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Estudantes unidos contra armas: o novo problema de Trump

Depois do assassinato em massa na escola da Flórida, no dia 14 de fevereiro, os jovens tornaram-se a face da nova onda de mobilização nacional

Armas: os Estados Unidos têm a maior taxa de homicídios com armas de fogo entre os países desenvolvidos (Leah Millis/Reuters)

Armas: os Estados Unidos têm a maior taxa de homicídios com armas de fogo entre os países desenvolvidos (Leah Millis/Reuters)

CR

Carolina Riveira

Publicado em 26 de março de 2018 às 13h12.

Última atualização em 21 de fevereiro de 2020 às 23h49.

Nova York - Enquanto o presidente americano, Donald Trump, dava novos passos em sua guerra comercial com a China, Tali Natter, 16 anos, se debruçava sobre uma cartolina.

Em Nova York, a 328 km da Casa Branca, a estudante passou a tarde da última quinta-feira 22 desenhando com canetas coloridas os dizeres “books, not bullets” (“livros, não balas”), ao lado de colegas da La Guardia High School, escola de ensino médio em Manhattan.

Natter e outros grupos de secundaristas em todo o país lideraram a organização da passeata March For Our Lives (“marcha por nossas vidas”, em tradução livre), que levou mais de um milhão de pessoas às ruas dos Estados Unidos na manhã deste sábado, pouco mais de um mês após o assassinato em massa que vitimou 17 pessoas em uma escola na Flórida.

Os jovens tornaram-se a face da nova onda de mobilização nacional, que explodiu no último dia 14 de fevereiro, quando Nikolaz Cruz, 19 anos, adentrou os portões da Stoneman Douglas High School, colégio de onde fora expulso anos antes.

De posse de um rifle AR-15, fez 17 vítimas, a maioria alunos de 14 a 17 anos. Descrito como solitário e fascinado por armas, Cruz está preso desde então, podendo ser condenado à pena de morte.

O centro dos protestos deste sábado foi a capital, Washington, onde mais de 500.000 pessoas participaram do ato, pedindo um controle mais rigoroso da comercialização de armas nos Estados Unidos. A marcha também teve edições simultâneas em mais de 800 cidades, nos Estados Unidos e no exterior — em São Paulo, um pequeno ato foi organizado por imigrantes americanos em frente ao consulado do país.

Em Nova York, onde vídeos de Tali Natter e dos colegas convocando os nova yorkinos para a marcha circularam nas redes sociais durante a semana, mais de 100.000 pessoas se reuniram nos arredores do Central Park, na região central da cidade. Estudantes, professores e famílias tomaram as ruas carregando placas e cartazes com frases a favor de maior regulação e gritando o slogan #NeverAgain — “nunca mais”.

“Só porque somos jovens, não significa que não podemos promover mudanças”, disse Natter a EXAME.

Passado sangrento

Massacres como o da Flórida não são novidade na história americana. Um dos primeiros casos do tipo aconteceu na Columbine High School, em 1999. Desde então, cerca de 187.000 alunos já foram expostos à violência armada nas escolas.

“É um absurdo que 20 anos depois de Columbine ainda tenhamos que discutir sobre armas nas escolas”, diz Lynda Barth, presente na manifestação em Nova York. Ela decidiu trazer consigo o filho, Leo, 5 anos. “Ele já é afetado por essa discussão na escola. E quando se teme alguma coisa, o melhor a fazer é falar sobre isso”, diz.

Os Estados Unidos têm a maior taxa de homicídios com armas de fogo entre os países desenvolvidos, segundo a Organização Mundial da Saúde. Já foram pelo menos 17 tiroteios com ferimentos ou mortes só em 2018 — uma média de um caso por semana.

Os manifestantes pedem mudanças na legislação americana, uma das mais permissivas do mundo para o porte de armas graças à segunda Emenda da Constituição, que assegura que “o direito do povo de possuir e usar armas não poderá ser infringido”.

Em média, há mais de uma para cada adulto nos Estados Unidos, segundo uma estimativa de 2016 das universidades Harvard e Northwestern. Cidadãos americanos podem comprar uma arma já aos 18 anos, antes mesmo de terem autorização para consumir bebidas alcoólicas, o que é permitido somente aos 21.

As exigências variam de estado para estado. A maioria têm legislações armamentícias bastante brandas. Como a própria Flórida, onde as leis permitiram que Nikolas Cruz comprasse o rifle que usou contra suas vítimas. Apenas oito estados, como Nova York e Califórnia, têm regras mais restritivas à comercialização de armamentos.

A estudante Katy Tanzer, 15 anos, carregava neste sábado uma placa que dizia que “a Segunda Emenda foi criada quando mulheres não podiam votar e as pessoas tinham escravos. Ela não é mais relevante”. “A nossa própria escola já recebeu uma ameaça de tiroteio”, diz. “Eu sei que leis são difíceis de mudar. Mas elas já mudaram antes e podemos conseguir de novo.”

A estudante Katy Tanzer, 15 anos: manifestação contra uma lei dos tempos da escravidão (Carol Oliveira/Exame)

Um movimento como nunca antes?

O principal objetivo dos protestos é pressionar o Congresso a passar uma lei federal, válida em todos os estados, que restrinja a comercialização de armas, com procedimentos de checagem de antecedentes e aumento da idade mínima permitida para o porte.

A ideia volta à tona a cada nova tragédia, mas enfrenta resistência do Partido Republicano e de lobistas pró-armas, como a NRA, associação nacional de rifles e uma das maiores financiadores de campanhas políticas do país.

Dessa vez, contudo, muitos acreditam que há um clima diferente. E grande parte disso talvez se deva à intensa participação dos secundaristas, com grande apelo na opinião pública.O movimento começou com os próprios alunos sobreviventes na Flórida. Após verem os colegas serem brutalmente assassinados, os estudantes de Parkland foram à TV e aos jornais. Desde então, centenas de protestos estudantis já pipocaram pelo país.

Segurando um cartaz com os dizeres “parem a matança”, David Ford diz que, ao longo de seus 70 anos, é a “primeira vez que vê uma mobilização como essa”. “É muito difícil fazer o outro lado nos escutar, mas espero que consigamos manter essa pressão”, diz.

Além da March For Our Lives, um dos atos mais emblemáticos aconteceu na última quarta-feira 14, quando alunos de mais de 300 escolas deixaram suas salas de aula simultaneamente, por exatos 17 minutos — um minuto para cada uma das vítimas na Flórida. O ato foi organizado pela ala jovem da Women’s March, grupo responsável pela gigantesca manifestação de mesmo nome (“marcha das mulheres”, em português) que levou mais de um milhão de pessoas às ruas pelos direitos das mulheres e das minorias no ano passado, um dia após a posse de Donald Trump.

O senador Bernie Sanders, pré-candidato democrata à Presidência em 2016, afirmou que “os jovens estão liderando a nação”. Em seu Twitter, o ex-presidente Barack Obama seguiu a mesma linha: “Os jovens ajudaram a liderar todos os nossos grandes movimentos. O quão inspirador é ver isso de novo em tantos estudantes inteligentes e destemidos lutando por seu direito de estarem seguros”, escreveu. Os jovens também ganharam o apoio de nomes como a apresentadora Oprah Winfrey, entre diversas outras personalidades do meio artístico.

Aos 23 anos, Julia Ghahramani, aluna de Direito da Universidade Columbia, é provavelmente uma das mais velhas na organização da marcha. “É incrível o que essas crianças estão fazendo”, disse a EXAME, enquanto parava para uma entrevista em meio aos intensos preparativos às vésperas da manifestação. “Eles estão no meio das provas na escola, recebendo mensagens horríveis na internet. E, mesmo assim, estão trabalhando incansavelmente, ficando acordados até tarde, várias horas por dia”, conta.

O movimento dos estudantes americanos lembra as ocupações nas escolas de São Paulo em 2015, logo após o governador Geraldo Alckmin anunciar que fecharia algumas unidades da rede estadual. No fim, os alunos foram vitoriosos: ganharam a simpatia de setores da sociedade e fizeram Alckmin e a Secretaria de Educação paulista voltarem atrás na decisão.

Nos Estados Unidos, críticos do movimento afirmam que os secundaristas estão sendo usados como marionetes por ativistas de esquerda e pelos democratas. Os estudantes afirmam que o movimento é apartidário. “Segurança nas escolas não é uma questão política. Não pode haver dois lados”, escreveram os organizadores no evento oficial da March For Our Lives no Facebook.

O que é possível mudar

Mesmo entre os donos de armas, 78% diz ser a favor de uma verificação de antecedentes nacional, segundo pesquisa da Universidade Monmouth feita após o massacre da Flórida. Uma pesquisa da rede CNN conduzida pelo instituto SSRS, também em março, mostra que 70% dos americanos apoiam leis mais severas para comercialização de armas: 87% é a favor de proibir a compra por pessoas com antecedentes criminais ou problemas de saúde mental, 71% são a favor do aumento da idade mínima para compra e 63% querem a proibição da comercialização de armas de alta capacidade.

Pressionado, o presidente Donald Trump, apesar de contrário à regulação, pediu ao Congresso que trabalhe em uma lei bipartidária sobre o tema. Mas o professor James Jacobs, especialista em controle de armas em sociedades democráticas na New York University, lembra que uma tentativa como essa já falhou depois de um massacre em 2012. “Na época, os democratas controlavam o Congresso e tinham Obama na presidência, e nem assim conseguiram passar uma lei. Quem dirá agora”, afirma.

Uma via mais fácil seriam mudanças nas leis dos estados. Ainda assim, Jacobs argumenta que locais onde a população é mais favorável ao controle de armas já possuem essas restrições na lei.

Outro objetivo do movimento é levar a pauta da violência armada para as eleições legislativas, que acontecem em novembro. Na marcha deste sábado, os organizadores ofereciam ajuda para que os manifestantes se registrassem para votar. “É a única ameaça que eles entendem”, diz Marc Haeringer, 39 anos, que foi ao protesto segurando uma placa com os dizeres “eu votarei”.

O historiador Maurice Isserman, especialista nas manifestações pelos direitos civis na década de 1960, lembra que a participação dos jovens nas vias democráticas já levou a grandes transformações nos Estados Unidos. “Nada impede que, em breve, eles também se mobilizem por outros temas”, diz o professor.

Mas apesar da comoção gerada pelo #NeverAgain, Trevor Burrus, do think tank libertário Cato Institute, não acredita que o tema vá ter um grande impacto. “Estados que já são contra restrições dificilmente vão mudar de opinião”, diz. “Além disso, as eleições serão mais locais, e há outros assuntos mais importantes para cada região.”

Natter, a jovem ativista de Nova York, discorda. “Em poucos anos, somos nós que vamos votar. E podemos tirar essas pessoas do poder”, diz a menina.

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