Hora é de buscar o breakeven nas startups, diz João Kepler
Em carta, o CEO da Bossanova Investimentos analisa o apelo da aceleradora YCombinator às startups para prepararem-se ao "pior". Apesar do momento de cautela, cenário de longo prazo segue otimista
Da Redação
Publicado em 27 de maio de 2022 às 13h23.
Por João Kepler, CEO da Bossanova Investimentos
O mercado financeiro está mais agitado do que o normal nessas últimas semanas e, basicamente, todo este cenário de aparente questionamentos e dúvidas se dão em função do perigo de combinar o pensamento de curto prazo com as decisões de investimento de risco em venture capital (VC) — um processo que é de longo prazo.
E este é o primeiro ponto que gostaria de destacar aqui, é claro que o atual momento do venture capital exige, no mínimo, mais observação e cautela. O que nunca foi ruim, pelo contrário.
Na Bossanova, todos os nossos conteúdos e divulgações batem nesta tecla da consciência e entendimento quanto ao mercado de VC e seus desafios, bem como sobre retornos sempre dentro de uma expectativa mais conservadora.
Logo, minha primeira afirmação nesta carta aberta ao público geral, mas direcionada principalmente para os nossos co-investidores e investidores em startups em qualquer estágio ou série são:
- Não ter liquidez, no curto prazo, NÃO é um problema no investimento em startup
- Taxa de JUROS ou taxa SELIC é uma coisa, IRR é outra
- Investimento alternativo deve ser feito apenas com uma pequena parcela do seu patrimônio
- Dificilmente você terá algum retorno do seu investimento antes de 3 anos
Dito isso, as próximas observações são consequências deste entendimento. Se a liquidez é um recurso e não um “problema”, a perspectiva e seu nível de consciência se expande.
E quando se trata de longo prazo, e dos fundamentos do investimento em startups, as oscilações do mercado em uma análise macro, praticamente não deveria afetar ou mudar a sua decisão sobre esta modalidade de investimento.
No dia 19 de maio a carta da YCombinator divulgada, e que tem obtido repercussão no ecossistema, foi escrita de forma oportuna e inteligente que serve de alerta aos founders alertando para em resumo “Se preparem e planejem para o pior”, com base em uma onda de medo e pessimismo nos Estados Unidos.
E o eco geral é que isso reflete e se expande também para a América Latina.
Recorde de investimento em venture capital
A questão é a realidade de um mercado na América Latina que, ano após ano, tem batido seus próprios recordes com resultados que fundamentam este meu raciocínio.
Só para ter uma ideia, segundo a LAVCA no primeiro trimestre de 2022 foi investido na América Latina 2,7 bilhões de dólares em startups, ou seja, 67% a mais do que o primeiro trimestre de 2021.
Ahh João, mas resultado passado não garante o futuro. Claro que não, e passa por aí mesmo, de fato pode existir uma escassez no investimento em startups, e por isso, todos nós devemos ter mais prudência nos nossos investimentos. Prudência sempre. Parar por medo, nunca.
Explico: se estivermos falando de startups mais later stage, certamente as rodadas maiores devem ficar mais difíceis e lentas.
E, por isso, os unicórnios e as grandes empresas de tecnologia se desesperam na urgência para equilibrar o caixa e ajustar time, ou seja, essas startups que tinham foco na abundância contavam com estruturas inchadas, grandes números de clientes e custos fixos mais altos.
Por outro lado, startups que sempre estiveram focadas na geração de caixa e em pagar suas próprias contas não vão ter problemas para passar por essa fase de ajustes.
Esta minha carta é um esclarecimento em resposta não apenas a carta da YCombinator, mas principalmente para alertar e mostrar aos investidores que diferente do “caos” que boa parte dos conteúdos divulgados tem focado em apresentar, os últimos acontecimentos vão servir apenas como indicadores e mostrar boas oportunidades de investimentos.
Da mesma forma, as boas startups vão continuar sendo boas (com equipes completas, com controle e gestão), talvez com valuation menores e mais próximos da realidade o que, de novo, não tem nada de ruim.
Investidores atentos e seguros dos seus passos vão continuar investindo para diversificar e ampliar suas carteiras e retornos, o poder do equity nunca fez tanto sentido.
10 considerações sobre o atual cenário do venture capital
1. Do lado dos investidores, o status é de cautela, mas o foco deve ser no fato de que ainda existe liquidez no mercado e muitos fundos estão captados. Eles agora tomarão uma postura de maior diligência para realização de seus deals e, provavelmente, veremos menos casos de múltiplos esticados e valuations surreais.
2. Como reforcei ainda acima, o horizonte de investimento em venture capital é de longo prazo. E bons aportes que agora conseguem ser realizados em valuations mais ajustados e com um racional adequado, visando pelo menos três anos para qualquer evento de liquidez, terão reflexos num contexto em que provavelmente já teremos o mercado em um cenário mais otimista. Ou seja, aqueles que agora estão com caixa para investir, possuem a oportunidade de obter os melhores retornos.
3. O comportamento dos grandes fundos (estágios série A em diante) devem mudar para menos deals em startups com operações muito mais saudáveis e rentáveis. A tendência é que o ticket médio dos aportes também diminua.
4. Investir em Startups é investir em EQUITY, em empresas de capital fechado, que não depende de oscilações, volatilidade e especulações. Depende unicamente do crescimento do negócio e seus próprios resultados.
5. Investir em STARTUPS é diferente de investir em renda fixa. Quando você investe em startups é seu dinheiro aportado em GENTE, em Capital Produtivo, para gerar renda, trabalho, impostos e desenvolvimento econômico, porém sem nenhuma garantia ou liquidez. Já investir em renda fixa, no Tesouro Direto, por exemplo, é seu dinheiro comprando um título do governo para financiar as dívidas públicas. No caso do título CDB, é emitido por bancos para captar recursos, com garantias e com seu dinheiro rendendo taxas fixas. Na prática, é seu dinheiro parado e improdutivo, sem esforço, como se você emprestasse com garantias para o governo ou para o banco. Eu prefiro investir em ativo que dependem UNICAMENTE do esforço PRODUTIVO para crescer e não do ESPECULATIVO ou com base na volatilidade de fatores externos. Pra mim, este é o segredo para quem já compreendeu o Jogo do EQUITY.
6. Para aqueles focados em investir para gerar ganhos e lucro rápido, startup não deveria ser investimento.
7. As startups em estágio inicial (Anjo, pré-seed e Seed) estão unicamente posicionadas para desenvolver um negócio sustentável desde o princípio, fazer mais com menos caixa e com respeito ao combinado com o investidor, essas sim podem multiplicar seu valor investido no médio/longo prazo.
8. Do outro lado — o das startups —, agora é a hora de buscar incentivar para que as investidas também se empenhem no seu “dever de casa”. Buscar o breakeven, segurar caixa para voltar a investir num próximo ciclo de crescimento, perceber que podem não alcançar o planejado e, certamente, boa parte das startups que precisarão de novas injeções de capital podem ser forçadas a encarar um down round, ou seja, aceitar um valuation menor do que a rodada anterior.
9. Os investidores em Startups querem saber quem está realmente focado em construir negócios que resolvem problemas reais e geram valor. E isso nunca vai mudar. Desde que o mercado existe passa por ajustes que são naturais e consequências de movimentos e aceitação de quem o compõe.
10. E, por fim, como alertou Pierre Schurmann (um dos sócios da Bossanova Investimentos) sobre o assunto, uma consequência provável dos últimos acontecimentos é que haja uma seleção natural dos empreendedores e um pouco de volta às origens do ecossistema de startups. O impulso historicamente era de mudar o mundo e de buscar a disrupção. E para nós, isso confere um certo alívio, porque esses ajustes vão separar o joio do trigo.
Portanto, não existe CAOS ou “surpresa” para quem já fazia o certo! Este é um ajuste necessário. Vamos continuar a investir e empreender. Vamos continuar contribuindo com o desenvolvimento econômico do Brasil.