Negócios

Caoa: empresário construiu um império com agressividade nos negócios

O médico paraibano, conhecido pela fala mansa e o sorriso fácil de ótimo negociador, era um dos empresários mais poderosos da indústria automotiva mundial

Carlos Alberto de Oliveira Andrade: o empresário trabalhava em sua casa em São Paulo desde 2013, quando se afastou do dia a dia dos negócios (Germano Lüders/Exame)

Carlos Alberto de Oliveira Andrade: o empresário trabalhava em sua casa em São Paulo desde 2013, quando se afastou do dia a dia dos negócios (Germano Lüders/Exame)

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Da Redação

Publicado em 14 de agosto de 2021 às 13h04.

O empresário Carlos Alberto Oliveira de Andrade, fundador do grupo Caoa, morreu neste sábado, 14, em sua casa em São Paulo. O médico paraibano, conhecido pela fala mansa e o sorriso fácil de ótimo negociador, era um dos empresários mais poderosos da indústria automotiva mundial. Com uma agressividade incomum nos negócios, construiu em 42 anos um império dos carros, com mais de 1,5 milhão de veículos vendidos e 240 lojas espalhadas pelo país.

Caoa, como era conhecido, nasceu em João Pessoa, numa família de 17 irmãos. Na adolescência, vendia café aos clientes de um empório de secos e molhados do pai. Depois, comprou um Gordini Dolfini, carro de classe média da época, e virou sócio de uma frota de táxi. Em meados dos anos 60, vendeu o táxi, fez as malas, mudou-se para São Paulo e comprou um mercadinho no centro da cidade.

Dois anos depois, voltou para a Paraíba, dessa vez disposto a estudar medicina. Tornou-se um dos primeiros cirurgiões gástricos de Campina Grande e logo manifestou o jeito de fazer negócios que o tornaria conhecido. Com a ajuda de um enfermeiro, Caoa monopolizou a realização de suturas no hospital — um serviço bem pago, mas desprezado pelos demais médicos. Começou a ganhar dinheiro a ponto de provocar uma revolta dos colegas, que se juntaram e desmontaram a parceria.

Enquanto suturava pacientes e irritava médicos, Caoa fazia negócios na cidade. Como não recebeu um veículo modelo Landau que comprara numa revenda falida, negociou com o dono para assumir a loja — que se tornaria a principal revenda da Ford no Nordeste, com 90 carros vendidos por mês. Com dinheiro em caixa, Caoa comprava à vista com desconto e vendia do jeito que fosse para girar o estoque e começar de novo. Aceitava até pagamento em cabeças de boi, sacos de cimento e lotes de tijolos. Abandonou a medicina e decidiu se mudar para Recife.

Em 1984, comprou duas concessionárias Ford em São Paulo e passou a incomodar aquilo que chamava de “cardeais” do setor na cidade. De novo, a agressividade comercial foi sua marca. Para ganhar mercado, abria aos domingos, algo então incomum. Dava descontos, fazia escambo, mas não perdia o cliente. No fim dos anos 80, respondia, sozinho, por 30% das vendas da montadora no Brasil. Em meio à recessão de 1992, comprou de uma só vez 2.000 carros Ford que estavam encalhados no pátio. Vendeu tudo.

Foi uma série de infortúnios que o levaram a tirar a sorte grande — associar-se à montadora certa (a Hyundai) no momento certo (ainda quando a marca era desconhecida). Em 1992, ele se tornou representante da francesa Renault no Brasil. Mas, três anos depois, a montadora começou a construir uma fábrica no Paraná e retomou os direitos de importação de seus modelos.

Caoa pediu uma indenização de 600 milhões de reais, mas, depois de quatro anos de briga, levou 5 milhões. E começou a procurar outra marca para se associar. Em 1999, fechou com a nanica Hyundai, que tinha 0,27% de participação de mercado no Brasil e era igualmente irrelevante no resto do mundo. Nos primeiros cinco anos, a parceria deu prejuízo. Mas logo em seguida tudo mudaria.

A Hyundai se estabeleceu como uma das principais montadoras do mundo. Como havia acontecido com as fabricantes japonesas antes, as coreanas encontraram seu espaço — basicamente, oferecendo produtos parecidos, mas que saíam mais baratos do que os carros da concorrência. Com carros cada vez melhores à sua disposição, Caoa pôde se dedicar à sua especialidade: vender.

Mesmo sendo muito menor do que as rivais tradicionais, a Hyundai-Caoa foi por quatro anos seguidos, entre 2009 e 2012, a montadora que mais investiu em publicidade no Brasil. Em dezenas de ocasiões, Caoa foi repreendido pelo Conar, órgão que regula a publicidade no país, por divulgar nas campanhas resultados “parciais” de pesquisas com consumidores, que davam a impressão de que a Hyundai tinha os melhores carros do planeta. Também anunciava que os veículos tinham inovações que, na verdade, não estavam disponíveis nos modelos vendidos no Brasil.

Ao longo dos 40 anos de carreira, Caoa participou de inúmeras brigas judiciais. Em 2011, por exemplo, no Rio Grande do Norte, o Grupo Nadiesel, liderado pelo empresário Paulo Melo, denunciou­ Caoa por “concorrência danosa”. Melo acusava Caoa de vender para as próprias concessionárias carros por preços abaixo do mercado e por não enviar carros e peças para as demais varejistas que, como a Nadiesel, também vendiam Hyundai. Já em 2013, o estado da Paraíba cobrou 34 milhões de reais de Caoa por não pagamento de imposto sobre circulação de mercadorias e serviços. O lema do empresário era: ganhe primeiro, pergunte depois.

Em 2013, o grupo atingiu um tamanho e uma complexidade de operação que exigiam mudanças na gestão. Até então, a empresa não tinha balanço auditado ou conselho de administração. Em março daquele ano, Caoa deixou a presidência e contratou o engenheiro Antonio Maciel Neto, ex-presidente da Ford, para presidir o grupo. Afastado do dia a dia da operação, o fundador assumiu a posição de presidente do conselho da companhia e trabalhava em sua casa, uma mansão recheada com tapeçarias francesas do século 18 e telas de Di Cavalcanti e Portinari.

A Caoa repetiu o sucesso que teve com a Hyundai em 2018, quando a começou a trabalhar com a marca chinesa Chery. O grupo abriu 42 lojas em apenas 10 meses para distribuir a Caoa Chery, com investimento próprio. Até o final deste ano, a projeção é chegar a 150 pontos de vendas no país. Com a parceria, foram gerados quase 2.000 empregos diretos e cerca de 20.000 postos de trabalho indiretos, segundo a empresa.

No final do ano passado, a companhia deu início a uma nova fase de expansão, ao realizar um investimento de 1,5 bilhão de reais na fábrica da montadora em Anápolis, em Goiás. Também passou a oferecer o serviço de carro por assinatura e, em janeiro deste ano, entrou no mercado de seguros em parceria com a Wiz. A empresa projeta vender cerca de 120.000 veículos em 2021 — e quer aproveitar para oferecer o seguro junto com a compra do carro. Hoje a companhia é presidida por Mauro Luis Correira, que permanece à frente do negócio.

 

 

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