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Em meio à regulamentação, patrocínios das bets no futebol já passam de R$ 630 milhões

Casas de apostas patrocinam 19 dos 20 clubes da Série A, e expansão do setor no futebol suscita debates em torno da regulação da publicidade

Corinthians: novo contrato de patrocínio com a Esportes da Sorte adiciona R$ 103 milhões anuais ao clube (Redes Sociais/Reprodução)

Corinthians: novo contrato de patrocínio com a Esportes da Sorte adiciona R$ 103 milhões anuais ao clube (Redes Sociais/Reprodução)

Juliana Pio
Juliana Pio

Editora-assistente de Marketing e Projetos Especiais

Publicado em 1 de outubro de 2024 às 13h04.

Última atualização em 1 de outubro de 2024 às 15h06.

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Em placas nos estádios, uniformes dos jogadores, eventos ou intervalos dos jogos, as chamadas bets estão por toda parte no futebol, e já investem em 19 dos 20 times da Série A, fora o nome da competição, que este ano mudou para Brasileirão Betano 2024 — fato que tem chamado a atenção de autoridades, como o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em meio às discussões sobre a regulamentação do setor.

Para Haddad, que se reuniu nesta terça-feira, 1º, com representantes de entidades reguladoras de publicidade, como o Conar, o cenário exige o mesmo rigor aplicado à publicidade de cigarros e bebidas alcoólicas — uma postura que contrasta com a estratégia adotada pelas casas de apostas no futebol. "É urgente tomar providências para evitar o assédio televisivo", disse o ministro nesta manhã.

Somados, os valores dos patrocínios das casas de apostas nos 19 clubes já ultrapassam R$ 630 milhões. O montante representa uma estimativa feita pela EXAME, com base em informações publicadas, uma vez que muitos contratos são confidenciais e podem ter sofrido reajustes ao longo do tempo. O número representa um aumento de 89% em comparação com o início da edição do ano passado, quando as cifras eram superiores a R$ 333 milhões.

O crescimento das bets na Série A é impulsionado, entre outros fatores, por novos contratos, como o do Corinthians, que recentemente fechou com a Esportes da Sorte, substituindo a Vai de Bet. O acordo de três anos adiciona R$ 103 milhões anuais aos cofres do clube. Em maio, o Vasco da Gama também firmou parceria de R$ 115 milhões com a Betfair, válido até o fim de 2025. Já o Flamengo se aliou à Pixbet, com um contrato avaliado em R$ 85 milhões.

Entre as casas de apostas patrocinadoras das equipes da Série A, há ao menos 12 empresas. Dos 20 clubes da primeira divisão, apenas o Cuiabá não possui parcerias com as bets.

A alta expressiva dos valores investidos também reflete o crescimento de contratos envolvendo a principal propriedade do uniforme. Este ano, o número de patrocínios máster de sites de apostas aumentou entre os clubes da Série A, com 15 das 20 equipes cedendo o espaço mais nobre da camisa às empresas do setor. No início da última edição do Brasileirão, havia 12 times.

Os clubes de maior faturamento também registraram crescimento nos contratos de patrocínio com casas de apostas. Este ano, a Superbet, por exemplo, firmou acordos para ocupar o espaço máster no uniforme de São Paulo e Fluminense. Os tricolores paulista e carioca passarão a receber R$ 52 milhões anuais cada com os novos vínculos.

“O futebol já passou por fases em que patrocinadores de um mesmo setor dominaram as camisas de diversos clubes, como a era Coca-Cola, BMG, Caixa, bancos digitais e, mais recentemente, das bets”, diz Ivan Martinho, professor de marketing esportivo da ESPM.

Na visão do especialista, no momento, não há um setor que apareça como substituto imediato capaz de realizar um investimento conjunto tão grande na modalidade. “Se as bets forem forçadas a deixar o mercado, novos patrocinadores surgirão, embora os valores possam ser diferentes”, acredita.

No entanto, há quem argumente que os números estão inflacionados. "As casas de apostas pagam valores muito superiores ao que realmente valem os patrocínios. Um exemplo disso é o caso recente da Esportes da Sorte, que culminou na prisão de seus CEOs pela polícia federal após investigação sobre suposta lavagem de dinheiro", diz Amir Somoggi, consultor de marketing esportivo da Sports Value.

Expansão levanta discussões sobre regulação

Além dos contratos de patrocínio com clubes, as plataformas de apostas estão diversificando suas estratégias de marketing. A Casa de Apostas, por exemplo, anunciou no final de 2023 a aquisição dos naming rights da Arena Fonte Nova, em Salvador, e, em maio deste ano, da Arena das Dunas, em Natal. O contrato com o estádio na Bahia, com duração de quatro temporadas, pode alcançar até R$ 52 milhões. No Rio Grande do Norte, o acordo prevê R$ 6 milhões por um período de cinco anos.

A expansão da publicidade de bets, contudo, tem levantado discussões sobre poluição visual e o impacto social e econômico dos jogos de apostas online. Conforme mostrado pelo Banco Central, em agosto deste ano, 5 milhões de pessoas de famílias beneficiárias do Bolsa Família enviaram R$ 3 bilhões via Pix a plataformas de apostas. Há expectativa de que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tome medidas para regulamentar a exibição de anúncios das apostas e possivelmente proíba publicidades ostensivas.

Na última quinta-feira, 26, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) do Ministério da Justiça e Segurança Pública notificou a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e o Botafogo, administrador do Estádio Nilton Santos, devido à veiculação de publicidades de jogos de apostas e plataformas de serviço de acompanhantes.

A notificação questiona as propagandas exibidas durante a partida de sábado, 28, contra o Corinthians, afirmando que o ato configura uma “veiculação de publicidade inadequada", mas não detalha o que motivou a decisão, tendo em vista que publicidades do tipo são exibidas com frequência em campeonatos de futebol. Em nota no site, o secretário nacional do Consumidor, Wadih Damous afirmou que é necessário preservar os direitos dos torcedores e proteger grupos vulneráveis.

Influência da publicidade

Uma pesquisa realizada em agosto pela Hibou, empresa de monitoramento e insights de consumo, mostrou que as propagandas exercem uma influência significativa sobre o comportamento dos apostadores. Segundo o levantamento, 71% dos 2.839 entrevistados se sentem mais inclinados a apostar quando o time que torcem é patrocinado por uma marca de apostas.

Mais de 40% afirmaram ainda ter visto anúncios de jogos de apostas na TV, 33% no Instagram e 19% são impactados por influenciadores. Na telinha, o espaço é dominado pela Betano, que possui uma participação de 22%, seguida pela Superbet com 17%, Betnacional com 16%, Sportingbet com 7% e Betsul com 5%. As demais marcas somam juntas 33%, conforme análise da Tunad, especializada em anúncios em veículos de mídia, obtida com exclusividade pela EXAME.

“A questão das apostas é complexa e, antes de se concentrar na publicidade, é fundamental que o setor receba uma regulação mais eficaz. Existem ainda empresas operando de maneira irregular”, afirma Eric Messa, coordenador do Núcleo de Inovação em Mídia Digital e do curso de Publicidade e Relações Públicas da FAAP - Fundação Armando Alvares Penteado.

Todavia, na visão do professor, quando surgem estudos que indicam que o setor de apostas pode representar riscos à saúde da população, torna-se imprescindível estabelecer uma regulamentação específica para sua publicidade, similar ao que ocorreu no passado com os cigarros.

“A indústria farmacêutica também apresenta uma dinâmica distinta, pois lida com medicamentos que buscam melhorar a saúde, mas que também podem gerar dependência. Por isso, a publicidade nesse setor é mais restrita e regulamentada. Vejo um caminho semelhante para as apostas”, complementa ele, que destaca ainda a capacidade do Conar de realizar as discussões necessárias e orientar o mercado no processo de autorregulação.

No início do ano, a entidade divulgou o 'Anexo X', que detalha as regras de autorregulamentação para a publicidade de apostas no Brasil. O documento foi publicado em decorrência da Lei n.º 14.790/2023, que regulamenta as apostas esportivas no Brasil.

Mesmo com as recomendações do Conar, tramita no Senado um projeto de lei que visa proibir a publicidade, o patrocínio e a promoção de apostas de quota fixa e jogos online. Assinado pelo senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), o PL 3.563/2024 altera as leis que regulamentam as apostas esportivas online (13.756, de 2018, e 14.790, de 2023) e busca frear o alcance das propagandas relacionadas às apostas.

Entre as principais mudanças, estão a proibição da exploração comercial de apostas em eleições e a vedação de qualquer forma de publicidade sobre apostas em mídias como rádio, televisão, internet e redes sociais.

E lá fora?

Na Europa, o número de casas de apostas patrocinando clubes cresceu nesta temporada, com um terço das equipes disputando a Champions League estabelecendo parcerias nesse segmento. Ao todo, 11 dos 36 clubes participantes possuem algum tipo de vínculo com casas de apostas, incluindo Aston Villa, Celtic, Club Brugge, Dinamo Zagreb, Inter de Milão, Shakhtar Donetsk, Sparta Praga, Sporting, Stuttgart, Slovan Bratislava e Young Boys. No ano passado, esse número era de apenas 7.

Entretanto, três desses times foram obrigados a remover os logotipos dos patrocinadores na primeira rodada da competição, realizada nesta semana, devido a legislações nos países onde atuam. O Stuttgart, por exemplo, que visitou o Real Madrid no Santiago Bernabéu, teve que retirar a publicidade em conformidade com as leis da Espanha, que proíbem anúncios de plataformas de apostas.

De acordo com levantamento do site Bolavip, 30% dos patrocínios no futebol mundial são provenientes de casas de apostas, ou seja, três em cada dez clubes têm esse tipo de patrocinador, envolvendo mais de 200 equipes nas 12 principais ligas do planeta, incluindo Alemanha, Argentina, Bélgica, Brasil, Espanha, França, Holanda, Inglaterra, Itália, México, Portugal e Turquia. O segundo segmento mais representado nas camisas é o de instituições financeiras, que tem metade do número de empresas de apostas.

Na Inglaterra, os clubes foram notificados de que, a partir da temporada 2026/27, deverão proibir a exibição de marcas de apostas na parte frontal das camisas, embora tenham liberdade para manter os logotipos em outras áreas do uniforme. Na Espanha, esse movimento começou em 2020, abrangendo não apenas as camisas, mas também os naming rights dos estádios.

Nos Estados Unidos, onde o setor de apostas é regulamentado por estados, as empresas ligadas às bets podem explorar a publicidade nas principais ligas, como a NFL. Já na Alemanha, que tem a indústria regulada, a Bundesliga incentiva parcerias com campanhas de marketing e ativações envolvendo os clubes, como é o caso do Borussia Dortmund.

"O segmento de apostas vem sendo protagonista no que tange os investimentos no futebol, seja patrocinando campeonatos ou clubes. É um fenômeno mundial que será restringido em alguns mercados em função de legislações locais. Nos demais, o foco deve ser a conscientização da população para o jogo responsável", avalia Fábio Wolff, sócio-diretor da Wolff Sports e especialista em marketing esportivo.

Neste ano, também houve um avanço significativo no patrocínio das apostas nas principais competições europeias. Em agosto, a bet365 se tornou a primeira empresa do setor a patrocinar a Champions League, firmando um acordo de três anos que prevê a exposição da marca em painéis de LED ao redor do campo, inserções de identidade televisivas, divulgação nos canais digitais e a distribuição de milhares de ingressos em países selecionados.

Além disso, a UEFA Europa League e a UEFA Conference League também estabeleceram parcerias com o setor de apostas, desta vez com a Kaizen Gaming, que opera as marcas Betano e Stoiximan. Essa empresa já é patrocinadora dos campeonatos locais na Grécia e em Chipre e foi a patrocinadora global da Euro 2024.

Para Ricardo Bianco Rosada, fundador da consultoria brmkt.co, que atua nas áreas de estratégia, branding, marketing e desenvolvimento de negócios, os recursos provenientes das plataformas de apostas têm grande relevância. "A regulamentação de fato assegura que as parcerias sejam realizadas de forma responsável, protegendo os consumidores e preservando a integridade do esporte”, avalia.

Principais patrocínios de casas de apostas na Série A (valores aproximados):

Veja abaixo a lista dos principais patrocínios de casas de apostas em clubes da Série A, com valores anuais aproximados. A Esportes da Sorte lidera o ranking com um investimento de R$ 182 milhões em cinco clubes, seguida pela Superbet, com R$ 104 milhões em três clubes, e pela Betfair, com R$ 95 milhões em dois clubes.

  • 1. Flamengo - Pixbet (master) - R$ 117 milhões
  • 2. Corinthians - Esportes da Sorte (master) - R$ 103 milhões
  • 3. Vasco - Betfair (master) - R$ 70 milhões
  • 4. Fluminense - Superbet (master) - R$ 52 milhões
  • 5. São Paulo - Superbet (master) - R$ 52 milhões
  • 6. Botafogo - Parimatch (master) - R$ 27,5 milhões
  • 7. Cruzeiro - Betfair (master) - R$ 25 milhões
  • 8. Grêmio - Esportes da Sorte (peito) - R$ 25 milhões
  • 9. Internacional - Estrela Bet (costas) - R$ 24 milhões
  • 10. Fortaleza - Novibet (master) - R$ 20 milhões
  • 11. Bahia - Esportes da Sorte (master) - R$ 19 milhões
  • 12. Palmeiras - Esportes da Sorte (master do feminino) - R$ 18,5 milhões
  • 13. Atlético-MG - Betano (master) - R$ 18 milhões
  • 14. Athletico-PR - Esportes da Sorte (master) - R$ 16,5 milhões
  • 15. Juventude - Stake (master) - R$ 15 milhões
  • 16. Atlético-GO - Blaze (master) - R$ 14 milhões
  • 17. Vitória - Betsat (master) - R$ 3,6 milhões
  • 18. Criciúma - Estrela Bet (master) - R$ 6 milhões
  • 19. Bragantino - mrJack.bet (mangas) - R$ 5 milhões
  • 20. Cuiabá - não possui

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