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Café Quilombo: ao valorizar o black money, marca chega a uma das maiores redes de varejo do mundo

Danilo Negrete cria marca de café com menos de 3 mil reais e reforça a importância do empreendedorismo negro

Danilo Lessa Negrete, fundador do “Café Quilombo”: “O café é preto há muito tempo, digo preto não só na cor da bebida, mas por causa das mãos pretas que o cultivaram por anos” (Divulgação: Café Quilombo)

Danilo Lessa Negrete, fundador do “Café Quilombo”: “O café é preto há muito tempo, digo preto não só na cor da bebida, mas por causa das mãos pretas que o cultivaram por anos” (Divulgação: Café Quilombo)

Publicado em 11 de novembro de 2023 às 11h50.

Última atualização em 16 de novembro de 2023 às 17h34.

“O café é preto há muito tempo, digo preto não só na cor da bebida, mas por causa das mãos pretas que o cultivaram por anos”, diz Danilo Lessa Negrete, empreendedor negro e fundador do “Café Quilombo”.

Falar sobre a história do café no mundo e no Brasil é muito complexo, porque historiadores indicam que a descoberta do café aconteceu antes de Cristo. Segundo Danilo, que vive em São Paulo, e que teve que estudar a origem do café em vários estados para entender melhor o negócio, o que se sabe é que o produto saiu da Etiópia, país africano, passou pelo continente europeu e com a expansão marítima chegou na América.

“Quando chega aqui, usamos a mão de obra escrava para cultivar o café. Por muitos anos o café passou por mãos pretas, mas com a abolição o negro se distancia, os imigrantes ficam com esse trabalho, e o elo da população negra com o café se perde.”

Com objetivo de resgatar esse elo novamente, Danilo cria uma marca de café chamada “Café Quilombo”.

A origem do "Café Quilombo"

Após trabalhar anos em indústrias, como de carne e suco, Danilo formado em ciências contábeis e especialista em gestão de negócios, gostou tanto da área de custos operacionais que sonhou em ter a própria indústria.

Foi então que ele apostou em um e-commerce em 2019 chamado “Quitandeiro”, que só vendia produtos brasileiros, como cachaça, chocolate e café. “De todos os produtos o café era o que mais vendia. Fiquei intrigado com isso e fui entender mais sobre a demanda. Foi aí que descobri que era a segunda bebida mais consumida no mundo. E pensei, por que não criar a minha própria marca?”

Além do alto consumo mundial, Danilo percebeu que o Brasil é expert nesta área, afinal é o país que mais exporta café no mundo. Essa liderança, segundo registros do Instituto Biológico de SP, foi assumida na década de 30 para 40.

Para entender como poderia ganhar mais com essa cultura, Danilo foi atrás de um produtor de café e entendeu que se ele comprasse o café verde, torrasse e vendesse poderia ter mais lucro do que apenas comercializar pela internet.

“Comprei apenas três quilos de café e sabemos que quando se torra os grãos perdemos 20% do volume. Ou seja, minha primeira venda foi menos de três quilos para amigos e eu nem tinha logo na época.”

A ideia da marca chegou quando ele conheceu mais sobre a história do café. Vindo da África, cultivado por escravos, ele percebeu que o elo entre esse produto e os negros se perdeu com o tempo. “O negro saiu da escravidão plantando café para fazer café para executivos. Foi aí que senti a vontade de criar uma marca que resgatasse esse elo entre a história negra e o café. Por que há uma história por trás e podemos contar uma nova história agora.”

Deixando o primeiro negócio de lado, Danilo criou a marca “Café Quilombo” em janeiro de 2020 – o nome traz uma referência ao local onde não apenas viviam negros fugitivos, mas também alforriados que viviam das vendas de seus próprios produtos, como mandioca, farinha, milho.

Com a pandemia, o primeiro ano não foi como o esperado. “Fiquei meses parado, com os impostos rodando. Tive até que estocar café no apartamento.”

Apesar da dificuldade enfrentada pela pandemia, ele persistiu no negócio porque ele tinha um propósito com a marca.

“Os prestadores de serviços são 70% negros. Queremos fortalecer o black money, porque essa rede precisa ser forte. Também queremos por perto todas as raças, porque eles precisam conhecer e estar integrados com a causa. Quantos donos de cafeterias, produtores e fazendeiros são negros? Quero trazer essa reflexão do porquê o negro não está nesses lugares de destaque.”

Os grãos do “Café Quilombo” vêm de uma fazenda no semiárido do estado do Espírito Santo, que aceitaram ser parceiros, porque entenderam e acreditam na proposta da marca, afirma Danilo. “Eles nos deram até prazos especiais de pagamento.”

O diferencial dos grãos

Em 2022, conforme os dados do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), o Brasil exportou 39.350 milhões de sacas para 122 países.

O café arábica foi o mais exportado no acumulado de 2022, com 34.077 milhões de sacas (86,6% do total). O café solúvel veio na sequência, com 3.725 milhões de sacas (9,5%), acompanhado dos cafés canéforas (robusta + conilon), com 1.501 milhão de sacas (3,8%), e do torrado e torrado e moído, com 47.747 sacas (0,1%).

Indo na contramão do mercado, o “Café Quilombo” não usa o grão arábica, que assim como é o mais exportado, também é o mais consumido, mas aposta no grão robusta. Este grão é originário da África e apesar de ter muita similaridade com o gosto do brasileiro, ainda não é muito consumido por aqui. “O grão robusta é o que mais se aproxima do paladar e da memória afetiva dos brasileiros, com amargor presente e textura amadeirada. Além da tradicional coloração escura, que é a cara do café brasileiro.”

Para representar a característica forte e densa de seu café, Danilo escolheu três nomes para as três intensidades que comercializa:

  • Tereza de Benguela: era rainha de um quilombo, saia nas frentes de batalha. Decidiu não ser mãe para lutar pelo Quilombo. Ela ficou com uma imagem de mulher forte. “O nosso café Tereza precisava ser um café com uma torra bem escura e acentuada.”
  • Dandara dos Palmares: era do Quilombo dos Palmares. Ela foi a esposa do Zumbi dos Palmares. Enquanto ele ia para as batalhas, ela ficava para defender o Quilombo. Diferente da Tereza, ela foi mãe e teve filhos. “É um café mais equilibrado, trazendo não só a doçura da maternidade, mas o amargo da dupla jornada. Dois perfis de mulheres que representam muito as mulheres de agora.”
  • Santa Anastácia: foi uma mulher de muita beleza, o que atraiu ciúmes das marquesas do Rio de Janeiro e por isso mandaram colocar uma venda na boca porque ela chamava a atenção dos homens. “Trouxemos para ela um café mais elegante e complexo, por ela também ter sido uma curandeira, e acaba sendo o mais caro.”

“São grãos fortes, encorpados, que tem raça. Escolhemos esse tipo de grãos para representar essas mulheres e o gosto do café brasileiro,” afirma Danilo.

O investimento e as metas

Hoje o "Café Quilombo" chega em todas as regiões do Brasil, porque além da loja online, Danilo também vende para varejistas e pela primeira vez vão entrar neste ano em uma grande rede: Carrefour.

“Neste ano conseguimos entrar em uma das maiores redes de varejo do país, que é o Carrefour. Vamos distribuir de início mil pacotes para as lojas de SP e RS. No próximo ano queremos chegar em mais redes, se consolidar nas grandes capitais e ter aquisição de mais investidores.”

Em nota, o Carrefour informou que possui um compromisso com a diversidade e a inclusão que se materializa em diferentes frentes e uma delas é o apoio ao empreendedorismo negro. A companhia afirma ter diversos programas que já impactaram mais de 3 mil afroempreendedores, e um deles tem como objetivo a ampliação do número de empreendedores negros que vendem seus produtos nas lojas da companhia. O "Café Quilombo" é um deles.

O “Café Quilombo” começou com um investimento de R$ 2.832, que foi a quantia que sobrou da rescisão de Danilo, que conseguiu um empréstimo depois de R$ 15 mil com uma amiga.

A ideia do empreendedor é fechar o faturamento em R$ 200 mil neste ano. Com a entrada para o Carrefour e novos mercados que estão negociando, como Eataly e Santa Luzia, a expectativa é que no ano que vem possa bater a meta de R$ 500 mil. “Temos uma meta ainda mais audaciosa, que é de chegar no primeiro milhão ainda em 2024,” afirma Danilo.

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