Merck: Brasil traz guinada aos resultados — mas farmacêutica quer mais
Líder na venda de remédios para diabetes tipo 2, a farmacêutica alemã agora aposta no mercado brasileiro para se tornar também líder na venda de medicamentos para doenças raras; em entrevista à EXAME, presidente detalha estratégia
Maria Clara Dias
Publicado em 22 de novembro de 2022 às 10h00.
Há mais de trezentos anos, a atuação da farmacêutica alemã Merck é sustentada por pilares variados que passam pela produção de medicamentos para doenças crônicas e raras ao desenvolvimento de mais de 300.000 produtos, entre matérias-primas e equipamentos usados para pesquisa e desenvolvimento em outras indústrias. Pouco conhecida, há ainda a relação da multinacional com o segmento de semicondutores eletrônicos, com comercialização de cristal líquido (substância que dá origem a telas de aparelhos eletrônicos como TVs e celulares, por exemplo).
No Brasil, porém, o sucesso da farmacêutica se deve à área por lá apelidada de healthcare, ligada à produção de medicamentos para doenças crônicas e raras, como hipertensão, diabetes, esclerose múltipla e diversos tipos de câncer.
Prestes a completar 100 anos por aqui, a Merck enxerga hoje o mercado nacional como um dos mais promissores para o negócio — e responsável por concentrar boa parte das expectativas da farmacêutica para o futuro.
Por que o Brasil?
A relação da farmacêutica com o Brasil é de longa data. O país foi o primeiro ser escolhido para sediar uma subsidiária da companhia na América Latina, há 99 anos. Mas manter a expectativa positiva, mesmo após tantos anos, não acontece à toa: no primeiro semestre de 2022, as vendas aumentaram 13% no país em comparação com o mesmo período de 2021. O Brasil foi responsável por quase metade do crescimento registrado em toda a América Latina, que avançou cerca de 16% entre janeiro e junho deste ano.
Nos últimos dois anos, também foram investidos 125 milhões de reais na fábrica da Merck no Rio de Janeiro, uma planta que trabalha ininterruptamente quase todos os dias do ano em um ritmo de produção que beira os 3 bilhões de comprimidos por ano, destinados ao mercado local e a exportações a países vizinhos.
“Faz sentido para nós continuar essa história de crescimento e inovação no Brasil”, diz José Arnaud Coelho, presidente da companhia no Brasil, em entrevista à EXAME. "O país concentra muitas das nossas expectativas".
Os resultados fora da curva também se devem aos reflexos da pandemia em si. Com foco na área de saúde, a Merck, especializada em medicamentos para tratamento de doenças cardíacas e também doenças crônicas como diabetes – consideradas comorbidades prioritárias no cuidado com a covid-19 — pôde ter alguma vantagem estratégica no período. “Foi uma guinada de pessoas buscando mais informações e tratamento, e isso cooperou para anos muito positivos para nós e que pautam o futuro da Merck”, diz.
Quais são os planos da empresa
Nos próximos dois anos, a previsão é de acrescentar ao portfólio pelo menos dois novos produtos oncológicos, incluindo uma nova opção para o tratamento de câncer de cabeça e pescoço que promete quase dobrar a taxa de sobrevida em pacientes portadores, e para o qual já existem estudos de Fase II nos Estados Unidos e Brasil. Além disso, há também a ambição de lançar um medicamento para esclerose múltipla, com estudos atualmente em fase três, uma das mais avançadas do desenvolvimento científico.
Além disso, a companhia planeja atualmente a participação de mais de 10 centros de pesquisa para tratamento do lúpus eritematoso sistêmico, patologia que mobiliza estudos com novas moléculas tidas como nova chance terapêutica para pacientes portadores da doença.
A ambição da Merck por focar nos nichos e raridades também se justifica pelos números. De todas as áreas da companhia, a que se destaca pelo maior crescimento nos últimos meses foi justamente a de esclerose múltipla, com expansão de 32%. Para fins de comparação, a produção de remédios para diabetes cresceu 17%, e de produtos de cardiologia, 12%.
O caminho até lá, porém, impõe desafios à Merck. O desenvolvimento de medicamentos envolvendo moléculas potenciais para doenças raras requer tempo e investimento. Mas, segundo Coelho, esse já é um destino irrefutável para a companhia no Brasil — país com produção já pulverizada de medicamentos para doenças crônicas e já comuns à população. Ainda assim, hoje a Merck é líder do mercado na pescrição e venda de medicamento para diabetes tipo 2 — 98% da metformina comercializada no país é produzida na fábrica da Merck no Rio de Janeiro, segundo a empresa.
O Brasil tem hoje cerca 40.000 portadores de esclerose múltipla no Brasil, enquanto são 16,8 milhões de pessoas com diabetes, responsáveis pela comercialização de cerca de 84 milhões de caixas de medicamento para a doença por ano, apenas na Merck.
Mas conta fecha, afirma Coelho. Ele explica que isso se deve ao fato de a empresa passar a atender melhor, e não em maior quantidade. “Nossa estratégia daqui para frente será a de se tornar líder global em especialidades”, diz. “O foco é correr contra o tempo por conclusões mais rápidas e por baixar a complexidade e aumentar nossa capacidade produtiva no Brasil, um mercado-chave para nós”, diz Coelho.
O momento, ao que tudo indica, parece ser o mais apropriado para as apostas (inclusive financeiras) da Merck em especialidades médicas. No segundo trimestre deste ano, a alemã registrou lucro de 870 milhões de euros, uma alta de 16,4% na comparação com o mesmo período do ano passado. A receita cresceu 14,3%, para 5,57 bilhões de euros em 2022.
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