Além da vitamina C: por que o suco de laranja se valorizou mais que o ouro
Em meio à pandemia, bebida é a commodity que mais sobe na bolsa de Nova York
Guilherme Guilherme
Publicado em 9 de maio de 2020 às 07h03.
Última atualização em 9 de maio de 2020 às 14h59.
De caixinha, garrafa ou natural, o suco de laranja ganhou espaço nas mesas durante a pandemia de coronavírus covid-19. Embora não existam evidências científicas de que o consumo da bebida pode ser eficaz na prevenção da doença, houve um súbito aumento da demanda pelo produto entre os meses de março e abril.
Nos Estados Unidos , país que mais consome suco de laranja no mundo, as vendas do produto aumentaram 44% entre meados de março e de abril, segundo dados da consultoria de pesquisas de mercado Nielsen. Foi justamente nesse período, que o produto, negociado na bolsa de Nova York, bateu suas máximas do ano, chegando acumular alta de 26,08%.
O suco de laranja é a commodity que mais sobe no ano, chegando a superar em quase duas vezes a valorização do ouro , um dos principais refúgios dos investidores em períodos de incertezas econômicas, como este. Até o fechamento de sexta-feira, 8, o metal precioso acumulava alta de 12,19% no ano, enquanto o suco de laranja já havia subido 22,8%. Como é negociada em dólares, em reais, a valorização do suco de laranja é de 75%.
Plinio Nastari, presidente da consultorias de commodities agrícolas Datagro, afirma que a valorização do suco de laranja tem relação direta com o covid-19. “A percepção do consumidor é a de que o suco de laranja é benéfico à saúde”, disse.
Mas o motivo do aumento da demanda pode ir muito além da vitamina C e do medo de contrair a doença, explica Ibiapaba Netto, diretor da Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos (CitrusBR). Segundo ele, o simples fato de mais pessoas estarem em casa pode ter aumentado a procura pela bebida, já que é onde é mais consumida.
“Em casa, as pessoas tomam mais café da manhã, que é onde está 75% do consumo do produto. É um hábito muito forte nos Estados Unidos, mas que vinha se perdendo nos últimos anos”, afirmou.
De acordo com o portal alemão de estatísticas de mercado Statista, o consumo de suco de laranja vinha em constante queda, nos EUA, desde a safra 2012/2013. Com relação à safra de 2008/2009, o consumo da bebida já havia caído 38,73%.
“Ao longo dos anos foi perceptível a redução do hábito de tomar café da manhã. Aquele velho ritual de quando todo mundo tomava café junto e o suco de laranja era uma das grandes estrelas da mesa diminui”, disse Netto.
O sinal de que o café da manhã passou a ganhar mais relevância durante a quarentena também é notado nas vendas globais de cereais matinais. Em seu balanço do primeiro trimestre, o grupo Kellogs, de marcas como Sucrilhos e Corn Flakes, informou um forte crescimento da receita em março. Na Europa, as vendas líquidas da companhia cresceram em níveis recordes de 6%.
Mas, mesmo após a pandemia, especialistas não esperam que o suco de laranja seja tirado da mesa tão rápido. Já considerando os efeitos da pandemia, dados do Statista mostram que o consumo mundial de suco de laranja deve crescer nos próximos quatro anos, chegando a um incremento de até 5,26% em 2024.
“A bebida pode ter sido apresentada para quem que não tinha o hábito de tomar suco de laranja, como os millennials. Pode ser que eles passem a tomar mais”, comentou Netto.
Maiores exportadores de suco de laranja, os produtores brasileiros devem se beneficiar tanto da maior demanda quanto da variação cambial. De acordo com dados da CitrusBR, no ano safra de julho de 2019 a março de 2020, as exportações de suco de laranja cresceram 18%. Mas Netto afirma que ainda é muito cedo para afirmar que a pandemia tenha impulsionando as exportações, devido à complexidade do mercado.
“A cadeia de suco de laranja é muito longa. Depois que o navio chega no destino, ele fica no terminal, onde o produto é vendido de caminhão a caminhão. Primeiro exporta, depois vende. Então é muito difícil analisar o dado mês a mês”, explicou o diretor da CitrusBR.