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O apoio à democracia na América Latina está no nível mais baixo — e a violência ajuda a explicar

Diretor da Ipsos para a América Latina aponta que preocupação com crime, violência e corrupção tem crescido na região, ameaçando as bases democráticas

Soldado patrulha rua de San Salvador: El Salvador reelegeu o presidente Nayib Bukele, que adotou linha-dura contra a violência e retirou direitos civis (Marvin Recinos/AFP)

Soldado patrulha rua de San Salvador: El Salvador reelegeu o presidente Nayib Bukele, que adotou linha-dura contra a violência e retirou direitos civis (Marvin Recinos/AFP)

Publicado em 15 de fevereiro de 2024 às 12h11.

O apoio à democracia na América Latina está no nível mais baixo já registrado, e há uma relação direta entre isso e o aumento do medo da violência, aponta Jean-Christophe Salles, CEO da Ipsos para a América Latina. "Na região, as pessoas não creem na Justiça, na polícia, muito menos do que no resto do mundo. Isso gera certo desafio à democracia. O apoio à democracia na América Latina está baixo como nunca foi. Isso pode explicar a geração de extremos e a polarização", disse Salles, em entrevista à EXAME, durante viagem dele a São Paulo. A Ipsos faz pesquisas de opinião pública em mais de 30 países.

Salles aponta que a preocupação com a violência já vem de longa data no Brasil, mas que cresce em países onde antes era bem pequena, como Chile e Equador. Na conversa, ele comentou também sobre os rumos políticos da América Latina, as percepções do público no Brasil e na Argentina e disse ser otimista sobre a região. "Estamos melhores do que há 20 anos".

Jean-Christophe Salles, CEO da Ipsos para a América Latina. (Divulgação)

Como vê o cenário atual da política na América Latina?

Nos últimos anos, sempre que havia eleições, o candidato da oposição ganhava. Vimos isso em quase todas as eleições. Agora parece que as próximas votações vão demonstrar mais estabilidade. Por exemplo, no México, todo mundo diz que deve haver certa continuidade, assim como na República Dominicana. Vemos também mais desconexão do que no passado entre o político e o econômico. A aprovação dos governos em países como Chile, Peru e Colômbia está em níveis muito baixos, mas a economia segue seu caminho. No passado, na América Latina, quando havia uma mudança econômica, havia também uma mudança política. Isso é algo um pouco novo, que demonstra certa estabilidade. Neste sentido, sou razoavelmente otimista com a América Latina. 

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Quais as razões que o deixam mais otimista?

Há uma tendência na América Latina de ver o copo sempre meio vazio. Os cidadãos realmente são bastante otimistas, dizem “sim, ano que vem vai ser melhor”. Sempre há coisas positivas em qualquer pesquisa. Já os analistas são bastante negativos. Temos que buscar um match melhor. Não tem que dizer que tudo vai bem, mas temos oportunidades. Dentro dos mercados emergentes, a América Latina pode ser uma alternativa muito boa, e quando falamos com nossos clientes na região, todos têm um otimismo moderado. Não temos o problema do terrorismo, como na França, nem o da imigração, muito presente nos Estados Unidos e que não temos muito, exceto no Chile. Dentro disso, podemos representar uma boa alternativa em termos de investimentos e de crescimento.

Na economia, também há espaço para otimismo?

Se olho as previsões para 2023, os países cresceram mais do que se pensava. Para 2024, esperamos um crescimento moderado, mas podemos de novo ter surpresas boas. Sem ser ingênuo, se não valorizarmos o que temos, quem o fará? Fizemos um controle da inflação muito bom nos últimos anos, melhor do que muitos países desenvolvidos. Não estamos mais como há 20 anos, com risco de hiperinflação, exceto na Argentina e Venezuela, que são casos particulares. Houve muitos avanços também no nível de educação, na saúde e na redução da desigualdade e da pobreza. 

A polarização política cresceu em países como EUA, Argentina e Brasil nos últimos anos. Como vê esta questão atualmente?

É um problema e, ao final, é o problema de apoio à democracia. Há duas grandes questões que preocupam o cidadão na América Latina, muito mais do que em outras partes do mundo: criminalidade e violência, algo em que temos o nível mais alto do mundo, e a corrupção. Mesmo em países que não tinham a violência como preocupação tão alta, como Chile, Peru e Equador, isso tem mudado. A polarização está ligada a uma baixa confiança no sistema. Na América Latina, as pessoas não creem na Justiça, na polícia, muito menos do que no resto do mundo. Isso gera certo desafio à democracia. O apoio à democracia na América Latina está baixo como nunca foi. Isso pode explicar a geração de extremos e a polarização. Em várias das últimas eleições, como no Chile, pedimos às pessoas para escolher entre a extrema esquerda e a extrema direita, e isso gera polarização na sociedade e entre as pessoas. Isso está ligado ao problema social. 

"Na América Latina, as pessoas não creem na Justiça, na polícia, muito menos do que no resto do mundo. Isso gera certo desafio à democracia" - Jean-Christophe Salles, CEO da Ipsos para a América Latina

Que impactos a eleição presidencial nos EUA terá na América Latina?

A influência dos Estados Unidos sobre a América Latina hoje não é a de 30 anos atrás. E o peso econômico é menor que o da China. A imigração poderá ser um grande tema da eleição. Podemos ter alguns benefícios, como o nearshoring no México que todo mundo fala e é uma realidade. Quando miramos a revalorização do peso mexicano frente ao dólar e como vai a economia mexicana, há benefícios que são inegáveis. Mas o impacto econômico é muito menor do que no passado. A questão de como vai a economia da China influencia muito mais os países da região do que como vai a economia dos Estados Unidos

Como está a visão dos brasileiros sobre o governo e o futuro do país?

Não medimos a aprovação de Lula, mas o humor dos consumidores brasileiros. A confiança dos consumidores está baixando, mas segue alta. Temos 55% dos consumidores que se dizem realmente otimistas. Sobre os temas que preocupam as pessoas, não vimos muitas mudanças. No Brasil, há uma preocupação grande com a violência, mas não é algo novo e acho que os cidadãos se acostumaram. No Chile, por exemplo, era algo que não existia e agora existe — e a preocupação está se multiplicando. Há também uma particularidade que os brasileiros estão mais preocupados com saúde. Isso pode estar ligado ao sistema de forma geral e sobretudo sobre o acesso ao sistema público e o custo dos serviços. Já nossos grandes clientes no Brasil estão com otimismo moderado. As duas grandes economias da América Latina, México e Brasil, estão muito bem. 

Até há pouco tempo, 10% dos argentinos diziam todos os meses que o país estava na direção certa. Após a eleição de Milei, 60% dos argentinos dizem que o país vai em boa direção

A Argentina passou por uma mudança de governo em dezembro, com a posse do presidente Javier Milei, que tem proposto mudanças grandes. Há dados sobre como os argentinos têm recebido essa transição?

Perguntamos aos argentinos, todos os meses, se pensam que seu país vai em boa direção ou em direção equivocada. Até há pouco tempo, 10% das pessoas diziam todos os meses que o país estava na direção certa, enquanto no Brasil e no México estávamos ao redor de 55% a 60%. Hoje em dia, 60% dos argentinos dizem que o país vai em boa direção. A Argentina passou de país com satisfação mais baixa entre seis pesquisados na região, para o posto com satisfação mais alta. As eleições de presidentes, como de Petro na Colômbia e Lula no Brasil, sempre geram otimismo, mas a questão é quanto tempo isso dura. Na Colômbia e no Chile, vimos rapidamente uma queda. Quando há um nível de expectativas muito alto, há mais risco de decepção. Se as coisas não caminharem em um sentido correto e de forma realmente rápida, vai ser duro para os argentinos.

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