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Análise | Portugal: cravos que trouxeram 50 anos de desenvolvimento

O Brasil tem a auspiciosa possibilidade de aproveitar o renascimento de Portugal, como um hub cultural e de inovação global; Casa Brasil pode ser marco na aproximação

Publicado em 25 de abril de 2024 às 08h01.

Há exatamente um ano, no dia 24 de abril, no Palácio de Queluz, perto de Lisboa, tive o privilégio de testemunhar a entrega do Prêmio Camões a Chico Buarque, um momento de comunhão de afetos entre os dois países. O novo presidente do Brasil, Lula, e o presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, finalmente fizeram a esperada entrega, que vinha sendo adiada durante toda a Presidência brasileira anterior. 

A cerimônia foi capitaneada conjuntamente por dois presidentes, que, não partilhando o mesmo espectro ideológico, mesmo assim, partilham o campo democrático. Da mesma forma que os seus partidos, o PSD (Portugal) e o PT (Brasil), que hoje governam Portugal e Brasil. Um sopro de civilidade em tempos difíceis aqui e aí. O evento foi também uma retomada de nossa relação com a Europa, e especialmente com Portugal, nossa porta de entrada para o continente e suas oportunidades.

Ao revisitar o passado para aprender com ele, “regressamos” até 1973, ano em que Chico Buarque lançou a música "Fado Tropical". Um ano antes, portanto, da Revolução dos Cravos, que hoje completa 50 anos. Nela, fazia uma crítica social ao momento em que se encontrava o Brasil, que tinha entrado então na fase mais aguda da sua Ditadura; e Portugal, que já estava há décadas sob o regime de Salazar. Éramos duas nações irmãs, vivendo sob regimes de exceção, e era o mesmo Chico Buarque, usando o brilhantismo da sua arte como ponte de afeto entre os dois países:

“Ai, esta terra ainda vai cumprir o seu ideal.

Ainda vai tornar-se o imenso Portugal.

Ai, esta terra ainda vai cumprir o seu ideal.

Ainda vai tornar-se um imenso Portugal.

Ai, esta terra ainda vai cumprir o seu ideal.

Ainda vai tornar-se o Império Colonial.”

Quis o destino que um ano depois da música de Chico ser lançada, Portugal saísse da ditadura com a Revolução dos Cravos, em 25 de abril de 1974, e o que era uma crítica tornou-se um sopro de esperança pelos que defendiam a Democracia: o Brasil precisava sair da sua Ditadura e virar um "imenso Portugal". E, assim, Portugal serviu de inspiração e exemplo para o Brasil, mas o caminho foi longo e penoso: só tivemos eleições livres para presidente em 1989, com a promulgação da já citada Constituição Cidadã.

Passados 50 anos, o Brasil tem a auspiciosa possibilidade de aproveitar o renascimento de Portugal, como um hub cultural e de inovação global, por meio do desenvolvimento de um ecossistema econômico que ganhou força principalmente com o Web Summit. Uma transformação que apenas o ambiente democrático poderia permitir.

A democracia fez Portugal mais rico, mais justo e mais competitivo. É inegável que existem muitos desafios, mas a melhoria de todos os indicadores sociais precisa ser registrada e celebrada como conquista da Democracia.

Em um debate, nessa segunda de 22 de abril, com o veterano jornalista da Associated Press Dennis Redmont, que veio para Portugal em 1965, perguntei como era o país sob Salazar e ele respondeu rapidamente: "triste". Beijos públicos eram proibidos, e para as mulheres só era socialmente aceitável trabalhar como enfermeiras ou professoras. Entretanto, tinham que pedir permissão ao Estado para casar se escolhessem a carreira. Os jovens iam beber Coca-Cola na Espanha. É claro que, nesse ambiente, a inovação nem sonharia em florescer. 

Hoje, livre das suas respectivas ditaduras, juntos, os dois países podem aproveitar melhor esse momento em que o tabuleiro global de forças abriu uma janela de reorganização: o Brasil é um dos países do sul global com melhor capacidade de passar a sentar no restrito clube das potências globais. Já Portugal tem uma posição geopolítica privilegiada como membro do mercado comum europeu e pelos laços históricos com a África.

A oportunidade de Portugal não está no tamanho da sua economia, mas nos acessos que ela permite: o Brasil precisa aproveitar melhor isso.

Certamente esse será um dos temas centrais do jantar oferecido hoje, pelo Embaixador de Portugal no Brasil, ao Presidente Lula para celebrar o 25 de abril: torcemos para que a prometida abertura da Casa Brasil, que reúne APEXBrasil, Embratur e SEBRAE em Lisboa, se concretize com brevidade.

Que venham os próximos 50 anos de democracia aqui e aí!

Paulo Dalla Nora Macedo é economista e especialista em relações governamentais morando em Lisboa desde 2022

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