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Presidente mexicana diz aos EUA que não tolerará 'invasão' na luta contra cartéis

Na quarta-feira, Casa Branca classificou oficialmente oito cartéis da América Latina como organizações terroristas estrangeiras

(ARQUIVOS) A presidente do México, Claudia Sheinbaum, fala durante sua coletiva de imprensa diária no Palácio Nacional na Cidade do México em 3 de fevereiro de 2025. A América Latina se tornou um campo de batalha entre o presidente dos EUA, Donald Trump, e a China, sob pressão de Washington para escolher lados. (Foto de Yuri CORTEZ / AFP) (Yuri CORTEZ/AFP)

(ARQUIVOS) A presidente do México, Claudia Sheinbaum, fala durante sua coletiva de imprensa diária no Palácio Nacional na Cidade do México em 3 de fevereiro de 2025. A América Latina se tornou um campo de batalha entre o presidente dos EUA, Donald Trump, e a China, sob pressão de Washington para escolher lados. (Foto de Yuri CORTEZ / AFP) (Yuri CORTEZ/AFP)

Agência o Globo
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Agência de notícias

Publicado em 20 de fevereiro de 2025 às 12h29.

A presidente do México, Claudia Sheinbaum, disse aos Estados Unidos nesta quinta-feira que não tolerará uma “invasão” na luta contra os cartéis, e prometeu ampliar uma ação legal contra fabricantes de armas dos EUA, um dia após a Casa Branca classificar oficialmente oito cartéis da América Latina como organizações terroristas estrangeiras.

Na quarta-feira, o Departamento de Estado dos Estados Unidos designou oito cartéis que operam na América Latina como organizações terroristas, seguindo um decreto assinado pelo presidente Donald Trump no dia de sua posse, em 20 de janeiro As organizações são acusadas de representar uma ameaça significativa à segurança nacional, à política externa ou à economia do país, segundo um aviso publicado na edição desta quinta-feira do Registro Federal.

Entre os cartéis mencionados estão o Trem de Arágua — organização originada na Venezuela em 2014 e que hoje atua em ao menos oito países sul-americanos, segundo a Interpol — e Las Maras Salvatrucha (MS-13) — gangue criminosa fundada em Los Angeles, mas que tem origem em organizações criminosas de El Salvador e que desempenha um papel menor no tráfico transnacional de drogas.

Também foram citados o Cartel de Sinaloa, o Cartel de Jalisco Nova Geração, os Cartéis Unidos, o Cartel do Nordeste, Clã do Golfo e a Família Michoacán. Eles foram designados com base em um decreto assinado pelo presidente George W. Bush após os ataques de 11 de setembro de 2001. A ordem prevê o congelamento de bens associados aos cartéis e proíbe americanos de realizar negócios com essas entidades.

A ordem de Trump foi feita horas após o republicano assumir a Presidência. Mas faltava a administração anunciar quais grupos receberiam essas designações. O presidente republicano descreve os cartéis como uma ameaça ao “Hemisfério Ocidental” e à segurança nacional do país — e fez do problema uma questão central durante sua campanha presidencial no último ano.

O objetivo principal do decreto, segundo analistas, era exercer pressão máxima sobre o México para conter o comércio de drogas, embora a designação também dê ao governo americano mais poder para impor penalidades econômicas, restrições de viagens e, potencialmente, até mesmo iniciar ações militares em países estrangeiros.

Por outro lado, desvincular as operações dos cartéis dos interesses dos Estados Unidos no México pode ser complicado. O México é o maior parceiro comercial dos EUA em bens, e muitas empresas americanas têm operações de manufatura no país vizinho. Além disso, essas redes criminosas expandiram suas operações para além do tráfico de drogas e do contrabando de pessoas, de modo que agora também estão inseridas em uma ampla gama da economia legal que vai desde o cultivo de abacates até a indústria bilionária do turismo.

"Isso já foi discutido em governos anteriores de diferentes espectros políticos e por membros do Congresso que queriam implementar essa medida", disse Samantha Sultoon, ex-conselheira de políticas e sanções e financiamentos de ameaças nos governos Trump (2017-2021) e de Joe Biden (2021-2025). "Mas ninguém seguiu adiante porque analisaram as implicações para o comércio e as relações econômicas e financeiras entre México e EUA. Todos concluíram que essa designação seria precipitada e mal planejada".

O rótulo de organização terrorista estrangeira é incomum porque normalmente é aplicado a grupos como a al-Qaeda ou o Estado Islâmico (EI), que utilizam a violência para fins políticos – e não as redes criminosas voltadas para o lucro, como os cartéis latino-americanos, publicou a Associated Press na quarta-feira. No entanto, o governo Trump argumenta que as conexões internacionais e as operações desses grupos, que incluem tráfico de drogas, justificam a medida.

Consequências para os EUA

A designação de cartéis como organizações terroristas estrangeiras pode levar a uma série de penalidades, incluindo multas substanciais, apreensão de bens e acusações criminais contra empresas e indivíduos. Empresas americanas poderiam ser penalizadas por pagamentos feitos a empresas mexicanas que, sem seu conhecimento, sejam controladas por cartéis. Alguns pagamentos feitos por extorsão, mesmo sob coerção, também poderiam ser considerados “apoio material” aos cartéis.

Ex-funcionários do governo americano e analistas destacaram que seria quase impossível identificar quais negócios podem empregar ou estar associados a membros de cartéis, dada a vasta rede de pessoas envolvidas em vários setores, incluindo o hoteleiro e o agrícola. Os cartéis usam a economia legal para lavar dinheiro, o que significa que trabalhadores de hotéis ou de uma empresa de embalagem de abacates, por exemplo, podem estar na folha de pagamento do cartel, mas sem saber.

Como resultado, empresas do setor financeiro americano, por precaução, podem simplesmente se recusar a transferir dinheiro para fábricas mexicanas, comprometendo a produção e o comércio transfronteiriço. Bancos também poderiam optar por evitar setores considerados de alto risco, segundo Fabian Teichmann, advogado suíço especialista em financiamento ao terrorismo. Ele citou a indústria de abacates do México, onde os cartéis expandiram consideravelmente sua atuação.

"Os bancos podem evitar clientes porque podem não querer correr o risco de se envolver com qualquer coisa vinculada ao México", disse Eric Jacobstein, ex-funcionário do Departamento de Estado.

Outras instituições financeiras que facilitam pagamentos entre os EUA e o México também poderiam ser afetadas, como Venmo ou PayPal, cofundado pelo aliado de Trump, o bilionário Elon Musk. A designação terrorista poderia ainda empurrar grande parte da economia mexicana para a informalidade, onde predominam transações em dinheiro, dificultando a investigação das estruturas financeiras dos cartéis.

Forças militares

A designação também poderia abrir caminho para que os Estados Unidos enviassem forças militares ao México para combater organizações criminosas, sem o consentimento do governo mexicano — como ocorreu no Afeganistão e na Síria. No entanto, esses países apresentavam circunstâncias diferentes: os Estados Unidos ocuparam o Afeganistão, e a Síria perdeu o controle de partes de seu território. Isso deu a Washington respaldo legal para operações especiais contra líderes terroristas.

O México, no entanto, tem cooperado com os Estados Unidos há mais de 30 anos no combate aos cartéis. Caso os EUA violem sua soberania, o México pode ameaçar encerrar essa colaboração, como já foi visto em ocasiões anteriores. Quando promotores americanos prenderam o ex-secretário de Defesa do México durante o primeiro governo Trump, o governo mexicano suspendeu toda a cooperação com a Administração de Fiscalização de Drogas (DEA, na sigla em inglês).

"Uma ação unilateral seria catastrófica", disse Craig Deare, especialista em Segurança Nacional. "Isso desmantelaria qualquer colaboração e décadas de esforços republicanos e democratas para construir uma relação de defesa com o México. Se você acha que a cooperação já é difícil agora, espere até que o México corte todos os laços".

No mês passado, Sheinbaum respondeu à ordem de Trump afirmando que seu país defenderia sua soberania e independência, ao mesmo tempo em que buscaria a coordenação com os EUA:

"Todos queremos combater os cartéis de drogas", disse Sheibaum. "Os Estados Unidos no território deles, e nós no nosso".

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