Gustavo Franco: Quase lá
A melhora na economia estava nas cartas e de fato está acontecendo: a inflação está cedendo, no Brasil e no exterior, de modo que a dosagem inicial de aperto monetário provavelmente terá de ser revista para menos
Karla Mamona
Publicado em 4 de agosto de 2022 às 08h58.
*Gustavo Franco
As pesquisas eleitorais dominam as avaliações da conjuntura, e elas têm exibido pouca volatilidade: o ex-presidente Lula lidera com folga, com votos para vencer no primeiro turno, mas por pequena margem. Ninguém se arrisca a dar o assunto como decidido. Mas é verdade que a perspectiva de golpe perdeu substância, o que é ótima notícia.
Lula trabalha para ampliar sua margem, sobretudo interferindo em palanques regionais e alianças partidárias. Uma vitória em primeiro turno com boa diferença reduz a possibilidade de contestação e amplia a governabilidade – em tese. Mas o adversário permanece sendo Jair Bolsonaro e insistindo no embate, por enquanto sem muito sucesso a julgar pelas pesquisas. Os partidos do Centrão têm
proporcionado imensa ajuda ao presidente, sobretudo para a operação do governo – vide a PEC das Bondades, uma vitória política de peso –, mas tem sido difícil trazer mais moderação para a campanha.
A estratégia habitual do presidente de “esticar a corda”, agora mais diretamente voltada para os ataques ao sistema eleitoral, como evidenciado pela fracassada reunião do presidente com os embaixadores, talvez tenha servido para organizar resistências a qualquer fator externo à voz das urnas.
O processo vai caminhando e a perspectiva de golpe, qualquer que seja o formato, vai ficando para trás. É preciso pensar no futuro, na nova composição política, no seu orçamento e em seu programa econômico.
Mas é cedo para isso e ninguém se arrisca em prognósticos. A melhora na economia estava nas cartas e de fato está acontecendo: a inflação está cedendo, no Brasil e no exterior, de modo que a dosagem inicial de aperto monetário provavelmente terá de ser revista para menos.
Esse foi um grande tema nesse mês de julho, quando o aperto monetário ocorreu de forma global e coordenada, em uma demonstração eloquente do poderio dos bancos centrais mundo afora. Mas julho termina com a impressão de que não será preciso tanto aperto quanto inicialmente previsto, o que reprecificou os ativos e alegrou os mercados de capitais.
Os preços do petróleo cederam, o que se transmitiu para os derivados no país, reforçando a impressão de que o pior já passou em termos de inflação. Somam-se a isso os impactos do mecanismo de redução de impostos sobre alguns derivados.
O panorama no mercado de trabalho continua benigno no Brasil, com queda no desemprego (ainda que com remunerações reais menores), uma indicação de que o mecanismo de mercado funciona, mesmo no mercado de trabalho brasileiro. Há certo exagero em dizer que isso se dá em razão da reforma trabalhista feita no governo Temer. Mas não há dúvida de que veio daí uma contribuição e que esta evolução do mercado de trabalho estaria a sugerir o aprofundamento da reforma trabalhista e não a sua reversão. A ver.
As previsões para o PIB vêm melhorando, e tudo isso antes de qualquer efeito dos auxílios criados pela tão contestada PEC das Bondades. Esses efeitos, bem como a melhora na economia, ainda podem trazer algum alento à candidatura de Jair Bolsonaro, razão pela qual os especialistas não se aventuram a prognósticos, a despeito da sólida diferença a favor de Lula.
Também é verdade que começam as cogitações sobre o dia seguinte: ainda que muitos falem sobre iniciativas judiciais contra Bolsonaro, uma vez reduzido à condição de cidadão comum, outra especulação interessante é sobre uma presidência Lula na presença de uma oposição aguerrida e diante de escolhas econômicas difíceis.
Sobre as escolhas difíceis sobretudo no plano fiscal, a conversa começa com a renovação das bondades criadas no contexto da eleição e pela generosidade com que Lula sempre tratou o tema do salário-mínimo. Mas o espaço fiscal não é muito amplo, não há soluções fáceis.
Caso não seja disciplinado no primeiro ano de governo, o próximo presidente pode facilmente envenenar o restante de sua presidência com políticas fiscais insustentáveis.
*Gustavo Franco é sócio-fundador da Rio Bravo Investimentos e ex-presidente do Banco Central do Brasil. Este artigo faz parte da Carta Estratégias de julho relatório mensal distribuído pela Rio Bravo a seus clientes e reproduzido com exclusividade pela EXAME Invest.