O duro recado do mercado contra a possível mudança da meta de inflação
Sinalizações de apoio de Campos Neto à mudança da meta de inflação levam mercado a precificar juros ainda mais altos no longo prazo
Guilherme Guilherme
Publicado em 10 de fevereiro de 2023 às 06h53.
Última atualização em 10 de fevereiro de 2023 às 08h57.
Atritos entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o Banco Central marcaram os últimos dias de tensão no mercado brasileiro. Incomodado com a impossibilidade de mudar a taxa de juro à força como nos velhos tempos, Lula tem direcionado os ataques à independência da autarquia e ao presidente do BC, Roberto Campos Neto, a quem já se referiu como "esse cidadão".
A instável relação tem gerado ruídos e efeitos negativos sobre os principais indicadores da economia local. A bolsa brasileira já caiu 5% e o dólar, que chegou a ir abaixo de R$ 5, subiu para próximo de R$ 5,30 desde a semana passada, quando o comunicado do Comitê de Política Monetária ( Copom ) trouxe novos contornos à discussão. Sem sinais de afrouxamento da autoridade monetária, Lula chegou a classificar a taxa de juros como uma " vergonha ". O tom só diminuiu após a divulgação da ata da decisão de juros, considerada " amigável " pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Na ata, porém, o Copom realçou sua preocupação com as expectativas de inflação cada vez mais altas no Brasil e disse que há, possivelmente, três principais motivos para isso. Dois deles tem relação com a meta de inflação. Um deles seria a "percepção de leniência" do BC em atingir a meta, após ter falhado por dois anos seguidos. O outro motivo, disse o BC, seriam as incertezas sobre uma possível revisão da meta de inflação.
Só que possibilidade, tratada como um risco à deterioração das expectativas, tem se tornado cada vez mais real, dada as informações vazadas a diversos veículos de imprensa. Campos Neto, inclusive, estaria convencido a apoiar o reajuste das metas, segundo fontes do Metrópoles , Valor e CNN . O presidente do BC, vale lembrar, compõe o Conselhos Monetário Nacional (CMN) junto ao ministro da Fazenda e a do Planejamento, Simone Tebet. O conselho, que define as metas de inflação, tem reunião formal prevista para a próxima quinta-feira, 16.
De acordo com as reportagens, avalia-se trocar a meta de inflação de 2023 de 3,25% para 3,5% e da de 2024 de 3% para 3,5%.
As sinalizações de que a meta poderá ser alterada para acelerar o processo de queda de juros e agradar o presidente Lula não foram bem-aceitas pelo mercado. Somente no pregão de quinta-feira, 9, quando os rumores se avolumaram, a bolsa teve sua maior queda desde o início do ano e o dólar subiu em R$ 0,08. Mas quem mais sofreu foram justamente as taxas de juros de médio e longo prazo, com peso superior até à Selic na precificação de concessão de crédito.
Consequências de uma possível alteração da meta
Na prática, apontaram economistas, a mudança da meta poderia provocar efeito justamente opostos aos desejados por membros do governo.
O DI futuro com vencimento em 2028 subiu 2,35%, com investidores passando a precificar um juro médio de 13,28% para o período. Para um prazo mais longo, até 2033, investidores precificam 13,60% de juro médio. Já a ponta curta, com vencimento em janeiro de 2024, teve uma leve queda de 0,44%, com precificação de juro médio de 13,44%.
"A Selic faz parte da política monetária, mas não representa toda a política monetária. O Banco Central tem que ficar atento à curva de juros toda. Não adianta ele ganhar a batalha da Selic e perder a do longo prazo", afirmou o economista André Perfeito.
Tatiana Pinheiro, economista-chefe da Galápagos Capital, alertou para o risco de uma possível mudança da meta de inflação criar efeitos cascatas nas taxas de inflação e de juros. "Na nossa opinião a mudança aumentaria a percepção de risco e, consequentemente, pioraria as expectativas. Isso elevaria os juros necessários para manter inflação estável. O aumento da percepção de risco vem do fato que nada garante que depois desta mudança não tenham outras, por exemplo", afirmou.
Juros longos mais altos e o aumento da percepção de risco, por sua vez, têm potencial de reduzir a atração de investimentos, apontou Diogo Catão, CEO da Dome Ventures. "A mudança da meta alimenta dúvidas sobre a capacidade do governo de manter a inflação sob controle, o que reduz investimentos no médio prazo. Há uma piora da percepção de risco no país", disse.
No último boletim Focus , o consenso de mercado para o IPCA deste ano está em 5,78% -- o que seria acima do topo da banda (de 1,5 p.p. para cima) da meta para este ano, mesmo com a mudança para 3,5%. Para 2024, a projeção é de IPCA a 3,93%, também acima do centro da meta. Com as discussões de alteração da meta em voga, disse Perfeito, as projeções devem ser revisadas para cima nas próximas edições do Focus.
Para a Selic, no entanto, a projeção é de queda ainda neste ano de 13,75% para 12,5%. "Há espaço para o juro cair naturalmente, porque a inflação deve ser mais baixa neste ano, sem a necessidade de mudança da meta", disse.