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Quem é o responsável pelo escândalo no caso BRF?

Falta clareza sobre o que ainda pode acontecer com a BRF, seus acionistas e gestores. Uma certeza: as sanções aplicadas à JBS não servem de referência

BRF: sem envolvimento de autoridades, o ônus desta fase da Carne Fraca ficará, por ora, nas costas das pessoas físicas / Divulgação (BRF/Divulgação)

BRF: sem envolvimento de autoridades, o ônus desta fase da Carne Fraca ficará, por ora, nas costas das pessoas físicas / Divulgação (BRF/Divulgação)

Raphael Martins

Raphael Martins

Publicado em 7 de março de 2018 às 08h17.

Última atualização em 17 de novembro de 2020 às 16h00.

Ao lado dos irmãos Joesley e Wesley Batista, Marcelo Odebrecht, Léo Pinheiro e tantos outros, a prisão de Pedro Faria, ex-presidente da BRF, é mais uma no rol de CEOs encarcerados no Brasil. Vale ressalvar, porém, que Faria ainda não é réu. Está só em prisão preventiva enquanto a PF segue com as investigações da operação Trapaça, terceira etapa da Carne Fraca.

Se isso a prisão de executivos quase virou rotina no país pós-Lava-Jato, ainda tem força para instaurar o caos no mercado financeiro, como ficou demonstrado pela queda de quase 20% nas ações da fabricante de alimentos na segunda-feira.

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A terceira fase da Operação Carne Fraca acusa executivos da BRF de terem sido permissivos com um esquema de fraudes em exames de laboratório que atestam a qualidade de carnes processadas pela empresa.

Os resultados dos exames indicavam falsamente a quantidade da bactéria Salmonella presente nas carnes como dentro de padrões aceitáveis para o consumo.

As fraudes se destinavam a burlar o Serviço de Inspeção Federal para obter do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) uma certificação necessária no atendimento aos mercados nacional e internacional.

A reação dos investidores está ligada também à insegurança sobre o que, afinal, ainda pode acontecer com a BRF, seus acionistas e gestores. As sanções aplicadas à empresa nos próximos meses não estão claras, pois dependem da amplitude do problema encontrado pelas autoridades.

O ministro da Agricultura, Blairo Maggi, deu a entender que a empresa não será rigorosamente penalizada por enquanto. Até o momento, foram fechadas apenas temporariamente cinco laboratórios e quatro unidades produtivas sob suspeita para investigação — que podem ser liberadas ao fim dos trabalhos.

Com o desenrolar dos fatos, contudo, a BRF ainda pode ser multada pelo próprio Ministério da Agricultura e sofrer com o fechamento de mercados de exportação, como aconteceu na eclosão da Operação Carne Fraca em 2017.

Pela via judicial, a empresa está sujeita às penas de perda dos bens ou valores resultantes do ilícito, suspensão ou interdição parcial das atividades, e proibição de receber incentivos ou empréstimos de bancos públicos.

(EXAME Research/Exame)

Pela interpretação de alguns juristas consultados pela reportagem, a BRF pode ainda ser enquadrada na Lei Anticorrupção, em que a multa pode variar de 0,1 a 20% do faturamento bruto do ano anterior, que foi de 33,5 bilhões de reais em 2017.

Em uma cruzada para evitar uma repetição do veto internacional, o ministro Blairo Maggi foi o primeiro a dizer que os produtos eram seguros para consumo, mesmo nas unidades fechadas.

A indicação de que o esquema seria de fraudes internas, supostamente sem corrupção de agentes públicos, livraria a BRF da obrigatoriedade de firmar um acordo de leniência.

No caso do grupo J&F, foram imputados crimes contra a Administração Pública e o Sistema Financeiro Nacional, diferentemente da BRF.

A J&F fechou acordo no valor de 10,3 bilhões de reais. Consultados, a Polícia Federal e o Ministério da Agricultura não adiantaram quais seriam as sanções que ainda podem ser aplicadas à empresa nos próximos passos da operação.

“Não acredito muito na versão de fraudes dessa dimensão sem envolvimento algum de agentes públicos. Mesmo que tenha sido o caso, a hipótese se enquadra no inciso V do artigo 5º da Lei Anticorrupção: ‘dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos’. Está claríssima a intenção de burla ao Serviço de Inspeção Federal do Mapa”, diz o ex-ministro da Controladoria-Geral da União Jorge Hage.

O dever dos administradores

Ao que tudo indica, o ônus desta fase da Carne Fraca ficará, por ora, nas costas das pessoas físicas. Pedro Faria está detido sob um mandado de prisão temporária, com prazo de cinco dias prorrogáveis por mais cinco.

Na Operação Lava-Jato, é costume que as temporárias sejam convertidas em preventivas, sem limite de tempo para soltura, mas nada indica que a Carne Fraca vá recorrer aos mesmos caminhos.

Se assim for, a medida cautelar durará apenas o tempo de buscar provas que corroborem a desconfiança da Polícia Federal sobre o envolvimento de Faria como cúmplice.

Um jurista especializado em Direito Penal, diz, porém, que um e-mail anexado ao processo é forte indício de que Faria tinha pleno conhecimento do esquema. “Na maioria dos casos, o problema é provar o envolvimento do presidente da empresa. Tudo indica que esse é o ponto de partida desta fase.”

As adulterações dos testes da BRF foram expostos pela ex-supervisora laboratorial Adriana Marques Carvalho em ação trabalhista, que dizia ser obrigada a burlar a fiscalização.

Na mensagem em resposta ao caso, Faria diz que a empresa “sempre levava bucha dos mesmos lugares” e que se “avalie algo drástico por lá”, frases que, isoladamente, não deixam claro o que ele quis dizer.

“Pela Lei das S.A., é dever dos administradores proteger o interesse da companhia e, por consequência, dos acionistas. Caso contrário, o administrador pode ser responsabilizado individualmente, como pessoa física”, diz a advogada Fabíola Cammarota de Abreu, sócia na área de compliance e anticorrupção do escritório Cescon Barrieu.

Seria, então, função do gestor tomar providências em caso de irregularidade, seja ao iniciar uma investigação interna, ao encerrar contratos ou até mesmo ao renunciar ao cargo. Nada disso, segundo o que se sabe das investigações, aconteceu.

A dinâmica para a responsabilização de diretores depende da distribuição de atribuições da empresa — apenas os envolvidos no caso podem entrar no processo. Por essa ótica, segundo a Justiça, assim como o presidente está em “linha vertical” da hierarquia, o Conselho de Administração também é responsável por ações contra desvios de conduta.

“Sem dúvida os conselheiros podem ser responsabilizados. Em uma explicação bem simples, quem delega função na linha vertical mantém o dever de fiscalizar a função que delegou”, afirma Gustavo Badaró, professor de Direito Penal da USP. “Os membros do conselho também têm poder para atuar em uma situação como essa, seja para destituir o presidente da diretoria, convocar assembleia geral, entre outras ações.”

Nesta fase da Carne Fraca, a Polícia Federal não enquadrou nenhum dos conselheiros. Mas há precedentes, como no caso do banco Panamericano, em que o ex-presidente do Conselho de Administração Luiz Sebastião Sandoval foi condenado a seis anos e seis meses, em regime inicial semiaberto, por envolvimento na fraude de contabilização indevida de operações de cessões de crédito do Banco Panamericano. A defesa de Sandoval alega que ele não atuava na diretoria, portanto não participava da administração do banco. Por enquanto, não adiantou.

Por essa lógica, nem o bilionário Abilio Diniz, presidente do conselho desde 2013, estaria inatingível. Mas, para que ele ou qualquer outro conselheiro da empresa seja pessoalmente implicado um dos 53 mandados de busca e apreensão executados pela Polícia Federal precisaria encontrar algum rastro de que tinham conhecimento do esquema.

As buscas também devem ajudar a esclarecer o real envolvimento de Faria no esquema. Os primeiros e-mails divulgados até aqui indicam que são necessárias maiores investigações, mas não são conclusivos sobre o envolvimento do presidente.

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