Amy Barrett: se indicada de Trump for confirmada pelo Senado, conservadores terão maioria de 6 a 3 (Bloomberg/Bloomberg)
Carolina Riveira
Publicado em 26 de setembro de 2020 às 11h22.
Última atualização em 26 de setembro de 2020 às 19h01.
O presidente americano, Donald Trump, anunciou na tarde deste sábado, 26, sua candidata para nova juíza da Suprema Corte dos Estados Unidos. A indicada é Amy Coney Barrett, uma juíza nascida na Louisiana e que sempre foi uma das favoritas ao cargo por seu perfil conservador.
A nomeação da Suprema Corte americana, de uma hora para outra, virou o assunto mais importante do país e da eleição presidencial, marcada para 3 de novembro. O nomeado, após confirmação do Senado, vai substituir a juíza progressista Ruth Bader Ginsburg (a RBG, pelas iniciais de seu nome), que morreu na semana passada.
A decisão de Trump de nomear Barrett já havia sido antecipada ontem pela imprensa americana, que ouviu fontes próximas ao presidente.
Católica e de perfil conservador, Barrett seria a juíza mais jovem da Suprema Corte, aos 48 anos -- ao contrário do Brasil, o cargo na corte máxima americana é vitalício a não ser que os juízes voluntariamente decidam renunciar.
Ela nasceu em New Orleans, no estado da Louisiana, em 1972. Atualmente, é do Tribunal de Apelações do 7º Circuito de Chicago, cargo federal para o qual foi nomeada pelo próprio Trump em 2017.
Desde a nomeação ao tribunal, Barrett já vinha sendo apontada como uma das favoritas de Trump a uma vaga na Corte, uma vez que Ruth Ginsburg já estava doente há alguns anos. Outra favorita é Barbara Lagoa, hoje da Corte de Apelações de Atlanta, na Geórgia, e ex-juíza da Suprema Corte na Flórida.
A data deste sábado para o anúncio foi escolhida porque Trump prometeu esperar terminar os velórios de Ruth Bader Ginsburg. As cerimônias para a ex-juíza acabaram na sexta-feira, 25. Em um dos dias, Trump foi ao velório na Suprema Corte, também na capital Washington D.C. onde fica a Casa Branca, e foi vaiado por cidadãos que estavam no local prestando as homenagens a RBG.
O senador Ed Markey, democrata de Massachusetts, chamou Barrett de "uma juíza extremista e de extrema-direita" após as notícias ontem de que ela seria a escolhida. Já o o senador John Cornyn, do Texas, disse que a juíza é uma "pioneira legal" que "manteve a importância do judiciário independente".
O principal traço de Barrett que vem sendo observado pelo campo conservador é sua posição abertamente contrária à legalização do aborto. O aborto legal é tido como um direito nos EUA desde 1973 por decisão da Suprema Corte, na histórica decisão chamada de Roe vs. Wade. Essa decisão é até hoje contestada pelo campo conservador. Para mudar o direcionamento, uma maioria no tribunal seria o primeiro passo.
Até agora, com RBG, havia 5 juízes sabidamente conservadores e 4 progressistas. Com o quase empate, algumas decisões eram menos previsíveis.
Nos últimos anos, estados têm tentado passar legislações específicas para reduzir o acesso ao aborto ou proíbi-lo, mas a decisão de 1973 da Suprema Corte ainda predomina, mesmo em estados contrários.
A juíza Barrett também seria, embora menos abertamente, a favor de posições de Trump a respeito de legislações para posse e porte de armas. Nos EUA, a Constituição permite que cidadãos tenham armas, mas cada estado legisla separadamente sobre as regras. Em estados progressistas como Nova York, há mais exigências e dificuldade para quem deseja ter uma arma, ao contrário de locais como a Flórida, mais conservadora.
A juíza também defende mais restrições para imigração e é pouco afeita a pautas ambientais. Outra preocupação manifestada pelos democratas em declarações nas redes sociais ontem foi a de possíveis ações da Suprema Corte contra o Affordable Care Act (o "Obamacare"), programa com o objetivo de garantir maior acesso a planos de saúde privados estabelecido por Obama.
Trump já fez duas nomeações anteriores para a Suprema Corte: Neil Gorsuch em 2017 e Brett Kavanaugh em 2018. Interlocutores têm dito, segundo a Bloomberg, que o presidente estaria insatisfeito com os votos de seus indicados até agora, que não se manifestaram abertamente contra o aborto. Dessa vez, nomeará um juiz sobre o qual não haja dúvidas na defesa de todas as pautas conservadoras.
Barrett também já trabalhou ao lado de Antonin Scalia, outro juiz conservador da Suprema Corte e nomeado pelo republicano Ronald Reagan em 1986. Scalia era considerado, antes das nomeações recentes de Trump, a "régua conservadora" da Suprema Corte, o mais conservador entre os juízes.
A nomeação é uma coisa. Fazer Barrett (ou qualquer outro nomeado) chegar à Suprema Corte é outra. Uma batalha sangrenta se desenhará agora entre o campo conservador republicano e o progressista democrata no Congresso antes que o nomeado de Trump seja oficializado como novo juiz.
Os republicanos controlam o Senado (com 53 a 47 cadeiras) e os democratas, a Câmara. A nova juíza precisaria passar por sabatina no Senado, e o líder do governo na Casa, senador Mitch McConnell, já afirmou que irá agilizar o processo.
O problema é que o mesmo McConnell, quando Antonin Sacalia morreu em março de 2016, oito meses antes das eleições daquele ano, proibiu o ex-presidente Barack Obama de fazer sua nomeação. O senador afirmou que “a população americana deveria ter voz na seleção de seu próximo juiz da Suprema Corte. Portanto, essa vaga não deve ser preenchida até que tenhamos um novo presidente”.
Na ocasião, os republicanos controlavam tanto Câmara quanto Senado. Na eleição de 2016, como se sabe, Trump venceu a candidata democrata, Hillary Clinton, e terminou por indicar o juiz Neil Gorsuch -- assim, a indicação ocorreu só em 2017, mais de um ano depois que o cargo vagou. Além de Gorsuch, Trump também indicou Brett Kavanaugh em 2018.
Os democratas, é claro, defendem agora que se espere a eleição antes da nova nomeação, como foi feito com Obama. Para evitar uma nomeação de Trump já em 2020, a presidente da Câmara e democrata, Nancy Pelosi, pode usar a Câmara para passar processos de impeachment contra o presidente que estão na Casa e enviá-los ao Senado, travando a pauta.
A menos de 40 dias até a eleição, o grande objetivo dos democratas é impedir a nomeação sobretudo até que os resultados do pleito saiam. Na teoria, o governo atual tem até o fim de 2020 para fazer a nomeação, mas a leitura é que, se Trump perder a eleição, a indicação ficaria deslegitimada para ser feita depois de novembro.
Já Trump tenta usar a Suprema Corte como um argumento eleitoral, afirmando que, se os democratas vencerem, tentarão barrar seu juiz nomeado.
Desavenças nas eleições não devem faltar: os estados decisivos estão com pesquisas apertadas e haverá ampla votação pelo correio, modalidade pela qual os votos demoram mais a serem contados.
Assim, os EUA podem passar dias depois de 3 de novembro sem saber o vencedor, o que abre espaço para que Trump alegue que há fraude (o debate foi tema do podcast EXAME Política -- temporada Eleições Americanas, que você escuta abaixo).
A Suprema Corte já precisou entrar em cena na eleição presidencial de 2000, na contagem dos votos da Flórida na disputa entre George W. Bush contra Al Gore.
*A matéria foi atualizada após a confirmação de Barrett como nomeação de Trump na tarde deste sábado, 26.