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Na coroação de Charles III, o risco de irrelevância da monarquia, um Brexit desastrado e a economia

Os britânicos já foram donos do maior império do mundo, mas ascensão de Charles III ocorre em momento de transição

Charles III (à esq.) e irmãos: momento de transição na Coroa britânica e em seus domínios (Leon Neal/Getty Images)

Charles III (à esq.) e irmãos: momento de transição na Coroa britânica e em seus domínios (Leon Neal/Getty Images)

Carolina Riveira
Carolina Riveira

Repórter de Economia e Mundo

Publicado em 6 de maio de 2023 às 06h13.

Última atualização em 6 de maio de 2023 às 10h23.

“A grande ameaça para o futuro da dinastia Windsor não são multidões se rebelando no portão. Não é uma revolução. É o fato de que está se tornando irrelevante”.

A frase é de Robert Hardman, autor de “Queen of Our Times: The Life of Elizabeth II” (a “rainha de nossos tempos”, em tradução livre), em entrevista à Associated Press nesta semana.

Não é um exagero. O rei Charles III é coroado neste fim de semana em um momento de transição. Além do momento decisivo na realeza — que perdeu sua mais longeva monarca no ano passado —, Charles se torna o chefe de Estado de um Reino Unido que vive um caldeirão interno.

A lista de problemas da União (formada por Inglaterra, Gales, Irlanda do Norte e Escócia) incluiu nos últimos anos a saída da União Europeia, uma economia longe de seus tempos de glória e um vai e vem político que fez o país ter três primeiros-ministros em somente um ano.

Um império longe do auge

São nesses tempos intranquilos que Charles recebe sua coroa na abadia de Westminster, em um cerimônia na mais alta pompa e datando de tempos medievais, mas que tenta romper com protocolos e apelar a novas gerações.

A Casa de Windsor existe desde 1917, na prática tendo apenas mudado de nome depois que a casa anterior (uma mistura entre a linhagem da rainha Vitória e alemães) virou um problema de relações públicas com o sentimento anti-alemão na Primeira Guerra Mundial.

Desde então, a dinastia teve quatro monarcas próprios. Quando o bisavô de Charles, George V, se tornou o primeiro monarca a usar o nome Windsor, o mundo era outro. Os britânicos eram líderes de um império que controlava 412 milhões de pessoas no mundo, quase um terço da população mundial da época.

Comerciante vende bandeiras após a morte de Elizabeth II: impacto cultural da monarquia britânica (Matthew Chattle/Future Publishing/Getty Images)

O poderio começou a decair sobretudo após as duas grandes guerras, quando os EUA ascenderam ao papel de potência global. Hoje, o Reino Unido é a sexta maior economia do mundo, mas seu papel de potência segue em xeque.

Recentemente, a crise inflacionária que abateu a Europa após a guerra na Ucrânia respingou com força no Reino Unido. O país tem uma das maiores inflações dentre as potências europeias (que superou 10% no ano passado) e sua economia cresceu menos do que a de outros países ricos, como europeus, Japão e EUA, na comparação com o pré-pandemia.

O caos político

Além dos desafios econômicos, a troca na monarquia acontece em um momento em que os britânicos ainda tentam entender seu novo lugar no mundo após o Brexit, saída da União Europeia, e um vai e vem barulhento na elite política local.

A coroação de Charles ocorre quase sete anos depois do referendo em que 52% da população dos quatro territórios britânicos votou por deixar a União Europeia. Oficialmente, o Reino Unido está fora da UE desde 2020, quando a saída se concretizou na prática.

Boris Johnson, em campanha pró-Brexit: resultados contestados da separação (Carl Court/Getty Images)

De lá para cá, estudos mostram que a economia do país não foi beneficiada pela separação.

Estima-se que a economia britânica é 5% mais pobre do que seria se permanecesse na União Europeia, segundo um estudo frequentemente citado do Centre for European Reform. E uma das principais promessas do Brexit, a possibilidade de fazer acordos bilaterais de forma independente com países fora da UE, não trouxe ainda as cifras esperadas em comércio.

O Reino Unido estava no bloco europeu, em maior ou menor grau, desde 1973 (embora tenha mantido sua moeda, a libra, em vez do euro). Os pedidos pela saída ora ou outra pipocavam, mas foram atendidos de vez em 2016 pelo premiê conservador, David Cameron, que realizou o referendo embora fosse, publicamente, contrário ao Brexit.

Cameron saiu derrotado do pleito, renunciando na sequência. Desde então, a política britânica nunca mais teria a mesma estabilidade. O Reino Unido teve pós-Cameron quatro primeiros-ministros, três deles só no ano passado: Theresa May (responsável por liderar a saída após a renúncia de Cameron, mas que caiu por críticas à lentidão do processo), Boris Johnson (que caiu em 2022 após polêmicas diversas), Liz Truss (que durou “menos que um alface” no cargo) e, agora, Rishi Sunak, no cargo desde outubro.

Manifestações pró-Brexit, em 2016: 51,9% dos eleitores britânicos votaram para sair da União Europeia (Jack Taylor/Getty Images)

O Partido Conservador, que seguiu no cargo ao longo da transição pós-Brexit, tem hoje chances altas de perder a próxima eleição geral para o Partido Trabalhista, à esquerda.

Quanto vale um monarca

Enquanto a novela na política britânica continua, questionamentos crescentes aparecem no outrora vasto império comandado por Londres. Charles chegou ao trono sendo o chefe de Estado de um número muito menor de países do que sua mãe, Elizabeth.

Por ora, Charles III é chefe de Estado de mais de uma dezena de localidades, todas membro do chamado Commonwealth e parte do antigo Império Britânico, embora hoje sejam independentes e com a posição sendo apenas simbólica. Os países ficam na Oceania (como a Austrália), América Central e América do Norte (caso do Canadá), além da Europa (caso do Reino Unido).

Nas últimas décadas, no entanto, uma série de países optou por deixar o status de reinos do Commonwealth. O caso mais recente é Barbados, na América Central, que se tornou uma república em 2021 após 400 anos sob a Coroa britânica. (Na ocasião, Barbados também nomeou a cantora Rihanna, nascida na ilha, como heroína nacional)

Dentro de casa, a Escócia — que votou majoritariamente contra o Brexit, mas foi ofuscada pela população maior da vizinha Inglaterra no resultado — segue ameaçando fazer um novo referendo para sair do Reino Unido e voltar à União Europeia.

Não bastassem as crises da monarquia, a idade é um desafio para o rei em sua busca por conquistar corações e mentes. Charles se tornou no ano passado o monarca mais velho a assumir o trono, aos 73 anos (hoje 74).

Elizabeth II virou rainha aos 25 anos, em 1952, após a morte precoce do pai, o rei George VI. Sua coroação, no ano seguinte, também quebrou protocolos e se adaptou aos novos tempos (sendo televisionada pela primeira vez). Os britânicos, menos de uma década após saírem vitoriosos da Segunda Guerra Mundial, viviam um monte de empolgação pela jovem rainha.

Já o apoio popular ao novo rei é ainda uma incógnita.

  • Uma pesquisa do YouGov mostrou que o apoio à monarquia é ainda alto, hoje de 58% da população;
  • A mesma sondagem mostrou que o rei Charles é menos popular (55% de aceitação) do que a mãe (80%) e membros como a irmã Anne e o filho William;
  • Pesquisa do Centro Nacional de Pesquisa Social apontou que só 29% da população disse que manter a monarquia é “muito importante”.

Príncipe William, Kate e filhos: família é esperança de modernização da Casa Windsor (AFP/AFP)

O risco é que, se a aceitação da população frente ao monarca for reduzida, a crise possa respingar na monarquia como um todo.

Muitos passam a questionar os luxos da monarquia em um país em turbulência política e econômica e que sofre com o custo de vida aumentando. A própria rainha Elizabeth, embora tenha falecido com a popularidade alta e como símbolo último de um país potência no mundo, foi duramente criticada quando parte de sua fortuna (estimada em ao menos 500 milhões de dólares) apareceu em um paraíso fiscal revelado nos Paradise Papers, em 2017.

O rei em espera

A imagem de Charles, que aguarda desde a juventude para ser rei, envolve muito menos carisma do que a jovem rainha Elizabeth coroada em 1953.

Embora o novo monarca seja um dos porta-vozes de causas ambientais (muito antes de este virar um tema importante para a elite mundial), algo que poderia apelar aos jovens, Charles ficou eternamente marcado pelos conflitos com uma adorada princesa Diana, morta tragicamente nos anos 1990, e a relação conturbada com a agora rainha consorte, Camilla. Juntou-se a isso os recentes embates com o filho mais novo, Harry, hoje morando nos EUA e que terá papel pouco ativo na cerimônia (sua esposa, Meghan, não comparecerá).

Outras partes da família não têm ajudado a melhorar a imagem da monarquia, como o envolvimento do príncipe Andrew, irmão do rei, em um escândalo sexual com o magnata Jeffrey Epstein.

Charles e irmãos e, atrás, William e Harry, no velório de Elizabeth II: rara imagem da família reunida desde a saída de Harry da monarquia (Chris Jackson/Getty Images)

Apesar da lista de dilemas, não há engano: milhões de turistas e britânicos lotarão as ruas de Londres e arredores para dar uma espiada na coroação neste sábado. Remotamente, a expectativa é que 300 milhões de pessoas, no mínimo, assistam ao evento — além da oportunidade de ver ao vivo uma cerimônia que não ocorria há 70 anos, a curiosidade pelos Windsor ganhou fôlego com a cultura pop e as produções audiovisuais nos últimos anos.

O quanto o rei Charles e o Palácio de Buckingham conseguirão manter essa aura, no entanto, está por ser provado.

A monarquia britânica sobreviveu a todas as revoluções e mudanças que levaram a maioria das Coroas europeias à quase extinção no século 20. A ver se conseguirão sobreviver ao risco da irrelevância.

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