Uber: mudanças melhoraram relacionamento com motoristas e trouxeram retorno financeiro para a empresa (Germano Lüders/Exame)
Repórter Exame IN
Publicado em 8 de abril de 2023 às 11h28.
Última atualização em 8 de abril de 2023 às 11h29.
A metáfora em inglês “Put yourself in someone’s shoes” (ou, em bom português, “calçar os sapatos do outro”) é um bom resumo da estratégia adotada recentemente por Dara Khosrowshashi, CEO da Uber, para identificar oportunidades de melhorias no aplicativo. Depois de cinco anos no comando da empresa de transporte individual, o executivo assumiu o banco atrás do volante para entender de perto qual era a realidade dos motoristas do app, em uma iniciativa chamada Projeto Boomerang. De acordo com o WSJ, as mudanças implementadas na companhia a partir de conclusões tiradas do dia a dia como motoristas (do CEO e de outros executivos do alto escalão) fizeram a companhia ganhar espaço diante da concorrência acirrada no pós-pandemia.
Os planos da Uber vieram a partir de uma mudança de cenário importante em relação ao período pré-covid: o aumento das dificuldades do relacionamento com motoristas — que se traduziu, aqui no Brasil, em piora dos níveis de serviço. Em 2021, a EXAME tentou entender por que os carros por app estavam demorando tanto, uma resposta respondida de forma resumida pelo efeito de alta nos combustíveis e defasagem na tarifa paga pelos passageiros — efeitos que, combinados, faziam motoristas ‘garimparem’ corridas para conseguirem obter lucro. A situação era similar à enfrentada nos Estados Unidos.
O problema fez a companhia se mexer. Em abril de 2021, o CEO da Uber destinou cerca de US$ 250 milhões em benefícios aos motoristas. A despesa mexeu no balanço da empresa e, a princípio, não agradou investidores — mas foi mantida pela avaliação de que a demanda estava retomando de forma acelerada e que o investimento se pagaria ao longo do tempo.
Para fazer seu ponto e deixar clara a importância de conhecer de perto a realidade de motoristas — e de conquistar a simpatia deles para além de bônus imediatos — Carol Chang, COO do Uber, ressaltou aos executivos da empresa a necessidade de realizarem entregas ou de pegarem passageiros para avançarem dali para frente. Na semana seguinte, Khosrowshashi, o CEO da empresa, começou esse processo com o Uber Eats e, de largada, identificou problemas: o cadastro no aplicativo era demorado e não era integrado entre entregas de comida ou de pessoas. Uma situação que mudou rapidamente a partir desse insight.
Outra mudança introduzida no aplicativo a partir das viagens feitas pelo CEO foi a inclusão de um tutorial em vídeo para os entregadores entenderem como se dirigir aos restaurantes e quais passos seguir para pegar a refeição e realizar a entrega. Isso sem falar nas mudanças de comunicação para tornar mais clara a rota de entregas para dois pedidos separados e de só permitir aceitar novas entregas após finalizar a atual.
Um ponto que ainda permanece sem uma solução completa, segundo o jornal norte-americano, tem a ver com um “golpe de gorjeta”. Basicamente, consumidores faziam pedidos para o Uber Eats e apontavam uma compensação alta aos entregadores. Porém, quando estes finalizavam a entrega, as gorjetas eram significativamente reduzidas. Essa questão ainda não foi totalmente solucionada dentro do app, segundo o WSJ.
No Brasil, há pouco mais de um ano, a Uber encerrou seu serviço de entregas de comida no Brasil. A companhia citou, na época, uma mudança de estratégia para focar apenas em supermercados e outras lojas, além de pacotes. "Nosso principal objetivo daqui para frente será oferecer acesso à maior e melhor seleção de supermercados, lojas especializadas, pet shops, floriculturas, lojas de bebidas e outros artigos no aplicativo do Uber Eats. Tudo para que você possa ter ao seu alcance tudo o que precisar, com a melhor experiência possível, desde a escolha dos itens até a entrega", afirmou, em nota.
Os perrengues com o Uber de passageiros
Depois de passar alguns meses fazendo entregas de refeições aos finais de semana, o CEO comprou um Tesla de segunda mão para começar a fazer corridas com passageiros. O primeiro problema enfrentado foi a falta de visão sobre destinos finais e um valor estimado da corrida antes de aceitá-la. Para tornar o processo mais atrativo para regiões menos populares, a companhia aumentou, a partir de análise de dados em tempo real, a remuneração para corridas menos prováveis de gerar novas viagens, de acordo com o WSJ. No Brasil, a atualização do aplicativo chegou em abril de 2022.
A partir das viagens realizadas por outros executivos da companhia, a Uber também introduziu novas ferramentas de segurança nos mapas, para evitar regiões com acidentes em suas rotas. Além disso, começou a testar gravações de vídeo a partir do próprio app ao realizar corridas, ferramentas de segurança pedidas por motoristas diante do aumento da criminalidade. Hoje, a 99, principal rival da Uber no Brasil, também conta com recursos similares, como a gravação de áudio de corridas (disponível também para passageiros).
Todos os esforços e investimentos da Uber ao longo dos últimos dois anos “valeram a pena”, segundo o WSJ. A receita por corrida mais do que dobrou em 2022 e a companhia ganhou participação de mercado, sendo responsável por 74% do setor de transporte por aplicativo nos Estados Unidos, ante 62% em 2020, citando dados da Yipit Data. O ganho veio a partir da tomada de market share de concorrentes, como a Lyft, cuja participação caiu de 38% em 2020 para 26% em 2022.
O número de downloads do aplicativo para motoristas mais do que dobrou em 2022 comparado com 2019, segundo dados da Data.ai. Enquanto isso, os da Lyft subiram 67% no mesmo período.
Apesar dos avanços conquistados até aqui, a companhia ainda tem desafios a serem superados daqui para frente. O cenário macroeconômico de contração é apontado pelo WSJ como um risco, uma vez que o app pode ter uma reversão do cenário de 2021 com mais motoristas do que passageiros. A companhia afirma que já deixou de aplicar alguns bônus mas que ainda continua atenta às necessidades de motoristas, em meio ao cenário de incertezas.
No Brasil, a companhia virou assunto recentemente por causa do serviço de Uber Moto, lançado no Rio de Janeiro e em São Paulo (e já banido da capital paulista). Em uma escala maior, o debate da vez é a formalização de motoristas, um tema de campanha do presidente Lula e que segue ‘quente’ no Congresso. Em março deste ano, Luiz Marinho, ministro do Trabalho, afirmou que considera fundamental a definição de um enquadramento na atividade.
"A Uber não irá embora porque o Brasil é mercado número um, mas ninguém quer que ninguém vá embora. Pelo contrário, nós queremos é garantias de proteção social a esses trabalhadores, a valorização do trabalho. Tem que ter regras, controle para não ter excesso de jornada.", afirmou, ao jornal O Globo.
Independentemente do caminho que essa situação toda tomar, um ponto ficou claro para a empresa, da pandemia para cá. Mais do que trazer incentivos para passageiros, a companhia precisa atrair e reter motoristas, como afirma o CEO ao WSJ.