento, 68% dos candidatos a um emprego que participaram da pesquisa disseram que têm uma visão positiva em relação aos empregadores utilizando IA no processo de recrutamento e seleção e 68% afirmaram que o uso de IA lhes dá maiores chances de serem contratados.
Em relação aos possíveis vieses da tecnologia, 72% disseram que a IA tem geralmente menos vieses do que humanos na avaliação de candidatos a um emprego. Por outro lado, a falta de confiança na tecnologia para atividades de recrutamento, a ausência de interação humana e o desconhecimento sobre seu funcionamento são os principais motivos pelos quais 32% dos candidatos consideram negativo o uso da IA no recrutamento e seleção.
Como evitar vieses no recrutamento
É importante que as empresas e os profissionais de recrutamento adotem medidas para minimizar os vieses tecnológicos, ampliando o senso de equidade ao longo das etapas de seleção. Algumas práticas recomendadas incluem:
• Auditoria de algoritmos
A equipe de RH pode aplicar auditorias regulares para verificar se os algoritmos estão exibindo algum padrão de viés e, se necessário, fazer ajustes para eliminar ou mitigar essas distorções. Claro que essa auditoria deve ser conduzida por equipes diversas e especializadas.
• Treinamento e sensibilização
É importante os profissionais de recrutamento serem treinados em diversidade e inclusão, para que saibam identificar possíveis vieses e adotem uma postura crítica diante das decisões automáticas geradas pela tecnologia.
• Diversidade de dados
Os dados usados para treinar os algoritmos devem ser diversos e representar uma vasta gama de experiências e perfis. Isso ajuda a reduzir a possibilidade de que os algoritmos excluam candidatos por vieses sistêmicos.
Fonte: Thalita Gelenske, CEO e fundadora da Blend Edu.