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Há risco de guerra entre Guiana e Venezuela? Entenda o que pode acontecer

Governo de Nicolás Maduro quer se apossar de território que equivale à metade do país vizinho

Nicolás Maduro, presidente da Venezuela, em seu programa de TV, "Con Maduro+" (Nicolás Maduro no X)

Nicolás Maduro, presidente da Venezuela, em seu programa de TV, "Con Maduro+" (Nicolás Maduro no X)

Rafael Balago
Rafael Balago

Repórter de macroeconomia

Publicado em 4 de abril de 2024 às 11h14.

O governo do presidente Nicolás Maduro deu mais um passo em seu plano para anexar metade da Guiana. Na quarta, 3, promulgou uma lei para formalizar o território do país vizinho como um novo estado da Venezuela.

A medida não tem validade legal fora da Venezuela, mas pode aumentar o nível de tensão entre os dois países. Os dois governos fizeram um acordo em dezembro, no qual se comprometeram a não usar a força e aguardar uma definição de órgãos internacionais, ainda sem data para ocorrer. Veja a seguir as principais perguntas e respostas sobre a situação.

Como começou a crise entre Venezuela e Guiana?

A disputa pela área vem desde o século 19. Em 1831, o Reino Unido estabeceleu uma colônia onde hoje é o território da Guiana, que se tornou independente em 1966. O novo país manteve o controle sobre a área, que representa mais da metade de seu território.

A Guiana se atém ao Laudo Arbitral de Paris, de 1899, no qual foram estabelecidas as fronteiras atuais. Do outro, a Venezuela se apoia em sua interpretação do Acordo de Genebra, firmado em 1966 com o Reino Unido, antes da independência guianesa, em que Londres e Caracas concordam em estabelecer uma comissão mista "para buscar uma solução satisfatória", já que o governo venezuelano considerou o laudo de 1899 "nulo e vazio".

Porque Maduro quer invadir a Guiana?

A briga ganhou novos capítulos após descoberta, em 2015, de grandes reservas de petróleo na região. A Guiana iniciou licitações para explorar campos petrolíferos em águas rasas e profundas em 2022, o que Caracas rejeitou, considerando-as ilegais.

Em 2023, a crise escalou. Maduro organizou um referendo consultivo em 3 de dezembro sobre a anexação do território, aprovado por mais de 95% da população. O "sim" apoiava a criação na região de uma província venezuelana, a "Guiana Essequiba", e a concessão da nacionalidade a seus habitantes.

Em seguida, o governo Maduro começou a promulgar decretos e normas para se apossar de Essequibo, como abrir um escritório do serviço de identificação e migração (Saime), em Tumeremo, na fronteira com Essequibo.

O governo também passou a divulgar novos mapas da Venezuela, que incluem a área em disputa, como sendo oficiais, e fez vários eventos para defender a anexação de Essequibo.

O que aconteceu agora entre Venezuela e Guiana?

Em 3 de abril, Maduro promulgou a Lei Orgânica para a Defesa de Essequibo, que regulamenta a fundação de um novo estado, a Guiana Essequiba, e o impedimento de que apoiadores da posição do governo da Guiana ocupem cargos públicos ou eletivos.

As leis promulgadas por Maduro tem valor legal?

Dentro da Venezuela, sim. Fora dela, não. Tratados internacionais protegem a soberania dos países sobre seus territórios. Assim, não basta um país dizer que tem direito a parte de outro. Em caso de disputas territoriais, é preciso buscar algum tipo de acordo ou buscar arbitragem de entidades internacionais.

Como Maduro poderia se apropriar de Essequibo?

Há três caminhos:

1. Uma invasão militar

Forças da Venezuela poderiam tomar à força o território da Guiana, o que iniciaria uma guerra. No entanto, a Guiana tem parcerias militares com Estados Unidos, Reino Unido e outros países, o que reduziria as chances de sucesso da Venezuela. Além disso, a Venezuela teria de passar pelo território brasileiro para fazer uma invasão por terra, e o Brasil já disse que não toleraria isso.

2. Um acordo internacional

A Venezuela pleiteia na ONU o direito ao território do Essequibo. O caso está sob análise há anos na CIJ (Corte Internacional de Justiça), sem previsão de resolução. Não há indicativos de que a Venezuela tenha chance de uma decisão favorável, pois o Essequibo está sob controle da Guiana há décadas.

3. Convencer a Guiana a ceder o território

Algo assim tampouco é provável. O governo da Guiana tem deixado claro que não cederá o território, embora tenha aceitado dialogar sobre o tema para encontrar uma saída pacífica.

Quais devem ser os próximos passos da disputa?

Maduro não deu uma data precisa para avançar com o plano de anexação. Um dos decretos de Maduro, assinado em dezembro, previa que isso poderia ser feito até 2030.

Também em dezembro, Venezuela e Guiana fizeram um acordo, no qual se comprometeram a não usar a força e que a controvérsia deveria ser resolvida com intermediação de órgãos internacionais.

Qual o risco de uma guerra entre Venezuela e Guiana?

É difícil estimar. Por um lado, Maduro tem comportamento considerado imprevisível e poderia começar um conflito, embora possa ter grandes perdas com uma guerra.

A Venezuela vive uma forte crise econômica há cerca de dez anos, e teria dificuldade para custear uma guerra de longo prazo sem ajuda externa. Nenhuma grande potência sinalizou apoio público à ideia de anexação.

Além disso, com a chance de que os EUA ajudem a Guiana a se defender, a Venezuela teria de enfrentar tecnologias militares de ponta.

A invasão de um país vizinho esgarçaria ainda mais as relações da Venezuela com os países vizinhos, como o Brasil, e com o mundo. O país poderia ser alvo de mais sanções econômicas, o que traria dificuldades adicionais para vender o petróleo que produz e as riquezas que poderia obter ao invadir a Guiana.

A Venezuela tem força militar para invadir a Guiana?

Sim. Enquanto as forças venezuelanas estão entre as mais bem equipadas da América do Sul, as guianenses têm um pequeno efetivo. A Venezuela é o sexto país que mais investe na área militar no mundo, enquanto a Guiana está apenas na 152ª posição, segundo o The World Factbook, da CIA, a agência de inteligência americana.

As Forças Armadas Nacionais Bolivarianas têm um efetivo aproximado de 125 mil a 150 mil militares na ativa, e 8 mil reservistas, segundo dados da Agência de Inteligência Americana (CIA). Porém, além do Exército, da Marinha e Força Aérea, as Fanb também contam com mais três braços especiais, incluindo a Milícia Nacional Bolivariana e a Guarda Nacional (GNB).

Incorporada como um "componente especial" às Fanb em 2020, a Milícia Bolivariana consiste em cerca de 225 mil civis armados que recebem treinamento periódico em troca de pagamento.

No entanto, a Guiana pode receber ajuda externa em caso de invasão, especialmente dos Estados Unidos. Empresas americanas exploram petróleo na região. A Casa Branca já sinalizou que ajudaria a Guiana a se defender, e anunciou exercícios militares na região, como forma de sinalizar que está presente.

Como a Venezuela poderia invadir a Guiana?

Para invadir por terra, forças da Venezuela teriam de necessariamente passar pelo território brasileiro. A fronteira entre Venezuela e Guiana é predominantemente formada por selva, o que impede o deslocamento de colunas de viaturas blindadas e dificulta o deslocamento de tropas a pé, assim como o envio dos suprimentos necessários à manutenção das tropas em combate. Por outro lado, na fronteira com Roraima, a vegetação de campos gerais é adequada ao movimento das tropas. Uma manobra como essa evidentemente não seria permitida pelo Brasil.

Com AFP e Agência O Globo.

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