Marca de lingerie ganha milhões explorando fraqueza da Victoria’s Secret
A ThirdLove captou um investimento de 55 milhões de dólares. Sua receita está no contato direto com suas consumidoras e no elogio à diversidade
Mariana Fonseca
Publicado em 10 de março de 2019 às 08h00.
Última atualização em 10 de março de 2019 às 08h00.
A vida não está nada fácil para a icônica marca de acessórios, beleza e roupas íntimas Victoria’s Secret -- e acabou de ficar um pouco mais complicada. A concorrente ThirdLove, que nasceu 36 anos depois da companhia conhecida por sutiãs push-up e modelos “angelicais”, anunciou recentemente uma rodada de 55 milhões de dólares (na cotação atual, 208 milhões de reais).
Com o investimento, a ThirdLove recebeu uma avaliação de mercado de 750 milhões de dólares. Isso a coloca no caminho para se tornar um unicórnio, startup avaliada em um bilhão de dólares ou mais.
Ao todo, a ThirdLove captou 69 milhões de dólares. Os investidores se atraem tanto pelo modelo de negócios da startup, focada em uma relação direta com suas consumidores, quanto pelo posicionamento de marca, antenado com os pedidos por mais diversidade nas mulheres representadas.
Ameaça à Victoria’s Secret
Enquanto isso, a gigante Victoria’s Secret parece parada no tempo. Por mais que ainda represente a maior marca de lingerie dos Estados Unidos, com cerca de 1.200 lojas em operação, aos poucos a VS perde o brilho de décadas passadas.
Em 2018, a marca fechou 30 lojas e anunciou a saída da presidente Jan Singer. Na semana passada, comunicou o fim de mais 53 unidades. Em um ano, o preço de uma ação da companhia-mãe L Brands caiu cerca de 37%, de 42,26 dólares para 26,70 dólares.
Parte dos maus resultados vêm de um cansaço com o marketing da Victoria’s Secret. Em 2018, o famoso desfile com suas modelos, chamadas de angels (“anjos”) por seus padrões de beleza quase inalcançáveis, teve sua menor audiência da história.
Antes do show, o diretor de marketing Ed Razek deixou claro que não teria transgêneros no desfile e, diante de críticas ( inclusive da ThirdLove ), a marca teve de se desculpar. Outro problema está nos próprios produtos, que seguem a tradicional fórmula do sutiã push-up, que promete a perfeita aparência dos seios.
As vendas das Victoria’s Secret caem anualmente desde 2016 e marca tem feito mais promoções do que gostaria. Neil Saunders, analista da GlobalData Retail, estimou para a rede de televisão CNN que a VS perdeu 3,8 milhões de clientes nos últimos dois anos.
Direto ao consumidor
A Victoria’s Secret enfrenta hoje a concorrência de marcas que se posicionam como “inclusivas” e capturam o coração e a carteira das consumidoras mais jovens. É o caso da Savage x Fenty, criada pela cantora pop Rihanna, e de negócios como Aerie, da grife American Eagle Outfitters, e a própria ThirdLove. São marcas que produzem peças de diversos tamanhos e focam em caimento e conforto. Suas publicidades mostram modelos e não-modelos com diversos pesos e tons de pele, sem tratamento de imagem.
O slogan da ThirdLove é “sutiãs e roupas íntimas para todos”. Criada pela empreendedora e ex-gerente sênior de marketing do Google Heidi Zak em 2015, o objetivo da ThirdLove é fornecer peças que se encaixem melhor sem o constrangimento de medir-se em uma loja física. O marido David Spector, também ex-executivo do Google e ex-sócio do fundo Sequoia Capital, entrou para o negócio. O investimento inicial foi de 50 mil dólares.
Na ThirdLove, as consumidores possuem uma ferramenta dotada de análise de dados em massa para estimar seu tamanho ideal de sutiã, chamada “Fit Finder”. O questionário leva 60 segundos para ser preenchido e permite a criação de sutiãs customizados com escala, ajudando nas margens da startup.
As clientes podem pedir sutiãs pelo site e testá-los durante até 30 dias, com devolução e reembolso caso não aprovem o produto. Alguns diferenciais da marca são 78 tamanhos “inclusivos” e sutiãs cor da pele em cinco tons.
Mais do que produtos e tecnologia, porém, o grande diferencial da ThirdLove está na comunicação. A marca é mais uma a fazer parte da onda “direto ao consumidor”, ou D2C. Nesse modelo de negócios, as fabricantes usam sites e redes sociais para venderem diretamente aos seus clientes, sem a necessidade de lojas multimarcas físicas ou digitais (os marketplaces ).
Marcas americanas como Warby Parky (de óculos), Bonobos (de roupa masculina) e Casper (de colchões) criaram modelos sustentáveis de negócio D2C. No Brasil, quem adota o modelo é a varejista de moda Amaro, como forma de reduzir custos e aumentar margens.
A ThirdLove já vendeu quatro milhões de sutiãs, possui uma receita anual estimada em 160 milhões de dólares e afirma ser lucrativa. A startup está longe dos lucros e das lojas da Victoria’s Secret -- mas não parece ser a marcal mais preocupada nessa história.