Roberto Campos Neto: presidente do Banco Central e sua equipe já expressaram preocupação de que as expectativas de inflação estejam “se afastando” de suas meta (Wilson Dias/Agência Brasil)
Bloomberg
Publicado em 10 de fevereiro de 2023 às 15h59.
Os investidores estão alarmados com a escalada da disputa pelas metas de inflação do Brasil – e apostam que a busca do governo por dinheiro mais barato vai sair pela culatra.
Os mercados de ações cederam enquanto o dólar avançou na quinta-feira, depois que a Bloomberg News informou que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva pressiona por revisão antecipada das metas de inflação do país, com a intenção de aumentá-las.
Lula, que assumiu o cargo apenas no mês passado, passou as últimas semanas protestando contra a taxa de juros de 13,75% - a mais alta em seis anos - e contra a autonomia do Banco Central conquistada na lei há apenas dois anos. O presidente quer aumentar os gastos públicos para dar o pontapé inicial em uma economia que ainda patina.
Mas, na verdade, desde que Lula começou sua campanha de críticas, o mundo financeiro brasileiro passou a apostar em juros altos por mais tempo. Economistas consultados pelo BC adiaram em dois meses a previsão para o início do ciclo de afrouxamento monetário, para novembro. Alguns bancos de Wall Street estão ainda mais pessimistas, com o Credit Suisse Group AG prevendo o primeiro corte de juros apenas no terceiro trimestre do ano que vem.
Assim, as críticas à autoridade monetária por manter as taxas muito altas podem sair pela culatra – e, em vez disso, “aumentar o obstáculo” para o BC começar a baixá-las, diz Adriana Dupita, da Bloomberg Economics.
No Brasil, o Banco Central tem autonomia para implementar as políticas que julgar necessárias para cumprir as metas de inflação, mas não as define. Essa é a função do Conselho Monetário Nacional, órgão do governo formado pelos ministros da Fazenda e do Planejamento, além de Roberto Campos Neto, atual presidente do Banco Central.
Isso significa que Lula, por meio de seus membros de gabinete escolhidos a dedo, provavelmente terá a palavra final na decisão. Mas mesmo depois que o Banco Central não cumpriu as metas de inflação por dois anos consecutivos - para ser justo, a maioria de seus pares globais também ficou aquém - diluir a meta agora corre o risco de semear suspeitas de que o governo desistiu da luta.
“Não é um bom sinal”, diz Juan Prada, estrategista do Barclays. Mudar a meta de inflação em um momento em que os choques de preços ainda estão chegando e há tanta incerteza sobre os planos de gastos do governo “coloca o regime monetário em questão”, diz ele.
E uma consequência provável seria taxas de juros de longo prazo mais altas para levar em consideração a expectativa de que a inflação se manterá, o que não ajudará muito no crescimento e investimento que Lula preza.
Nada disso significa que as metas de inflação do Brasil – atualmente 3,25% para 2023 e 3% para os próximos dois anos – sejam necessariamente as corretas para sua economia.
Não há uma ciência precisa por trás da escolha de uma meta para a inflação e nenhum consenso sobre o nível apropriado. Nos Estados Unidos e em outras nações avançadas, por exemplo, muitos economistas de peso consideram as metas de 2% atualmente em vigor muito baixas.
“O Brasil conviveu com uma meta de 4,5% por muito tempo e de forma razoável”, diz Sergio Werlang, professor de economia que foi um dos arquitetos do regime de metas. Há um motivo para aumentá-la novamente agora, diz ele, embora seja melhor fazê-lo quando a perspectiva fiscal estiver “sob controle”.
Espera-se que Lula apresente um novo arcabouço fiscal para o país até abril, depois de receber sinal verde para uma despesa extra de R$ 168 bilhões (US$ 34 bilhões) este ano. Esse tipo de política expansionista normalmente aumenta a demanda – e os preços.
Aumentar a meta de inflação sugere que o governo se contentará com tal resultado, diz o ex-banqueiro central José Julio Senna. “Se o governo mudar a meta agora, sinaliza que não há muito apetite para os cortes de gastos necessários” para conter os preços ao consumidor, diz ele.
O CMN deveria se reunir até junho para tratar da meta para 2026. Mas a discussão pode agora ser antecipada, segundo a dois funcionários do governo com conhecimento do assunto. Também é possível que o CMN levante a discussão de mudar a periodicidade da meta, que deixaria de ser anual para se tornar constante.
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto – cuja equipe já expressou preocupação de que as expectativas de inflação estejam “se afastando” de suas metas –, é membro do CMN. Mas ele é superado em número por dois membros do governo Lula, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e a ministra do Planejamento, Simone Tebet.
Isso reflete o fato de que, no Brasil, o BC tem autonomia quando se trata de cumprir as metas de inflação, mas os políticos eleitos têm mais voz sobre quais devem ser essas metas. Neste momento, as insinuações sobre o aumento da meta são um sinal de que o governo Lula toleraria uma inflação mais alta, desde que permitisse taxas de juros mais baixas e crescimento mais rápido.
Essa ideia é familiar no Brasil. Era conhecida como a “nova matriz econômica” sob o governo de Dilma Rousseff na década de 2010, embora os esforços para turbinar a economia na época terminassem com uma inflação crescente e uma recessão profunda. As “políticas adotadas e anunciadas agora preenchem todos esses requisitos”, diz Alexandre Schwartsman, diretor do banco central durante o primeiro mandato de Lula.
Isso inclui a proposta de aumento da meta de inflação. Mesmo os economistas que apoiam metas mais altas normalmente argumentam contra fazer a mudança quando a inflação está disparando, porque então parece apenas uma admissão de fracasso. “A maneira de recuperar a credibilidade é trazer a inflação de volta à meta”, diz Schwartsman. Mudar o objetivo, diz ele, seria como dar um tiro no próprio pé.
Por Maria Eloisa Capurro, Martha Beck e Josue Leonel