Escoceses versus japoneses: no reino do uísque, quem vence a batalha?
Lizandra Freitas explica como os japoneses ganharam destaque no mundo da bebida -- e por que é preciso dar uma chance ao uísque do país - consagrado, até então, pela produção dos tradicionais saquês
Colunista
Publicado em 14 de novembro de 2023 às 09h34.
Última atualização em 16 de novembro de 2023 às 16h41.
Há algo novo e muito perturbador no universo dos uísques – após cinco séculos de hegemonia, os escoceses deixaram de ser a única autoridade no assunto e passaram a ser incomodados, quem diria, pelos japoneses. Quem frequenta os bares mais antenados de São Paulo já deve ter notado que os rótulos com ideogramas, antes restritos aos saquês, tomaram conta das cartas de uísques e viraram uma verdadeira febre.
O fenômeno é mundial e ganhou força no Brasil. Por aqui, as vendas dos japoneses cresceram 52% no último ano, enquanto o crescimento anual da categoria de uísques não passou de 6%. É, sem dúvida, o segmento mais turbinado dentro do mercado.
Os japoneses aprenderam a técnica com os próprios escoceses e construíram a primeira destilaria em 1923, mas seus rótulos permaneceram, por décadas, como um segredo muito bem guardado. A história começou a mudar em 2003, com o filme Encontros e Desencontros, dirigido por Sofia Coppola – na trama, Bill Murray faz o papel de um ator contratado para estrelar a propaganda de um uísque japonês.
Foi assim que os americanos descobriram que japoneses produziam bons uísques e a notícia logo se espalhou pela Europa. Mas a moda estourou de verdade na década seguinte, em 2015, quando o crítico Jim Murray, editor da Whisky Bible, elegeu o Yamazaki Sherry Cask 2013 o melhor single malt do mundo, com nota 97,5. Naquele mesmo ano, nenhum uísque escocês entrou sequer para a lista dos cinco melhores. Era o começo de uma nova era.
A produção reduzida e os longos processos de envelhecimento, guiados pelo perfeccionismo japonês, deram uma “forcinha” para que seus uísques virassem objeto de desejo.
Qual o uísque mais caro do mundo?
Considerado o mais caro do mundo, o rótulo single malt Yamazaki 55 anos, uma raridade disputada por colecionadores em leilões, pode superar a cifra de 1 milhão de dólares. Hoje, porém, a indústria está adaptada à forte demanda. Rótulos ultrapremium continuam na categoria de sonhos de consumo, mas os bares estão bem abastecidos de ótimos uísques acessíveis, que também entregam a identidade única do terroir japonês.
Assim como acontece na gastronomia japonesa, o equilíbrio é sua marca registrada. Barricas de Mizunara, conhecida como carvalho japonês, conferem notas de baunilha e uma picância particular. O resultado são uísques delicados, redondos, que podem variar de personalidade, mas jamais terão notas extremas se destacando entre as demais.
Por seu equilíbrio, delicadeza e elegância, uísques japoneses são também uma ótima porta de entrada para aqueles que estão começando a se aventurar neste maravilhoso mundo dos uísques. Há muitas formas de descobrir toda a complexidade contida em uma dose de uísque japonês. Puro ou com gelo, o blend Hibiki 17, protagonista no filme Encontros e Desencontros, pode ser um bom começo de trilha e servir como uma introdução à categoria seguinte, a dos single malts, que podem revelar gratas surpresas.
E, para os amantes da coquetelaria, o Highball – ou Haiboru, como preferem os japoneses – é uma porta de entrada praticamente obrigatória: copo alto, gelo, uísque e club soda. Simples assim. Kampai!