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10 anos após Fukushima, energia nuclear ressurge como fonte limpa. Será?

Europa decide se a fonte entrará no Green New Deal e China planeja 6 novos reatores, enquanto cientistas tentam desenvolver tecnologia mais segura

Segundo dados da Agência Internacional de Energia, as usinas ao redor do mundo ofertaram 2.600 TWh de eletricidade, ante 2.586 TWh em 2019 (Issei Kato/Reuters)

Segundo dados da Agência Internacional de Energia, as usinas ao redor do mundo ofertaram 2.600 TWh de eletricidade, ante 2.586 TWh em 2019 (Issei Kato/Reuters)

RC

Rodrigo Caetano

Publicado em 11 de março de 2021 às 06h00.

Há 10 anos, um terremoto no Japão fez o mundo lembrar dos perigos da geração nuclear de energia. O tremor de 9,1 graus na Escala Richter gerou uma série de tsunamis que atingiram em cheio o nordeste japonês, onde está localizada a usina de Fukushima. Algumas ondas chegaram a 40 metros de altura.

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Dos seis reatores, quatro ficaram alagados. A inundação causou uma falha nos geradores de emergência da usina, responsáveis por manter em funcionamento o sistema de resfriamento das turbinas. Em pouco tempo, três reatores derreteram com o calor. Nos dias seguintes ao acidente, 154.000 pessoas tiveram de ser evacuadas dos arredores.

Especialistas estimam que 18.000 terabecquerels (unidade usada para medir partículas radioativas) de césium-137 foram parar no Oceano Pacífico. O governo liberou a volta dos moradores da região há apenas três anos, mas muitos ainda não consideram seguro. Não se via algo parecido desde Chernobyl.

É no mínimo contraditório que, dez anos depois da tragédia, a energia nuclear esteja sendo considerada como uma alternativa “limpa” para a transição energética, cujo objetivo é reduzir a emissão de carbono e salvar o meio ambiente. Nas próximas semanas, é esperada uma decisão da Comissão Europeia sobre o descarte de resíduos nucleares. Dependendo do que ficar estabelecido, o urânio pode ser rotulado como um “combustível de transição” no escopo da nova política energética do bloco, parte do plano de retomada econômica Green New Deal.

A classificação permitirá que projetos de usinas nucleares acessem fundos garantidos por governos e relacionados aos 700 bilhões de euros reservados pelo bloco para investimentos em energias com baixa emissão de carbono -- apesar dos riscos, a geração nuclear, de fato, praticamente não emite carbono. Essa possibilidade interessa a países dependentes do carvão, como Polônia, República Tcheca e Bulgária.

Segundo dados da Agência Internacional de Energia, a geração de energia nuclear cresceu no ano passado. As usinas ao redor do mundo ofertaram 2.600 TWh de eletricidade, ante 2.586 TWh em 2019. Isso representa 10% da oferta global de energia e mais de 30% da produção de energia de baixo carbono.

Embora Fukushima tenha gerado movimentos de descomissionamento de usinas, com Alemanha, Bélgica e Suíça planejando desativar todos os seus reatores, a necessidade de se livrar das fontes fósseis, especialmente do carvão, faz alguns países olharem para a nuclear com mais carinho, fazendo vistas grossas para os riscos envolvidos.

Na semana passada, a China divulgou o seu 14º Plano de Cinco Anos, em que detalha algumas ações para cumprir seu compromisso de atingir a neutralidade em carbono até 2060. Como parte dos esforços, o gigante asiático pretende aumentar sua capacidade nuclear de 48GW para 70GW, até 2025. Isso vai requerer a construção de seis reatores.

Fusão para garantir a segurança

Em outra frente, cientistas estão avançando no desenvolvimento de uma tecnologia que pode, de fato, fazer da energia nuclear uma alternativa segura e viável para a economia de baixo carbono. A ideia é usar a fusão no lugar da fissão nuclear, como acontece atualmente. Em setembro do ano passado, foi iniciada a construção da primeira fase do reator, na cidade de Cadarache, no Sul da França.

O reator de fusão nuclear está sendo planejado e construído por meio de uma parceria entre Japão, Índia, União Europeia, Estados Unidos, Rússia, China e Coreia do Sul, desde 1985 --- quando a Rússia ainda era a União Soviética. Uma parceria inusitada, mas que deu certo: há 19 anos foi completado o primeiro rascunho do projeto.

Ao contrário de outras plantas do tipo, que utilizam a fissão nuclear, processo que quebra o núcleo dos átomos em dois menores, o reator batizado de ITER (que significa "o caminho" em latim) será responsável pela fusão nuclear, que consiste na combinação de átomos em altas temperaturas.

Para que a fusão nuclear aconteça é preciso manter uma temperatura de 150 milhões de graus celsius --- 10 vezes mais quente que o núcleo do Sol. O reator pesará 23 mil toneladas e é considerado o projeto mais complexo de engenharia na história da humanidade. Para a construção, serão necessárias 3 mil toneladas de ímãs, que serão conectados a cabos supercondutores de 200 quilômetros, mantidos a uma temperatura de -269ºC.

Apesar de complexo, o processo praticamente não gera lixo radioativo. Se for bem-sucedida, a iniciativa pode mudar por completo o mercado de energia e a economia, já que a humanidade terá uma fonte praticamente inesgotável de eletricidade. Mas, enquanto isso não acontece, é preciso decidir se vale a pena apostar em uma geração de baixo carbono, mas que, caso alguma coisa dê errado, pode causar danos ambientais e sociais incalculáveis. Talvez seja melhor esperar um pouco.

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