Óculos de realidade aumentada Hololens 2: a Microsoft quer fazer a diferença em novas frentes da tecnologia | Divulgação / (Microsoft/Divulgação)
Da Redação
Publicado em 28 de fevereiro de 2019 às 05h58.
Última atualização em 28 de fevereiro de 2019 às 05h58.
Uma notícia publicada no dia 30 de novembro do ano passado pegou muita gente de surpresa: a Microsoft tinha ultrapassado a Apple no ranking das empresas de maior valor de mercado do mundo. Ela mesma, a Microsoft, que popularizou a computação pessoal, mas depois perdeu o bonde dos smartphones; a empresa que provavelmente é o ponto de contato com o mundo digital mais antigo e constante das pessoas (com o Windows, o Word e o Excel), mas há muito tempo não desperta paixões nem é lembrada quando se fala em inovação. Aparência não é tudo no mundo da tecnologia, mas conta, e muito. Na percepção da maioria dos consumidores, a Microsoft era uma companhia cujos dias de glória tinham ficado para trás. O presente pertenceria à Apple, ao Facebook, à Amazon, ao Google; o futuro, a alguma startup que está nascendo numa garagem.
Mas o gráfico das ações da Microsoft conta uma história bem diferente. Há cinco anos sob o comando do indiano Satya Nadella, somente o terceiro presidente de uma companhia que está prestes a comemorar 44 anos de existência, a Microsoft vem passando por uma das maiores transformações de sua história. Em sua primeira aparição pública na liderança da empresa fundada por Bill Gates, Nadella falou de um futuro em que a computação em nuvem, a inteligência artificial e a mobilidade viriam em primeiro lugar.
Em nenhum momento ele mencionou o Windows, produto que deu à empresa um virtual monopólio dos sistemas operacionais no começo dos anos 2000 e levou o governo americano a mover um processo antitruste contra a Microsoft por causa da distribuição do navegador Internet Explorer junto com o sistema. A EXAME, Nadella afirmou: “A ilusão de que o sucesso dura para sempre é algo que nós queremos expurgar de nossa consciência. Porque é aí que a arrogância acaba se instalando” (Veja entrevista abaixo).
Nadella sucedeu ao falastrão e arrogante Steve Ballmer, que, em 2007, afirmou que o iPhone, da Apple, “não tinha chance nenhuma” de sucesso no então nascente mercado de smartphones e chamou o sistema Linux de um “câncer” que ameaçaria de morte o modelo de negócios do software proprietário, a vaca leiteira que transformou a Microsoft na maior potência global de software. Enquanto Ballmer curtia a aposentadoria cuidando de seu novo negócio, o time da NBA Los Angeles Clippers, Nadella começou a arrumar a casa. Ele se concentrou, acima de tudo, em mudar a cultura da empresa. Reescreveu a missão da companhia e apostou tudo na nuvem, no software por assinatura e, quem diria, até se atreveu a falar em amor pelo software livre.
Em termos concretos, o resultado até aqui é uma ação que vale quase o triplo de cinco anos atrás. Um indicador talvez mais importante seja o ânimo, que não pode ser medido com números, mas tem impacto na hora de contratar e de reter talentos, de energizar os funcionários e de cristalizar a visão que vem do topo. Como EXAME constatou em uma visita à sede da Microsoft no fim do ano passado, o clima é de otimismo. Ou como diz o francês Jean-Philippe Courtois, há 34 anos na empresa e um dos principais executivos da equipe de Nadella: “Voltamos a ter aquela atitude do desafiador”.
O serviço de computação em nuvem Azure é o maior símbolo da nova Microsoft. A venda de licenças de programas como Windows e Office ainda é responsável por uma fatia considerável do faturamento e pelo grosso dos lucros. Mas o crescimento — e, na visão de Nadella, o futuro da tecnologia digital — está nos serviços de “computação por assinatura”. O Azure é uma rede de mais de 100 data centers espalhados pelo mundo. Os clientes, de startups recém-fundadas a multinacionais, pagam conforme o uso da infraestrutura. Isso vai desde serviços tão simples, como obter espaço para armazenar dados, até o uso de aplicações sofisticadas de inteligência artificial.
Julia White, responsável por tudo o que se refere à computação em nuvem na empresa, diz que a transformação sob Nadella foi essencial para o sucesso nessa nova fronteira dos negócios. “A empresa era muito insular e rígida”, diz Julia, há 17 anos na Microsoft. “Já tínhamos as competências e a energia necessárias para o sucesso, mas Nadella permitiu que elas viessem à tona.”
O que era quase uma curiosidade na gestão anterior tornou-se o motor do crescimento da Microsoft de hoje. Em 2015, as receitas do Azure eram de “apenas” 1 bilhão de dólares. Em 2020, a expectativa é que elas cheguem a 22 bilhões. Ainda falta um pouco para alcançar a líder AWS, da vizinha Amazon, que faturou mais de 25 bilhões de dólares em 2018. A empresa, fundada por Jeff Bezos, tem sede em Seattle, a apenas 20 quilômetros do campus da Microsoft, que fica no subúrbio de Redmond. “A migração para a nuvem continua, e todas as empresas do setor estão se beneficiando disso”, diz Kim Forrest, vice-presidente do fundo Fort Pitt Capital Group. “Ninguém está perdendo, mas alguns são mais rápidos do que outros”, diz a gestora em relação à Microsoft.
O Azure e outros serviços por assinatura, como o pacote Office 365, estão mudando a narrativa de uma Microsoft antes destinada à insignificância — a morte mais dolorosa para empresas de tecnologia. Considere o exemplo do Uber. O aplicativo de transporte desenvolveu um tipo de autenticação baseada em reconhecimento facial para garantir que os motoristas do serviço são de fato quem dizem ser. Senhas são facilmente compartilhadas, mas rostos são únicos. O motorista tira uma selfie de tempos em tempos e o aplicativo do celular se conecta com um sistema de inteligência artificial da Microsoft para fazer a conferência. “Se a Uber tivesse de desenvolver a tecnologia, levaria meses”, diz Julia.
A ideia da computação em nuvem existe há muitos anos, é claro, mas na Microsoft pré-Nadella a primeira pergunta que se fazia em relação a qualquer nova tecnologia era o impacto potencial no Windows. Foi em nome de proteger o Windows que a empresa hesitou em abraçar a internet e, depois, em aceitar que o smartphone seria o verdadeiro computador pessoal. Tudo o que pudesse ameaçar o império construído sobre a fundação do Windows estava fora de questão ou era relegado a segundo plano. O reflexo era colocar o Windows em todos os computadores do mundo. No mundo de hoje, com diferentes smartphones, tablets e cada vez mais aparelhos conectados à internet, a estratégia simplesmente não fazia mais sentido.
Para Nadella, o novo front é o que ele chama de “nuvem inteligente”, ou seja, serviços que rodam em enormes data centers, construídos com inteligência artificial e que possam ser acessados pelos mais diversos dispositivos, de forma agnóstica. O Windows ainda tem seu altar, mas o dogma do sistema deu lugar ao sincretismo. No exemplo do Uber descrito antes, não importa se o aplicativo estiver num iPhone ou num celular Android — a Microsoft também está presente, mesmo que nos bastidores.
A vida pós-Windows
Os produtos mais famosos, Windows e Office, ainda dão dinheiro, mas o mercado global de PCs encolheu 4,3% no último trimestre do ano passado, de acordo com a empresa de pesquisas de mercado Gartner. “O negócio de softwares para desktop é um legado para a Microsoft e sabemos que esse mercado é terrível”, diz Daniel Morgan, gestor do fundo Synovus Trust. Nessa frente, uma das estratégias é tentar ser mais parecida com a Apple: produzir computadores completos. A linha de tablets e notebooks híbridos Surface é um exemplo. Em cafés e saguões de aeroportos, os elegantes computadores da Microsoft já começam a marcar presença em meio ao mar de MacBooks. A empresa lançou até mesmo uma linha própria de fones de ouvido “inteligentes”, o Surface Headphone, que se conecta com assistentes de voz e tem um sistema inovador de controle de volume.
“Queremos aprender tudo, em vez de saber tudo”, diz Jean-Philippe Courtois, vice-presidente executivo responsável por vendas globais e marketing. “Essa foi uma das maiores mudanças feitas por Nadella. Antes, a empresa estava fechada em silos. Hoje, a palavra de ordem é ‘colaboração’.” Em conversas com mais de uma dezena de funcionários e executivos da companhia, a palavra “colaboração” foi ouvida com frequência. A Microsoft vende o pacote de programas Office no modelo de assinaturas desde 2011, o que já representou uma mudança importante em relação às antigas licenças.
Mas uma transformação ainda maior está acontecendo longe do olhar dos usuários. O Word, por exemplo, acessa um módulo baseado em aprendizado de máquina (machine learning, em inglês) que lê e entende os textos, corrige automaticamente erros gramaticais e sugere alternativas para o texto ficar mais claro e conciso (o serviço, por enquanto, não está disponível em português). Outra inovação é um botão no PowerPoint que monta automaticamente uma sugestão de design para os slides com base no texto e nas imagens incluídos pelo usuário. Esse é um bom exemplo da integração entre diferentes áreas da companhia — com ênfase na nuvem e na inteligência artificial — que Nadella enxerga como o futuro.
É importante entender essa visão de futuro porque esse é o novo campo de batalha dos gigantes da tecnologia. Os serviços baseados em inteligência artificial — como reconhecimento de voz e interpretação de texto, por exemplo — serão como peças de Lego, à disposição de qualquer programador. Eles podem ser encaixados nos programas de terceiros, estejam num iPhone, numa geladeira conectada à internet ou numa máquina de chão de fábrica. “Essas peças serão usadas não só no Windows ou no Office, mas em qualquer sistema”, diz David A. Heiner, assessor estratégico de políticas da Microsoft. “Qualquer empresa vai criar os próprios sistemas de inteligência artificial, mas a infraestrutura já existe. Ninguém precisa inventar a roda de novo.”
Como diz Nadella, toda empresa é de software, pois todas dependem da tecnologia digital. A nova Microsoft quer replicar a relevância — mas talvez não a dominância — conquistada na era do computador pessoal no novo mundo da computação em nuvem. A concorrência é poderosa. A Amazon é líder tanto nos serviços de infraestrutura tecnológica como em assistentes inteligentes baseados em voz, com a Alexa. O sistema Google Assistant tem enorme participação nos smartphones, graças ao Android, e o mesmo vale para a Apple, com a Siri. O negócio da Microsoft sempre foi o das plataformas. O Windows só se tornou um sucesso porque a Microsoft atraiu desenvolvedores para criar programas que rodassem no sistema operacional. Mas a empresa chegou atrasada na onda da internet e deixou passar batido o trem dos smartphones (A compra da fabricante de celulares finlandesa Nokia em 2013 foi um ato de desespero e um fracasso retumbante. Dois anos depois da aquisição, ela virou um prejuízo de 7,6 bilhões de dólares).
Desse ponto de vista, entende-se melhor a aquisição do site GitHub. Embora não seja conhecido do grande público, o GitHub é uma ferramenta essencial para programadores. Trata-se de um repositório de códigos usado por mais de 30 milhões de desenvolvedores, uma grande central de colaboração para desenvolvimento, testes e melhorias de seus softwares. O GitHub também é vital para a comunidade do software livre. Foi por isso que a compra da empresa pela Microsoft deixou muita gente espantada. Não só por causa do valor — 7,5 bilhões de dólares por uma companhia que fatura 200 milhões —, mas porque a Microsoft, conhecida entre os adeptos do software livre como “o lado negro da Força”, estava abraçando o antigo inimigo.
Nadella prometeu manter o GitHub independente, ou seja, os desenvolvedores poderão continuar trabalhando em projetos que não têm nada a ver com a Microsoft. Numa entrevista, o presidente do GitHub, Nat Friedman, afirmou: “Não estamos comprando o GitHub para transformá-lo numa Microsoft. Estamos comprando o GitHub para, talvez, ajudar a Microsoft a ser um pouco mais parecida com o GitHub”. Ou seja: mais colaborativa, mais aberta, menos engessada.
As transformações também se refletem no gigantesco campus da Microsoft, que começou a ser construído em 1986 e hoje ocupa uma área de cerca de 2 quilômetros quadrados. Alguns dos prédios mais antigos (de um total de 125) serão demolidos. Em seu lugar, serão erguidas 18 novas estruturas mais modernas e com espaço para novos 8.000 funcionários — que se somarão aos 50.000 da sede e a outros quase 84.000 espalhados pelo resto dos Estados Unidos e pelo mundo. Um dos reflexos da reinvenção da Microsoft é um interesse renovado na empresa por parte dos melhores talentos do hipercompetitivo mercado de trabalho de tecnologia.
O animado argentino Diego Rejtman dirige a Microsoft Global University Recruiting, divisão que busca estudantes recém-formados do mundo inteiro. Sorrindo sem parar, ele fala da nova formulação da missão da empresa. A versão antiga — e antiquada — descrevia a missão da Microsoft como “colocar um computador em cada mesa e em cada casa”. Sob o comando de Nadella, o objetivo agora é “capacitar pessoas e empresas do mundo a concretizar seu potencial”. “Aqui, o importante não é que você seja legal”, diz Rejtman. “O importante é ajudar os outros a serem legais.”
Mas é claro que parecer “legal” ajuda na hora de convencer quando o candidato também tem ofertas para trabalhar numa Amazon, num Google ou numa startup. Nos últimos anos, a imagem da Microsoft também tem mudado de maneira significativa, e um dos responsáveis é Alex Kipman, um curitibano de 40 anos que vive há mais de 22 nos Estados Unidos e está na Microsoft há 17. Kipman é um dos 250 vice-presidentes corporativos da empresa e faz parte de um clube ainda mais restrito, o dos technical fellows. Em toda a Microsoft, apenas 16 pessoas têm esse título. Kipman obteve a distinção por ser o inventor do Kinect, sistema de câmeras e sensores lançado em 2010 que permite controlar videogames com movimentos do corpo. Atualmente, ele dirige o projeto Hololens, óculos de realidade aumentada, apontados como uma das principais inovações da Microsoft nos últimos tempos.
Apesar de ser destinado ao uso corporativo, o Hololens chamou a atenção dos fãs de tecnologia. A segunda versão do produto, apresentada no fim de fevereiro, é mais confortável e mais imersiva, como repetiu Kipman algumas vezes quando mostrou o Hololens 2 no Mobile World Congress, em Barcelona. A companhia aérea Japan Airlines usa o Hololens original para treinar os funcionários que fazem manutenção das turbinas dos aviões. A ideia é que eles possam ver, em escala real, os detalhes internos dos motores, sem a necessidade de desmontá-los.
Técnicos da fabricante de elevadores alemã Thyssenkrupp podem ser guiados remotamente em trabalhos mais complexos por funcionários mais especializados — que não precisam se deslocar até o cliente para realizar o conserto. O Hololens ainda não é confortável, imersivo e barato o suficiente para ser um produto para o consumidor final, mas Kipman acredita que seja mera questão de tempo. “Temos de ter paciência. Todas as novidades tecnológicas passam por um hype inicial: ‘Oh, esse negócio vai mudar o mundo amanhã’ ”, diz Kipman. “Depois vem a desilusão, porque as coisas não acontecem tão rápido quanto as pessoas esperavam.”
A paciência e a tolerância com os inevitáveis fracassos são a maior diferença da nova Microsoft, diz ele em conversa com EXAME, entremeando anglicismos e traindo um sotaque de quem está longe do Brasil há tanto tempo. “Agora temos esse growth mindset, nem sei como dizer isso em português [mentalidade de crescimento, ou foco no crescimento]. Antes, a ideia era acertar a todo custo. Mas, quando você pensa assim, acaba não correndo riscos. No nosso negócio, isso significa ficar para trás.”
O programa Microsoft Garage é um exemplo concreto desse novo gosto pelo risco. A iniciativa foi criada há cinco anos para permitir que funcionários se envolvam em projetos inovadores que não tenham necessariamente relação com suas funções. A “garagem” também organiza hackathons, maratonas de programação para estimular a criação e a colaboração entre os desenvolvedores da companhia. A edição de 2018 contou com a participação de 23.500 funcionários, em 75 países, o que a empresa afirma ser a maior maratona de programação privada do mundo. Hackathons são parte da identidade de empresas de tecnologia, como Google e Facebook — mas, na Microsoft, esse tipo de iniciativa é uma novidade digna de nota.
Como na conversa com Kipman, a palavra mindset é ouvida em várias entrevistas. Não é por acaso. O livro Mindset: A Nova Psicologia do Sucesso, de Carol Dweck, psicóloga da Universidade Stanford, foi apontado por Nadella como a inspiração para transformar a Microsoft. Carol afirma que as pessoas que acreditam que seus talentos possam ser desenvolvidos com esforço, estratégia e contribuições dos outros (a tal mentalidade de crescimento) tendem a ser mais bem-sucedidas do que aquelas que acreditam que o talento é um dom natural, com um potencial limitado. Segundo Carol, quem acha que sabe tudo sempre será superado no longo prazo por quem está disposto a aprender tudo. O próprio Bill Gates elogiou o livro de Carol, o que é curioso, pois nos tempos de presidente da Microsoft ele costumava destruir as ideias de subordinados com a frase: “Essa é a coisa mais idiota que eu já ouvi na vida”. Na Microsoft de hoje, nenhuma ideia é idiota — com exceção de acreditar que o império construído graças ao Windows duraria para sempre.
Em entrevista exclusiva a EXAME, Satya Nadella fala sobre a importância de uma mentalidade mais humilde para o sucesso da Microsoft | Filipe Serrano
Nascido em Hyderabad, uma das cidades mais populosas da Índia, Satya Nadella mudou-se para os Estados Unidos no fim dos anos 80 para fazer mestrado em ciência da computação. Começou a trabalhar na Microsoft em 1992, numa época em que seu principal produto era o Windows 3.1. Hoje, aos 51 anos, o executivo lidera uma empresa com quase 135.000 funcionários e faturamento de 110 bilhões de dólares por ano. Em uma viagem recente a São Paulo, Nadella falou com exclusividade a EXAME sobre as mudanças na Microsoft, o futuro da tecnologia e a nova mentalidade, mais humilde, que a empresa diz ter passado a adotar. “A ilusão de que o sucesso dura para sempre é algo que queremos expurgar de nossa consciência”, diz Nadella. A seguir, os principais trechos da conversa.
Muito se fala sobre a mudança de cultura da Microsoft promovida em sua gestão. O que constitui a cultura de uma empresa em sua opinião?
Em primeiro lugar, é preciso dizer que eu cresci dentro da Microsoft. Este já é o meu 29o ano na empresa. Sou um insider consumado. Quando assumi a presidência da Microsoft, senti que era importante buscarmos nosso senso de propósito. A cultura é o que nos permite fortificar o senso de propósito. E o propósito da Microsoft é algo que estava em suas origens, quando Paul Allen e Bill Gates construíram os primeiros produtos para o computador Altair em 1975. Aqui estamos agora em 2019. Eu acredito que, se nós construirmos as ferramentas tecnológicas para ajudar os outros a criar mais tecnologias, então teremos encontrado nosso propósito, nossa missão.
Como isso se reflete na prática?
Dou um exemplo. Nossa presença no Brasil não deve ser medida pelas tecnologias que trazemos para cá, mas, mais importante do que isso, pelas tecnologias criadas no Brasil usando nossas ferramentas. Em vez de ficar com inveja de outras empresas, devemos ter orgulho do que conseguimos produzir de forma original.
Por que a Microsoft precisava recuperar seu sentido de propósito?
Gosto de estudar o que faz as instituições durar no tempo. E, toda vez que penso sobre isso, vejo que as empresas mais duradouras têm a capacidade de manter seus valores e, ao mesmo tempo, questionar o status quo. A habilidade de fazer essas duas coisas é o que constrói a força de uma instituição.
O senhor já conseguiu realizar todas as mudanças que desejava?
A última coisa que quero é criar a ideia de uma espécie de destino que a Microsoft deve alcançar. Deve haver um processo contínuo de renovação. Se não criarmos esse método constante, nenhuma transformação na empresa vai durar. Podemos ter realizado algo até aqui, mas tudo pode ir por água abaixo se encararmos as conquistas como um destino já alcançado.
O que ainda precisa ser mudado?
Todos os erros que cometemos ontem precisam mudar hoje. E todos os erros que cometermos hoje precisarão mudar amanhã. Nós nunca seremos perfeitos. A ilusão de que o sucesso dura para sempre é algo que nós queremos expurgar de nossa consciência. Porque é aí que a arrogância acaba se instalando. Quando começarmos a achar que somos bons demais, perderemos o contato com as características que nos tornaram bons em primeiro lugar. Coisas como humildade, muita curiosidade, muita sorte e muito trabalho duro.
Como vê a empresa em cinco ou dez anos? É possível manter a liderança num setor que muda constantemente?
Cada país, cada setor da economia, cada momento de nossa vida serão cada vez mais digitalizados daqui para a frente. O nível de intensidade tecnológica é como as empresas e os países vão medir seu progresso. A Microsoft tem de ajudar essas empresas, em todos os países, a aumentar sua intensidade tecnológica. Isso quer dizer que nossos melhores dias ainda estão por vir.
Como fazer isso num momento em que as empresas de tecnologia são tão criticadas por violar a privacidade ou por tornar certos empregos obsoletos?
Precisamos ter uma visão clara tanto da oportunidade que a tecnologia proporciona quanto de suas consequências não intencionais. Tenho muito claro que a privacidade deve ser respeitada como um direito humano. Sei que no Brasil existem novas regulações sobre isso. Nós damos as boas-vindas a elas. E estamos garantindo que nossos produtos estejam de acordo com as regras. De todo modo, as empresas de tecnologia precisam ser capazes de pensar sobre as consequências enquanto constroem as soluções, e não depois.
O que os países emergentes, como o Brasil, podem fazer para usar as novas tecnologias em seu benefício?
Acredito que, nesta próxima fase, as economias emergentes não terão um crescimento catch-up (“tirar o atraso”), como se costuma dizer. Penso que a ambição do Brasil deveria ser atingir um alto grau de intensidade tecnológica. E isso não deveria ser feito com o velho modo de pensar sobre um mercado emergente. A ambição deve ser criar tecnologias originais que só o Brasil pode desenvolver, por causa de todo o seu capital humano e vantagens comparativas da economia brasileira. E o país pode usar essas tecnologias para ser competitivo globalmente. A próxima fase do crescimento econômico ocorrerá assim.
O senhor esteve com o presidente Jair Bolsonaro, em Davos, na Suíça. Qual sua perspectiva sobre a economia brasileira no novo governo?
Para mim, a conversa com ele foi boa. Uma conversa sobre o que o Brasil aspira fazer em seu governo. Acho que existe uma sensação de otimismo sobre como o uso da tecnologia pode ajudar o Brasil a gerar crescimento econômico. Uma das coisas que eu falei em Davos foi sobre a próxima fase do crescimento econômico, que precisa ser muito mais inclusiva. Não é só uma questão de a tecnologia digital ser usada para fazer mais setores ou segmentos da sociedade prosperarem, mas de qual é a amplitude do benefício econômico e social que é gerado.
O senhor tornou-se presidente da Microsoft depois de Bill Gates e Steve Ballmer. Qual foi o conselho mais importante que eles lhe deram?
Bill e Steve são figuras históricas que tiveram uma trajetória incrível. Eu aprendi muito com eles. O Bill usa sua honestidade intelectual para tudo. Ele consegue ir até a raiz de qualquer assunto. E nunca está satisfeito. Sempre pressiona para buscarmos a excelência. E o Steve é alguém que cria muita energia. O melhor conselho dele foi quando me disse: “Veja bem, não tente reproduzir o que eu faço. Seja você mesmo. E seja corajoso, porque do contrário não vai conseguir muito. Mas também acerte bastante”. Esse é sempre o desafio mais difícil.