O mercado está avesso à China — e isso pode ser bom para o Brasil
Contexto geopolítico, cerco a grupos econômicos e desaceleração têm influenciado desinvestimentos no país asiático
Repórter
Publicado em 16 de janeiro de 2024 às 15h44.
Última atualização em 16 de janeiro de 2024 às 17h55.
A China esteve há décadas entre as apostas de grandes investidores, como Ray Dalio e Mark Mobius. Mas todo aquele brilho que saltava aos olhos do mercado vem sendo ofuscado. Instabilidades causadas pelo governo, como o recente cerco a grandes grupos econômicos, como Ant e Alibaba, vem mantendo investidores mais cautelosos. E o crescimento, que era pujante, está cada vez mais fraco.
Entre os grandes defensores da tese de investimento no país, Dalio já desembarcou de pelo menos dez empresas da região, segundo o jornal SCMP, e Mobius já se queixou de que sequer conseguiu tirar seu dinheiro da China. Os desinvestimentos levaram a China a registrar sua primeira perda líquida de investimento estrangeiro da história, com a saída de US$ 12 bilhões no terceiro trimestre. Os dados do quarto trimestre ainda não foram divulgados.
Mais do que os desafios internos, analistas do BNP Paribas avaliam que a política externa da China se tornou um fator de aversão ao risco no mercado. "A queda do investimento estrangeiro direto indica que os investidores estão retirando seu dinheiro da China como resposta ao conflito entre Ucrânia e Rússia e ao aumento das tensões em torno de Taiwan", avaliam os analistas em relatório.
O clima é exatamente o oposto de um ano atrás, quando os processos de reabertura mais ampla aumentaram as expectativas de aquecimento econômico.
Apesar da tese favorável aos investimentos na China, a bolsa de Xangai fechou 2023 com 6,3% de queda, enquanto os principais índices de ações do mundo fecharam o ano com fortes altas. A perda foi ainda maior em dólar, dada a desvalorização de 8% do iuane frente à moeda americana em 2023. Essa desvalorização, inclusive, estaria travando mais incentivos monetários, ainda com incertezas sobre o início dos cortes de juros nos Estados Unidos.
"A decisão de manter as taxas é negativa para o sentimento do mercado e para o crescimento econômico, sugerindo que as autoridades não estão se esforçando muito para apresentar uma mensagem coordenada e forte pró-crescimento no início do ano", avaliouWei He, analista da Gavekal, em relatório.
Embora a bolsa chinesa esteja em um patamar mais baixo do que no início de 2023, o J.P. Morgan avalia que os níveis de preços apenas parecem estar baratos. Mas seriam, na verdade, uma "armadilha". "Na minha experiência, a maioria das armadilhas de valor acaba. Achei que estávamos próximos no ano passado, mas eu estava errado. As enormes taxas de poupança de 40% da China representam munição potencial para uma recuperação do mercado de ações, mas ainda não existe um catalisador."
Ruim para a China, bom para o Brasil?
Diante desse cenário, parte dos investidores acredita que o Brasil pode se beneficiar de uma melhor posição relativa entre os emergentes. Em painel com investidores no fim do ano passado, Emy Shayo Cherman, estrategista de ações para a América Latina do J.P. Morgan, chegou a afirmar que o Brasil tem o potencial de se tornar uma "Miss Universo" dos mercados emergentes.
Alguns fatores favorecem o Brasil, como não estar inserido em contextos bélicos, a melhor perspectiva de crescimento e os níveis de preços relativamente atrativos. Essa posição, segundo a BlackRock, maior gestora do mundo, deve levar os fundos emergentes a aumentarem a porção de ativos brasileiros em seus portfólios.
"Minha visão é otimista em relação aos fluxos para o Brasil. O investidor emergente não quer mais a China, que concentrava 40% desses fluxos. Esse dinheiro será redirecionado para Índia, México e o Brasil. E o Brasil, nessa lista, aparece em posição de vantagem", afirmou Karina Saade, CEO da BlackRock Brasil, em coletiva realizada em dezembro.
Somente no ano passado, os estrangeiros aportaram R$ 56 bilhões na bolsa brasileira.
Embora a China seja a principal parceira comercial do Brasil, a maior aversão de investidores e a desaceleração econômica não devem impactar os fluxos para o Brasil, na avaliação de Walter Maciel, CEO da AZ Quest. "O Brasil é o celeiro do mundo e a China vai continuar precisando de comida. O que deverá acontecer na China será uma transição do modelo econômico, de incentivo à infraestrutura para mais consumo local", afirmou em entrevista recente à Exame Invest. Maciel, no entanto, não descartou impactos em setores específicos, como no mercado de minério de ferro.