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Os brasileiros que querem mudar a realidade da habitação nos Estados Unidos

Instituto Elos ampliou conversas com moradores para permitir ampliação de conjuntos habitacionais nos arredores de Seattle

 (Mario Tama/Getty Images)

(Mario Tama/Getty Images)

Rafael Balago
Rafael Balago

Repórter de macroeconomia

Publicado em 31 de janeiro de 2024 às 06h01.

Um dos símbolos dos Estados Unidos são as casas grandes, quase idênticas, uma do lado das outras, se estendendo por muitas ruas, com cercas de madeiras baixas entre elas. Em muitos lugares, fazer casas assim não é uma escolha, mas uma obrigação, e isso ajuda a alimentar um problema: a falta de moradia.

Em muitas cidades do país, as leis de zoneamento impedem que cada terreno receba mais de uma casa, e que cada uma delas possa ser dividida internamente em duas, para receber mais de uma família, por exemplo. O aumento da população e a crise no setor imobiliário após a crise de 2008 ampliaram o problema de falta de casas e, em um mercado escasso, o preço para comprar e alugar disparou nas últimas décadas.

Um estudo da empresa imobiliária Hines estima que faltam 3,2 milhões de moradias nos EUA. Isso representa 2,5% da oferta total de habitação no país. Os déficits mais acentuados estão em grandes cidades, como Nova York e Los Angeles. Com a alta de preços, muitas pessoas não conseguem pagar e acabam em situação de rua.

A solução mais óbvia para lidar com a escassez de imóveis é fazer mais unidades em menos espaço, como construir prédios e conjuntos habitacionais. Mas, para isso, é preciso mudar regras de uso do solo, em processos que costumam enfrentar resistências. Essa revolta ganhou até um apelido nos EUA: Not in My Backyard (Nimby, não no meu quintal, na sigla em inglês). 

Para ajudar a combater o movimento Nimby, o governo de uma cidade americana contratou um grupo de brasileiros. 

A construtora Hasco queria ampliar dois projetos de moradia popular em Lynnwood, cidade de 40 mil habitantes nos arredores de Seattle, na costa oeste do país. Um conjunto habitacional seria demolido, para a construção de outro, maior, e o segundo teria sua capacidade ampliada, para receber mais famílias. "Os dois complexos tinham mais de 50 anos de construção, estavam bem deterioridados e o ideal era que pudessem demolir eles e construir o dobro no mesmo lugar", conta Rodrigo Rubido, diretor do Instituto Elos.

"Erros terríveis"

O Elos é uma ONG, criada há 20 anos e baseada em Santos, que busca estimular a participação social, fortalecer comunidades e aproximá-las de ações do setor público e privado. No Brasil, já atuou em projetos do programa Minha Casa, Minha Vida."Devido à negligência de olhar as pessoas como números, se constroem grandes conjuntos em que as pessoas não conseguem viver, porque não foi projetado para pessoas. Tem erros terríveis", diz Rubido. "Tem supermercado que paga ônibus para levar os moradores até a loja, porque fizeram moradias em um lugar que não tem ônibus e nem supermercado perto."

Outro erro comum é o de separar famílias. "Na favela tem certa segurança social. Chega uma família do Nordeste, faz um barraco e fala 'vou chamar meu tio, meu irmão, para morar do lado'. Dentro daquele beco tem uma certa segurança. Quando vai para um conjunto habitacional, é sorteio. Você destrói esse tecido social de vínculos afetivos, de confiança e começa a colocar desconhecidos como vizinhos", comenta. 

Arquiteto de formação, assim como outros fundadores do Elos, ele defende o aumento da participação popular nos projetos de habitação para que as casas, e as cidades, funcionem melhor. Eles já haviam atuado na Espanha, Alemanha e Holanda. 

O Hasco (departameto de habitação do condado de Snohomish, na siga em inglês) descobriu o trabalho do Elos por coincidência. Um funcionário próximo do presidente da empresa estava fazendo um curso de português online e, durante as aulas, outro aluno comentou do trabalho da Elos, conta Rubido. Assim, a empresa procurou os brasileiros e pediu ajuda para o caso de Lynnwood. 

O trabalho nos EUA começou em fevereiro de 2023. Inicialmente, eles ajudaram na aprovação de uma mudança na lei de zoneamento, pela Câmara Municipal. Depois, veio a segunda etapa: o aval para o projeto de reconstrução dos conjuntos habitacionais. 

Rodrigo Rubido, diretor do Instituto Elos (Douglas Vaz/Divulgação)

Inicialmente, Rubido percebeu que faltava diálogo entre a construtora e os demais moradores. Depois da pandemia, por exemplo, não havia uma pessoa com quem os habitantes do conjunto pudessem conversar. Havia apenas uma caixa de correio onde depositar os cheques de pagamento dos alugueis. 

Lá, é comum o modelo de aluguel social: em vez de o governo dar uma casa para as famílias pobres, elas têm o direito de morar em uma habitação social pagando um valor baixo de aluguel. Quando melhoram de vida, podem buscar outra moradia melhor e abrir espaço para outra família de baixa renda.

Como não havia canais de contato com pessoas reais e os representantes da Hasco não falavam com os moradores, a companhia tinha uma imagem de arrogante.  "Orientamos a empresa para que ela conhecesse as demandas do bairro e pensasse, como cidadã, como ela poderia contribuir com isso", conta ele. "As pessoas falavam muito de áreas verdes, de um salão para reuniões comunitárias, equipamentos de lazer que pudessem servir o bairro como um todo."

O segundo passo foi buscar convencer os moradores de que o projeto traria benefícios também por proporcionar uma cidade mais diversa. Após quase um ano inteiro de trabalho com os moradores, a proposta de mudança nos condomínios foi aprovada pelo conselho municipal, espécie de Câmara dos Vereadores, por 6 votos a 1, no fim de novembro.

"Um dos vereadores fez um discurso fortemente conservador e preconceituoso. Falou contra a ideia de aumentar o adensamento e disse que a população beneficiada provocaria um aumento da violência, mas que tinha sentimentos ambíguos em relação a esse projeto, e acabou votando a favor", disse Rubido.

Após a aprovação, a Hasco segue debatendo detalhes do projeto com os moradores. As obras de construção dos novos conjuntos devem começar até o final de 2024.

Depois do caso em Lynnwood, a Elos quer ampliar a conscientização de funcionários do Hasco, que tem outros conjuntos habitacionais na região. "Eles estão empenhados em oferecer mais habitação, mas não pode ser só isso. É preciso ouvir, dialogar e conciliar interesses. Senão, a gente só cria muros, né?."

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