Fogos de artifício disparados por manifestantes explodem perto da polícia em equipamento de choque disparando gás lacrimogêneo durante o quarto dia de protestos nacionais contra uma decisão do governo de arquivar as negociações de adesão à UE em Tbilisi na manhã de 2 de dezembro de 2024 (Giorgi ARJEVANIDZE/AFP)
Agência de notícias
Publicado em 2 de dezembro de 2024 às 12h23.
Última atualização em 2 de dezembro de 2024 às 12h35.
A polícia da Geórgia prendeu o proeminente líder da oposição Zurab Japaridze na manhã desta segunda-feira, depois de usar canhões de água e gás lacrimogêneo para dispersar dezenas de milhares de manifestantes que têm tomado as ruas do país desde a última quinta-feira. Os protestos tiveram início depois que o governo anunciou que suspenderia as negociações para adesão à União Europeia (UE) até 2028, algo que os Estados Unidos e o próprio bloco europeu classificaram como um “retrocesso democrático”.
Imagens mostraram Japaridze sendo colocado num veículo não identificado por policiais mascarados. Não está claro se ele será formalmente acusado de algum crime. A detenção do líder oposicionista ocorre no momento em que o primeiro-ministro do país, Irakli Kobakhidze, tem acusado a oposição de “violência coordenada” com o objetivo de derrubar a ordem constitucional. Ele também declarou que o governo recusaria todos os subsídios do bloco de 27 países, que geralmente somam dezenas de milhões de dólares anuais.
Críticos interpretaram a decisão como uma confirmação de um afastamento das políticas pró-Ocidente, influenciado pela Rússia, algo que o partido governista e Moscou negam. No domingo, porém, o ex-presidente russo Dmitry Medvedev (2008-2012) alertou que a Geórgia, país situado entre Europa e Ásia, está “avançando rapidamente no caminho ucraniano, rumo a um abismo sombrio”, acrescentando que “normalmente isso termina muito mal”.
Ao todo, segundo autoridades locais, 113 policiais ficaram feridos desde o início dos tumultos. Dezenas de manifestantes também ficaram feridos, e os EUA condenaram o que descreveram como o “uso excessivo de força policial”. A Associated Press relatou que seus jornalistas presenciaram policiais perseguindo e agredindo manifestantes, mas ainda não estava claro quantos haviam sido feridos. Pelo menos 224 pessoas foram detidas desde que os protestos começaram, segundo o Ministério do Interior.
Figura pró-UE, a presidente da Geórgia, Salome Zourabichvili, afirmou que muitos detidos sofreram ferimentos na cabeça e no rosto, incluindo ossos quebrados e cavidades oculares danificadas. “Mais uma noite impressionante de georgianos defendendo com firmeza sua Constituição e sua escolha europeia”, publicou ela no X nesta segunda. “A determinação nas ruas não mostra sinais de que irá parar!”.
Quatro embaixadores georgianos já renunciaram, e centenas de diplomatas e servidores públicos assinaram cartas abertas protestando contra a decisão de suspender as negociações com a União Europeia e interromper o recebimento de fundos do bloco pelos próximos quatro anos. Nesta segunda-feira, a Alemanha também declarou que continua apoiando a candidatura da Geórgia à UE, afirmando que as pessoas que estão protestando “ainda desejam um futuro” no bloco europeu.
A Geórgia tem enfrentado uma crise política desde a polêmica vitória do partido Sonho Georgiano nas eleições parlamentares de outubro. A sigla governista tem aproximado o país da Rússia e da China, e a oposição, que considera as eleições fraudulentas, busca laços mais estreitos com o Ocidente, publicou o The Guardian. Zourabichvili afirmou que não deixará o cargo no final do mês, quando termina seu mandato, e que as eleições, que não foram reconhecidas pela UE, devem ser refeitas.
O porta-voz do presidente russo, Dmitry Peskov, afirmou nesta segunda-feira que a Rússia vê paralelos entre os eventos na Geórgia e os de 2013 e 2014 na Ucrânia, quando protestos foram desencadeados pela decisão do então presidente pró-Rússia de não assinar um acordo de associação com a UE. Peskov negou interferência russa na Geórgia, mas sugeriu que outros estariam tentando “desestabilizar a situação”.
"Todos os sinais apontam para uma tentativa de realizar uma Revolução Laranja", afirmou, referindo-se aos protestos na Ucrânia após uma eleição contestada em 2004-2005.
Kobakhidze negou que a integração europeia da Geórgia tenha sido interrompida, afirmando que o governo rejeitou apenas o que chamou de “chantagem vergonhosa e ofensiva”, que, segundo ele, era um obstáculo significativo à integração do país. O anúncio da suspensão do processo de adesão à UE veio após o Parlamento Europeu criticar as eleições de outubro na Geórgia, afirmando que elas não foram livres e justas.
As tensões na Geórgia vêm aumentando há meses, à medida que o partido governista aprova leis sobre “agentes estrangeiros” e restrições aos direitos LGBTQ+. O Sonho Georgiano alega que está defendendo a soberania do país contra interferências externas e evitando que o Ocidente arraste a Geórgia para uma guerra com a Rússia. O primeiro-ministro disse que Zourabichvili está reagindo emocionalmente à derrota eleitoral da oposição e terá que deixar a Presidência no fim do mês. Ela, contudo, indicou que permanecerá até que outro presidente seja escolhido por um parlamento “legítimo”.
A Constituição do país estipula que o governo deve “tomar todas as medidas” para “assegurar a plena integração” na União Europeia e na Otan. Embora os poderes oficiais do presidente do país sejam em grande parte cerimoniais, Zourabichvili tornou-se uma apoiadora vocal da oposição e acusou o governo de cometer um “golpe constitucional”. Segundo ela, universidades e escolas “expressam solidariedade com os manifestantes em todas as partes” do país, e greves em instituições de ensino e empresas foram registradas nesta segunda.
A Geórgia, às margens do Mar Negro, está muito marcada pela invasão russa em uma breve guerra em 2008 e pela ameaça de uma nova ofensiva, como a da Ucrânia. A ex-república soviética obteve o status de país candidato a integrar a UE em dezembro de 2023, mas o processo foi congelado por Bruxelas, que acusa o Executivo georgiano de adotar medidas que prejudicam a democracia.