Mundo

Ano mais letal em décadas: 2022 registra mais de 230 mil mortes em conflitos pelo mundo

Dados apontam que o ano foi o segundo mais mortal desde 1994, com a Etiópia liderando a lista de violência organizada

Conflitos de 2022 resultam em mais de 230 mil mortes, Etiópia lidera o ranking de violência (AFP/Reprodução)

Conflitos de 2022 resultam em mais de 230 mil mortes, Etiópia lidera o ranking de violência (AFP/Reprodução)

Estadão Conteúdo
Estadão Conteúdo

Agência de notícias

Publicado em 21 de julho de 2023 às 18h37.

Com mais de 230 mil mortes em conflitos, 2022 foi o ano mais letal das últimas três décadas, atrás apenas de 1994, ano do genocídio de Ruanda. Embora a guerra na Ucrânia seja responsável por mais de 80 mil mortes, ela não foi a mais mortífera. Quem lidera o ranking é a Etiópia, segundo o Programa de Dados de Conflitos da Universidade de Uppsala, na Suécia.

Até o dia 14 de julho, foram registradas 238 mil mortes em violência organizada em 2022, termo utilizado para definir guerras entre países, atores não estatais e violência contra civis. A violência promovida por Estados foi responsável por 205 mil mortes, com Etiópia e Ucrânia acumulando 75% do total.

"Poucas guerras concentram a maioria das baixas porque são conflitos envolvendo grandes Estados e grandes Exércitos", disse ao Estadão Magnus Öberg, professor do programa da Universidade de Uppsala. "Ainda que haja guerras civis, como na Etiópia, os mais comuns são conflitos envolvendo Estados."

Embora não seja a primeira na lista de letalidade, a guerra na Ucrânia contribui para um aumento da percepção de um mundo mais inseguro por ser o primeiro conflito envolvendo diretamente dois países centrais desde a Guerra Fria. Além disso, ela serviu para jogar uma lupa em cima de batalhas cada vez mais sangrentas e com tecnologias que contribuem para um maior número de baixas militares e civis.

"A guerra na Ucrânia quebrou uma série de tabus, incluindo um conhecido como o 'tabu da água', que impede que a água seja utilizada como arma de guerra, e dita que não se pode explodir represas. Atores em guerras, desde a 2ª Guerra, se abstiveram de explodir represas", lembra Öberg.

Etiópia

O último impulso no número de mortes foi dado pela Etiópia, que é palco de uma guerra sangrenta desde 2020 entre o governo e os rebeldes da Frente de Libertação do Povo Tigré (TPLF). Ano passado, foram mais de 100 mil mortes no conflito, marcado por denúncias de crimes de guerra.

Para contabilizar as mortes em conflitos no mundo, os pesquisadores coletam registros de cada batalha travada em que tenha ocorrido ao menos uma fatalidade. Também são consultados relatórios de ONGs, de instituições como ONU, comissões da verdade e perfis de mídia social especializados na cobertura de conflitos. O resultado é um gigantesco banco de dados de cada evento.

Segundo o centro de estudos sueco, não apenas mais pessoas estão morrendo em combates, mas mais conflitos estão sendo travados. Em 2022, os pesquisadores registraram 55 choques entre países. Embora a maioria deles seja considerada batalhas menores, ao menos oito se enquadram na definição de guerras, em que há ao menos mil mortes em um ano. Em 2021, eram cinco conflitos.

Os motivos para o aumento são vários, explica Christopher Mendonça, professor de relações internacionais do Ibmec-BH, desde disputas territoriais a conflitos por identidade, até o colapso de Estados. Mas a globalização e o intenso trânsito de armas mais leves, baratas e tecnológicas facilitaram esse salto.

"Exceto a Oceania, não existe nenhuma região no mundo que não tenha pelo menos um foco de conflito com alto índice de mortes, porque ampliamos a nossa capacidade de comunicação e de trânsito de armas", disse.

Síria

Além de Ucrânia e Etiópia, entram na lista de conflitos sangrentos a guerra civil da Síria, que já se arrasta há mais de dez anos; do Iêmen, onde Arábia Saudita e Irã travam uma guerra de procuração desde 2014.

Apesar de os conflitos entre Estados corresponderem a 86% da violência de 2022, o tipo mais comum é o conflito não estatal, geralmente envolvendo dois grupos criminosos. Nessa categoria foram registrados cerca de 82 no ano passado, causando 21,5 mil mortes.

Esse tipo de combate é mais comum no norte da África e na América Latina, afetada pelo narcotráfico. Por isso, o Brasil costuma aparecer no ranking por causa de grupos como PCC (Primeiro Comando da Capital) e CV (Comando Vermelho).

O México lidera este tipo de violência, acompanhado por El Salvador, Honduras e Colômbia. "A gente observa que esse tipo de violência aumentou porque os mercados da droga aumentaram no mundo", explica Mendonça.

Por fim, há a violência unilateral, em que um governo ou grupo criminoso ataca civis não armados. Sua predominância é maior no Oriente Médio, onde o Estado Islâmico lidera as fatalidades. Em 2022, foram 11,9 mil baixas nesta categoria.

Custo econômico

As guerras também trazem um alto custo econômico, e a Ucrânia é o maior exemplo. O mundo inteiro sentiu quando um comércio que ainda se recuperava da pandemia foi abalado pela disparada do petróleo e da retenção de grãos nos portos ucranianos.

As sanções de EUA e Europa causaram uma disparada nos custos de energia. O preço do barril de petróleo chegou ao patamar mais alto desde a crise de 2008, puxando a inflação.

Apesar da pressão sobre a Rússia, a guerra se arrasta há mais de 500 dias e manter o conflito tem um preço alto. No ano passado, o custo da violência foi equivalente a 63% do PIB da Ucrânia, 46% do PIB do Afeganistão e 39% do PIB do Sudão, segundo o Instituto para Economia e Paz.

Com um impacto econômico tão grande, a tendência é de um mundo ainda mais conflituoso, ressalta Öberg. "Teremos momentos difíceis pela frente. São momentos em que precisamos encontrar soluções pacíficas."

Acompanhe tudo sobre:EtiópiaGuerrasUcrâniaRússia

Mais de Mundo

ONU adverte que o perigo da fome “é real” na Faixa de Gaza

Agência da ONU pede investigação de abusos após cessar-fogo no Líbano

Parlamento britânico debate proposta de lei de morte assistida

Acordo Mercosul-UE não sairá porque camponeses franceses 'não querem', diz Mujica