Por que todas as atenções do mercado estão nas montanhas frias de Jackson Hole
Incerteza e rali dos treasuries antecedem discurso do presidente do Fed no fim desta semana; bolsas desabaram após Jerome Powell evocar Volcker em simpósio do ano passado
Repórter
Publicado em 21 de agosto de 2023 às 15h17.
Última atualização em 21 de agosto de 2023 às 18h03.
Os preparativos para o maior encontro anual de banqueiros centrais do mundo já iniciaram na Vila de Jackson. Enquanto no inverno são as manobras de esqui que chamam a atenção, no verão, são os formuladores de política monetária as grandes estrelas. O Simpósio de Jackson Hole terá início na quinta-feira, 24, mas a atração principal ficará para o segundo dia de evento, quando investidores do mundo todo voltarão suas atenções para o discurso do presidente do Federal Reserve,Jerome Powell. Suas palavras, como sempre, terão potencial de incendiar o mercado, contrastando com o gelado das montanhas de Wyoming que cercam a sede do evento.
Volcker no retrovisor
É em Jackson Hole que, tradicionalmente, o presidente do Fed vê o clima ideal para fazer seus discursos mais importantes. Em sua última participação,no Simpósio do ano passado, Powell alertou que não suavizaria em sua luta contra a inflação e manteria os juros americanos elevados por um longo período. Para deixar o recado claro, o chairman fez questões de evocar o trabalho feito por seu antecessor Paul Volcker, que presidiu o Fed entre as décadas de 1970 e 1980.
Volcker entrou para a história por ter vencido a inflação de dois dígitos que assolava os Estados Unidos na época, só que a um alto custo. Foi durante seu mandato que os Estados Unidos viveram o período de juros mais altos de sua história, chegando próximo de 20%. A taxa elevadíssima mesmo para os padrões da época provocou danos em toda a economia global e americana, que, logo após a alta de juros, entrou em recessão. Depois do discurso do ano passado, o S&P 500, principal índice de ações dos Estados Unidos, fechou em queda de 3,37%.
Muita coisa mudou desde o último Simpósio de Jackson Hole. A taxa de juro americana subiu de próxima de zero para o maior patamar desde 2008, situando-se entre 5,25% e 5,5%, e as discussões sobre um possível recessão da maior economia do mundo estão mais vivas do que nunca. Mas, por ora, o que o mercado quer saber é se novas elevações de juros serão ou não necessárias. A precificação na curva desde início de semana mostra um cenário dividido, com uma parte dos investidores apostando na manutenção do atual patamar e outra em mais uma elevação de 0,25 ponto percentual até o fim do ano.
Otimistas x pessimsitas
Quanto o Fed terá de subir os juros, por quanto tempo manterá em patamar elevado e os riscos de isso se traduzir em uma recessão são peças centrais no quebra-cabeça do mercado. Há dissonância entre os próprios diretores do Fed, que vêm apresentando opiniões divergentes sobre a intensidade do aperto monetário. A expectativa é de que o discurso de Jerome Powell nesta sexta reduza o grau de incertezas, aumentando ou diminuindo (de vez) a probabilidade de novas altas de juros.
Até agora, os mais otimistas têm levado vantagem. Apesar da alta de juros e desaceleração da economia americana, a pontuação do S&P 500 está mais de 7% acima da registrada no mesmo período do ano passado. A leitura oposta, no entanto, indica que o patamar mais alto tornou ainda maior a oportunidade de ficar vendido nos índices americanos.
Os dados econômicos tampouco têm ajudado a melhorar o grau de visibilidade dos investidores. A inflação tem, de fato, arrefecido. O Índice de Preço ao Consumidor (CPI, na sigla em inglês) já caiu 5,9 pontos percentuais em relação ao pico de julho do ano passado, quando bateu 9,1%. Mas o núcleo, que dá maior peso a itens menos voláteis, segue resiliente. Desde julho de 2022, o núcleo do CPI caiu apenas 1,2 ponto percentual para 4,7%. Já o desemprego, que poderia arrefecer a inflação de demanda, segue em patamares historicamente baixos. Na última medição, de julho, a taxa era de 3,5%.
Os mais pessimistas veem o cenário como altamente sensível a qualquer desequilíbrio na oferta. Para uma das principais gestoras do Brasil, a Verde Asset, esse pavio pode ser acesso pela alta do petróleo. A commodity, que em maio chegou a bater mínima desde 2021, tem se apreciado no mercado internacional, chegando a acumular 18,6% em pouco mais de três meses. Para esses que ainda veem um risco elevado de repique da inflação americana, só uma recessão de curto prazo poderia pavimentar o crescimento sustentável dos Estados Unidos.
Rali de títulos americanos antecedem discurso de Powell
Diante desse cenário dúbio, o mercado internacional passou por uma forte reprecificação dos títulos soberanos na semana passada, especialmente dos americanos, considerados os mais seguros do mundo. Nesta segunda-feira, 21, o rendimento do título do Tesouro dos Estados Unidos (treasuries) com vencimento em dez anos voltou a renovar sua máxima desde 2007, indo a 4,35%.
Markus Allenspach, head de renda fixa do Julius Baer, avalia que os títulos americanos atravessam uma "tempestade perfeita" motivada por temores de oferta e perspectivas "excessivamente otimistas" para o crescimento dos Estados Unidos neste ano. "Esperamos uma consolidação do mercado de treasuries até que o Fed dê novos rumos no Simpósio de Jackson Hole nesta semana". A reação esperada, caso o discurso de Powell infle ainda mais o rendimento dos títulos do Tesouro americano, é uma nova onda internacional de aversão ao risco, dada sua maior atratividade e grau de segurança.
Apesar de haver grande expectativa para o Powell terá a dizer nesta sexta, o mercado espera por um tom menos explosivo que o do ano passado. "O discurso de Powell provavelmente abordará temas semelhantes aos do ano passado, já que reduzir a inflação à meta continua sendo a principal preocupação do Fed. Desta vez, no entanto, o cenário atual é muito mais reconfortante. Em contraste com a 'dor' que Powell alertou no discurso do ano passado, um pouso suave parece mais plausível agora do que em qualquer ponto do ano passado", disse o Goldman Sachs em relatório. As incertezas, entretanto, continuam na mesa. "Se você olhar historicamente, a inflação e o crescimento geralmente caem juntos”, disse em relatório. Christian Mueller-Glissmann, head do Goldman Sachs