Lula e seu bolso: como o petista no páreo impacta bolsa e dólar de hoje até 2022
Especialistas apontam cenário mais tenso; risco de uma eleição polarizada aumentou, assim como temor de uma guinada populista de Bolsonaro para tentar fazer frente à influência de Lula
Paula Barra
Publicado em 9 de março de 2021 às 06h50.
Última atualização em 9 de março de 2021 às 10h31.
A decisão tomada pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), de anular as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no âmbito da Operação Lava Jato elevou a temperatura nos mercados locais. Na segunda-feira, 8, o Ibovespa caiu 4%, fechando perto da mínima do dia, enquanto o dólar comercial disparou 1,7%, sendo negociado a 5,77 reais. O dólar futuro saltou 3,26%, cotado em 5,88 reais.
Na visão do economista-chefe da Necton Investimentos, André Perfeito, a pressão deve continuar sobre os mercados nos próximos dias. A decisão de Fachin abre caminho para Lula se candidatar, caso queira, à presidência e eleva o risco de um cenário de radicalização política para a eleição do ano que vem.
Conheça o Olhar Macro Pro e saiba como a economia pode impactar os seus investimentos
"Tenho receio dessa guinada populista que o presidente Jair Bolsonaro pode dar para tentar contrapor a influência do ex-presidente Lula. Isso vai jogar juros mais para cima e também dólar mais para cima. Me parece que é esse o tom agora", diz.
Bancos e corretoras correm para ajustar os cenários-base para a economia e os indicadores diante do novo cenário que se coloca para o médio prazo. O câmbio será um dos principais canais, se não o principal, para refletir o novo prêmio de risco da economia brasileira.
"A agenda de privatizações, por exemplo, nos parece mais frágil hoje e muito provavelmente Bolsonaro irá elevar as parcelas do auxílio emergencial para contrapor a popularidade de Lula nos segmentos mais humildes da população", comenta Perfeito.
Para ele, a possibilidade de o Comitê de Política Monetária (Copom) subir a Selic em 50 pontos-base (0,5 ponto percentual) na reunião de março, que ocorre na semana que vem, entre os dias 16 e 17, "cresceu enormemente", enquanto o câmbio deverá continuar sendo uma pedra no sapato do Banco Central, impulsionando a inflação. Os juros futuros deram um salto na segunda-feira, refletindo a percepção de risco maior para os investidores.
Perfeito aponta também que pode ser esperado mais ativismo do Planalto nas empresas estatais, caso esteja correta a hipótese de que Bolsonaro se tornará mais populista. "Lembremos que houve um aumento na gasolina e que a alta do dólar força para cima o preço de derivados no Brasil, um tema ‘politicamente exposto’ por assim dizer".
Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, comenta que, "se por um lado, para 2022, Bolsonaro ganha um inimigo natural, o que eventualmente favoreceria o incumbente, por outro Lula poderia ser o responsável pela aglutinação das esquerdas, com a formação da chamada 'frente ampla', com exceção do Ciro Gomes".
Nesta terça-feira, Lula fará um pronunciamento, às 13h30, no sindicato dos metalúrgicos do ABC em São Bernardo do Campo.
"As expectativas são para que, mesmo longe do pleito, Lula já se coloque como pré-candidato, sob a justificativa de estar atendendo os anseios da população, para livrar o Brasil do mal, bem como dito em vídeo que circula nas redes sociais do próprio ex-presidente", aponta Sanchez.
Para ele, a única certeza é que a incerteza com relação ao futuro, que já não era pequena, se eleva ainda mais com esse cenário e isso deverá ser refletido nos preços dos ativos, como ocorreu ontem. "Economicamente, o aumento da incerteza mina o crescimento, eleva o dólar e a inflação no curto prazo, bem como o juro", disse.
O estrategista Gustavo Cruz, da RB Investimentos, ressalta também que a possibilidade de o ex-presidente Lula se candidatar aumenta a polarização política, algo que, aos olhos do mercado, é o pior cenário.
"Com Lula no páreo, o espaço para surgir algum candidato com uma postura mais moderada, de centro, fica mais reduzido. Lula tem seus 20% de eleitores que não o abandonam por nada, Bolsonaro tem em torno de 20% também. Isso historicamente leva os dois para um eventual segundo turno", comenta Cruz.
Olhando para os setores na Bolsa, ele disse que as estatais tendem a sofrer mais nessa situação.
Segundo Henrique Esteter, da Guide Investimentos, com a oposição mais forte agora, o mercado teme principalmente o quanto o atual governo terá que abrir mão de medidas liberais e impopulares, ainda que necessárias para fazer o país crescer de forma sustentável, em prol de políticas mais populistas com efeito de curto prazo para tentar a reeleição.
"Esse cenário aumenta as preocupações com as questões fiscais e naturalmente vemos a curva de juros abrindo, o dólar estressando ainda mais e, consequentemente, a bolsa para baixo", destaca.
Apesar da alta volatilidade, Arhur Mota, economista da EXAME Invest Pro, disse que segue com projeção do dólar em 5,20 reais até o fim do ano, um pouco acima da expectativa do mercado medida pelo último relatório Focus, divulgado pelo Banco Central, de 5,15 reais.
Na leitura de Mota, para os próximos dias, o mais relevante vai ser ver se a PEC Emergencial será de fato votada amanhã com o mesmo texto que passou no Senado, o que seria positivo para a moeda. Por outro lado, pondera que uma alteração e possível atraso na votação seguiria dando suporte para esse patamar mais depreciado.
Ele aponta ainda que o poderia ajudar marginalmente também na próxima semana é a elevação da Selic por parte do BC, o que voltaria a aumentar o diferencial de juros domésticos e externos.
Turbulência exige cautela
Para o investidor, a turbulência, acima de tudo, exige cautela. A especialista em fundos Juliana Machado, da EXAME Invest Pro, ressalta que é importante que o investidor não haja simplemesmente no calor do momento, embarcando em uma onda de aversão ao risco.
"A primeira coisa que o investidor deve avaliar em momentos como esse é se as notícias alteram os fundamentos dos ativos que têm em carteira, para não acabar vendendo só porque está vendo outras pessoas indo nessa direção. Isso consequentemente leva às piores decisões possíveis", diz.
Além disso, ela enfatiza que esses cenários de maior estresse no mercado elevam ainda mais a importância do papel da diversificação e de proteções nos portfólios.
"Não tem jeito, para aguentar eventos como esse de forte volatilidade, só com diversificação e uma parcela do portfólio protegida do risco cambial. Uma pessoa com 100% em ações vai sentir muito esses momentos, porque não tem uma parcela da carteira descorrelacionada, que se comporta de maneira diferente do mercado acionário brasileiro", afirma.
"A reserva de emergência também se faz essencial para que o investidor não seja pego de surpresa nesses casos. Ela daria uma certa tranquilidade caso as ações se movessem para baixo".
Juliana comenta ainda que, para quem não tem nada de proteção no portfólio, pode ser interessante adicionar um pouco de fundo cambial mesmo com o dólar em alta.
"A proposta não é obter ganhos de capital com essa aplicação, mas justamente adicionar uma posição em dólar que vai descorrelacionar o portfólio. Ou seja, se uma pessoa está posicionada 100% em ações, ela está tomando um único risco, o da bolsa. Faz sentido que acrescente um pouco de dólar para proteger um pedaço da carteira".
Ela acrescenta ainda que, pensando no risco político, outra opção interessante para o investidor seria acrescentar um pouco de fundos de BDRs ou aplicar diretametente em BDRs, uma vez que teria uma dupla função, de estar exposto à variação cambial além de ser um ativo internacional, descorrelacionado do efeito Brasil.