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Apresentado por YPO

Por que os family offices estão preocupados com a geopolítica?

A resposta pode estar no pragmatismo dos gestores, que tentam antecipar o impacto econômico dos últimos acontecimentos diplomáticos e bélicos

China: a maior questão geopolítica, no momento, é a possível invasão de Taiwan por parte do governo chinês (rawfile redux/Getty Images)

China: a maior questão geopolítica, no momento, é a possível invasão de Taiwan por parte do governo chinês (rawfile redux/Getty Images)

Felipe Mendes
Felipe Mendes

Colunista

Publicado em 31 de julho de 2023 às 18h00.

O mais recente Relatório Global de Family Offices, feito pela UBS, demonstrou que a maior preocupação dos gestores de fortunas é com a situação atual da geopolítica (35% dos entrevistados), e não mais com a inflação (11%), que liderava as preocupações do ano anterior.

O estudo foi realizado com 230 dos maiores family offices individuais do mundo, com patrimônio líquido de quase US$ 500 bilhões. E por que isso importa? Porque essa amostra, que representa a parte mais afluente do mundo, está atenta aos impactos que as disputas (e reconfigurações) geopolíticas terão nas suas decisões de alocação global de capital.

Esse mesmo estudo comenta que os family offices sediados nos Estados Unidos ainda têm a recessão (23%) como sua maior preocupação, porém os seus pares da Europa e Ásia-Pacífico já colocam a geopolítica (37%) em níveis muito mais altos que recessão (10%) ou inflação (8%).

Se podemos, por um lado, acreditar que a visão americana está sendo míope, também temos que admitir que os impactos geopolíticos na Europa e Ásia-Pacífico são muito mais presentes no dia a dia, seja em função da guerra na Ucrânia ou das questões entre China e Taiwan.

Ásia-Pacífico: uma panela de pressão importada da China

A maior questão geopolítica, no momento, é a possível invasão de Taiwan por parte da China. Relembrando um pouco a história, Taiwan é uma ilha desenvolvida pelos “capitalistas”, que fugiram da China durante a Revolução que desembocou no comunismo. Como poderão imaginar, Taiwan teve o apoio imediato dos americanos, mas soube balancear bem essa tensão, com rara habilidade diplomática, até os dias de hoje.

Entre os três principais poderes de uma nação, o econômico, o militar e o bélico, Taiwan está no meio da briga entre dois gigantes econômicos, mas desafia a China, que apesar de relativo poderio bélico, tem pouquíssima preocupação com o poderio diplomático.

O pragmatismo econômico chinês é sua grande fortaleza, o que o torna um parceiro ideal, pois não discute questões ou posições soberanas de países, apenas condições comerciais. Uma demonstração desse enfoque é o seu alinhamento com a Rússia, o qual cresceu bastante durante a guerra com a Ucrânia.

Rússia e China tem menor apego à diplomacia e, caso a China decida invadir Taiwan, ela se colocaria em asilo diplomático similar à Rússia, em especial em suas relações com o bloco dos países “democráticos ocidentais do hemisfério norte”.

O bélico, o diplomático e o econômico: a “nova era” da Alemanha

Três dias após a invasão da Ucrânia, o primeiro-ministro alemão, Olaf Scholz, declarou que “quem quer defender a paz, tem de ter a sua força”, e que a guerra havia despertado uma “nova era” do ponto de vista bélico.

Seu discurso foi tão forte entre os alemães, que a palavra usada por ele (“Zeitenwende”), se tornou “a palavra do ano” na Alemanha. A razão para tamanho impacto é que, desde o pós-guerra, era a primeira vez que a Alemanha apontava para a necessidade de reconstruir seu potencial bélico.

Como referência, após a pacificação de 1945, a Alemanha Ocidental ficou por 10 anos sem a possibilidade de ter um exército próprio, tendo sido liberada para montar um pequeno exército no fim dos anos 50, porém, apenas como força de composição junto às forças da OTAN, dentro do marco da Guerra Fria e pela vizinhança com a Alemanha Oriental e os países da “Cortina de Ferro”.

Entretanto, com a queda do muro de Berlim e o desmantelamento da antiga União Soviética, não havia mais inimigo a se combater e, assim como boa parte do mundo, o orçamento militar da Alemanha foi extremamente reduzido, tendo se tornado inclusive uma piada para a sociedade e a imprensa local.

A representação mais intensa dessa mudança foi que em 14 de junho de 2023, a Alemanha apresentou o seu primeiro plano estratégico de segurança nacional, em toda a sua história, sob o argumento da guerra na Ucrânia e da necessidade de se proteger sua infraestrutura crítica (o gasoduto Nord Stream) e população. Precisamos concordar que essa é uma importante mudança na diplomacia alemã, que incomoda alguns setores da sociedade global, mas com muito menos intensidade que há 18 meses.

Porém, passando ao poderio econômico alemão, os germânicos foram um dos povos mais hábeis na busca por outras fontes de recursos energéticos, em especial o gás, do qual dependiam absolutamente do fornecimento russo. E ao fazê-lo, por sua liderança econômica e diplomática na Europa, demonstrou que é possível se desenvolver outras fontes de matérias-primas no mundo.

Ainda mais importante, colocou na cabeça de toda a Europa o seguinte racional: “Ok, fizemos diversas sanções contra a Rússia porque encontramos alternativas de fornecimento, mas tivemos medo de passar frio no inverno, algo que não ocorria desde a guerra. Felizmente, pudemos apoiar diversas sanções econômicas contra a Rússia, porque, felizmente, não temos uma dependência econômica tão grande”.

O pragmatismo chinês atrairá o pragmatismo dos family offices?

O racional acima levou a uma pergunta chave para todos aqueles países não alinhados ao “bloco China e Rússia”: se a China invadir Taiwan, poderemos parar de comprar da China? Talvez, mas poderemos parar de vender para a China? Ok, imaginem que isso seja possível, mas o que faremos quando a China começar a vender papéis da dívida soberana americana, alemã e japonesa? Os family offices irão salvar o capitalismo?

Outro ângulo de análise, dado o fechamento das filiais de empresas multinacionais na Rússia: será que o mundo consegue fechar seus escritórios e fábricas na China? Ainda mais interessante, se lembrarmos que a maior parte dos negócios internacionais tem como sócio um empresário ou o próprio governo chinês, será que esse “abandono do país” se converterá na maior liquidação de ativos da história? Já imaginou a oportunidade de alocação de capital, caso o dinheiro dos family offices também seja pragmático e se alinhe a Xi Jinping, para investir em uma nova onda de crescimento chinês?

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