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Leandro Vieira, da Mangueira: “quebro a desconfiança trabalhando”

Carnavalesco fala como fazer mais com menos e como a ousadia é sempre o melhor caminho para conquistar funcionários, o público e os jurados

LEANDRO VIEIRA: "A gente mantêm as pessoas focadas despertando o interesse delas no projeto" (Tomaz Silva/Agência Brasil)

LEANDRO VIEIRA: "A gente mantêm as pessoas focadas despertando o interesse delas no projeto" (Tomaz Silva/Agência Brasil)

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Carolina Riveira

Publicado em 9 de março de 2019 às 07h00.

Última atualização em 18 de setembro de 2021 às 20h23.

Pela segunda vez em quatro anos, o carnavalesco Leandro Vieira, 32 anos, pôde comemorar um título do carnaval carioca com a Mangueira. A escola foi eleita campeã na última quarta-feira com o enredo “História para ninar gente grande”, que contou a história do Brasil mostrando heróis esquecidos da narrativa tradicional, como negros e índios.

É o segundo título da Mangueira — e de Leandro — desde que o carnavalesco chegou à escola, em 2016. É difícil acreditar que a história de Vieira como carnavalesco tenha começado somente um ano antes da Mangueira, quando assinou seu primeiro desfile na Caprichosos de Pilares, em 2015. “Eu tinha só um carnaval no meu currículo. Então, eu cheguei na Mangueira muito desacreditado”, conta. Ainda assim, o carnavalesco apostou em enredos ousados, e não tem medo de polêmica. Em entrevista após o título disse que o enredo era “um recado” para o presidente Jair Bolsonaro.

No ano passado, o tema “Com dinheiro ou sem dinheiro, eu brinco” trouxe críticas ao prefeito carioca Marcelo Crivella (PRB) — neste ano, inclusive, as escolas enfrentaram um corte de 50% no patrocínio da Prefeitura do Rio. Vieira conversou com Exame sobre como conseguiu derrubar a desconfiança, construir um projeto vitorioso com orçamento baixo e liderar centenas de pessoas sem outro bônus que não o da conquista.

As dificuldades que você enfrenta no dia-dia para colocar o desfile na avenida podem ser parecidas com as que outras pessoas enfrentam em seus trabalhos. Qual o maior desafio durante esse processo de transformar as ideias em realidade?

A maior dificuldade é a construção de uma coisa que inicialmente está na minha cabeça e no final de tudo tem que estar no plano físico. Esse processo de transposição da ideia para a realidade já é um processo por si só complicado. Desfile das escolas de samba e carnaval tem esse aspecto de construção ainda artesanal. O carnaval é feito à mão, de um trabalho manual que junta centenas de pessoas. Então a dificuldade principal é fazer esse trabalho manual à tempo do dia do desfile.

A prefeitura do Rio anunciou cortes de 50% das verbas repassadas para as escolas do Grupo Especial neste ano. Como vocês lidaram com os cortes?

Esse ano foi muito mais difícil, porque esse trabalho manual é remunerado. Quem faz carnaval não é máquina, quem faz carnaval é gente. Esse ano como os repasses de verba foram repasses totalmente atrasados e sem formatação, dificultou muito mais. Mas quem lida com corte sou eu, e eu lidei com criatividade. O resultado foi que a Mangueira foi campeã do carnaval, com corte, com tudo. E inclusive ganhando de escolas que fizeram investimentos milionários.

E qual é o segredo para vencer mesmo com baixo orçamento?

Acho que o segredo é entender que o carnaval é isso. Desde a origem da criação eu entendo que o carnaval não é o dinheiro. Então, por entender isso, as soluções criativas vão surgindo. Essas soluções estão no meu sangue. Eu fiz um enredo na Caprichosos [em 2015, em sua estreia como carnavalesco] dizendo “Na minha mão é mais barato”, eu já falava sobre isso. E depois eu voltei a falar disso em 2018, no “Com dinheiro ou sem dinheiro eu brinco”. E isso de alguma forma faz parte do meu processo, é um dado artístico do meu trabalho.

Como engajar as pessoas a trabalhar na construção do desfile?

A maneira que eu tenho de fazer isso é sendo mais um junto deles. A minha liderança é uma liderança conquistada através da participação. Eu nunca me coloquei na posição do carnavalesco, eu sempre me coloquei na posição do operário, do artesão, que trabalha junto. Então, eu trabalho junto deles. Nós somos uma equipe. A gente mantêm as pessoas focadas despertando o interesse delas no projeto. As pessoas que trabalham comigo, eu tento imbuí-las de um espírito de participação. Quando você participa, quando você é responsável pelo que você faz, você é apaixonado por aquilo que você realiza.

Como foi sair da Caprichosos de Pilares para a Mangueira, uma das maiores campeãs do carnaval?

Foi uma transição um pouco chocante porque, primeiro, aceitar isso foi uma loucura, né. Eu tinha só um carnaval no meu currículo. Então, eu cheguei na Mangueira muito desacreditado, “o cara que ia levar a Mangueira ao fracasso, à derrota”. E além disso, a Mangueira enfrentava um jejum de 13 anos, tinha quase dez anos que não voltava no Desfile das Campeãs. Na cabeça das pessoas a minha contratação era como a gota que faltava pro copo do fracasso transbordar. E aí eu surpreendi com um campeonato [em 2016]. Acho que isso tem um valor. Hoje são quatro anos, dois campeonatos, três estandartes de ouro de melhor escola.

Nesse cenário adverso, era mais fácil para você fazer um carnaval na média, não ousar muito. Não foi o que você fez nos últimos quatro anos. Por quê?

Certamente. É importante ousar. Acho que o que mais dá certo aqui na Mangueira é a ousadia do trabalho. Eu tiro a desconfiança trabalhando, mostrando meu trabalho, mostrando o que eu quero e o que eu posso fazer.

Sobre o enredo deste ano, como vocês chegaram na ideia de falar dos heróis esquecidos, porque acharam que esse era o momento para falar sobre isso?

Eu cheguei na ideia justamente em função da minha obsessão por falar do Brasil. Eu sou um apaixonado pelo Brasil, sou um apaixonado pelas coisas do Brasil. Sou um apaixonado pelo pensar o Brasil. E acho que pensar o Brasil passa por repensar a contribuição negra e indígena e passa sobretudo por repensar o quanto a população pobre desse país pode sim ser sinônimo de patriotismo. Porque o que a história oficial fez foi negar o patriotismo de índios, negros e pobres. Os meus enredos são fruto do que eu bebo, do que eu como, do perfume que eu sinto o cheiro, dos lugares por onde eu ando, das conversas que eu tenho. Eu tenho a tendência de me colocar como uma esponja que capta o que está sendo dito ao meu redor.

Qual é o processo para os próximos? O que vem depois da comemoração?

Desfile das campeãs, férias, e lá para junho eu penso tudo de novo. Lá para junho eu vejo o que o meu país está vivendo e o que o meu país está falando para mim.

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