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Gol: assembleia da Smiles pode virar palco de negociação para fusão

Depois de discussão acalorada em teleconferência, resta saber se minoritários vão se organizar em torno de preço viável

Gol: companhia gera a passagem aérea, que representa 90% dos pontos consumidos pela Smiles (Germano Lüders/Exame)

Gol: companhia gera a passagem aérea, que representa 90% dos pontos consumidos pela Smiles (Germano Lüders/Exame)

GV

Graziella Valenti

Publicado em 11 de março de 2021 às 10h38.

Última atualização em 11 de março de 2021 às 19h15.

Esses próximos dois pregões desta semana vão definir o clima da assembleia de acionistas da Smiles  da próxima segunda-feira, dia 15. A temperatura do encontro promete ser bem mais quente do que a marcada nos termômetros da teleconferência realizada na manhã de quarta-feira, dia 10, pela Gol. A conversa foi convocada para que a empresa aérea defendesse a incorporação da companhia de fidelidade. Quem participou saiu crente que o sangue ferveu, em um acalorado debate entre Felipe Pascowitch, da Mirae Asset Management, e Richard Lark, vice-presidente financeiro e de relações com investidores da Gol.

A, assembleia pode ser a oportunidade de negociação que faltou até o momento para os acionistas de mercado da Smiles e a gestão da Gol alcançarem um consenso de preço. Por isso, quente, fervendo. A Gol, para quem conhece a companhia e suas mentes, vai entrar no encontro (que será virtual) ciente de seus limites e tetos — até a casa da vírgula — e atualizados pela piora na pandemia. A dúvida é se os minoritários vão se organizar nesse sentido até lá e como os preços de bolsa podem influenciar tudo isso. Fácil, não será. Mas fontes próximas à operação acreditam que é possível um acordo.

Se o humor de mercado azedar, a proposta da Gol pode ficar mais atrativa, pois há duas possibilidades de pagamento e uma delas é 80% composta por dinheiro, que vira rei na hora do estresse (o restante são ações da empresa aérea). Seria um facilitador da aprovação e um atenuante para discussões. Até agora, a volatilidade dos últimos dias dificulta essa análise. No pregão de ontem, por exemplo, o prêmio implícito na oferta da Gol iniciou o dia em 10% e terminou pouco acima de 4%.

Nesse momento, quem trabalha de perto com a transação acredita que existe chance de a incorporação ser aprovada nos termos atuais, mas que o resultado ainda não está totalmente garantido. Para complicar, as duas empresas de recomendação de voto, ISS e Glass Lewis se dividiram nas conclusões. Enquanto ISS sugere voto contra a proposta, a Glass Lewis recomenda a favor.

Na Smiles, cerca de 60% das ações de mercado estão com estrangeiros, os mais influenciados pelas agências de recomendação para assembleias.

Está nas mãos dos minoritários da Smiles decidir — sem o voto da Gol, que possui 52,6% do capital da empresa — se aceitam ou não serem incorporados nas condições oferecidas em dezembro do ano passado, antes dessa piora relevante no cenário da pandemia no Brasil. É, praticamente, a quarta tentativa. Nessa proposta, a Smiles foi avaliada em R$ 2,77 bilhões, e a Gol, em R$ 9,625 bilhões.

Ontem, Lark, da Gol, deu um recado claro de que prefere realizar a incorporação  como forma de resolver um problema que entende prejudicar sua estratégia comercial e financeira de forma relevante —  frente às concorrentes e em termos absolutos.

Os acionistas da Smiles podem receber R$ 17,86 mais 0,165 ação da Gol ou R$ 4,46 e 0,66 ação da empresa aérea. Ontem, isso era equivalente a R$ 21,4 ou R$ 18,6, ante aos R$ 20,5 do fechamento de companhia de fidelidade.

Mas, o executivo também afirmou com todas as letras que, se não houver outra forma, pode partir para uma renegociação do contrato comercial assinado com a Smiles em 2012, como parte dos preparativos para a oferta pública inicial (IPO) que levou a empresa de fidelidade à B3, em 2013. É desse contrato que saem as margens da Smiles.

Para alguns, pode soar como ameaça — Pascowitch chegou a perguntar se era o caso —, mas no modo americano isso é apenas "transparência". Tudo dito, todos avisados. O EXAME IN antecipou, na semana passada, que essa era uma alternativa avaliada pela companhia aérea.

O contexto dessa negociação é longo. O capítulo da incorporação começa em outubro de 2018, quando foi feito o primeiro comunicado da Gol sobre esse plano de fusão dos negócios. Nele, a empresa já afirmava que não tinha interesse em manter o contrato atual, cuja duração está prevista até 2032.

O clima da teleconferência de ontem foi influenciado por uma frustração de ao menos parte dos acionistas da Smiles presentes ao debate: a expectativa de que a Gol faria ali uma oferta maior. Ledo engano. Ao contrário, foram informados a respeito de como a empresa aérea vê o tema e que a situação pode ficar mais difícil, para todos, sem a transação.

Pascowitch, da Mirae, decidiu, então, apontar a decepção histórica com a operação e fez críticas à governança do grupo. Lark, no melhor estilo americano direto, mais exatamente nova-iorquino,  questionou se o gestor estava fazendo um discurso ou se tinha alguma dúvida.

Foi criado o climão, em especial para quem não está habituado com o jeitão de Lark, que não gosta de jogar conversa fora e vai sempre direto ao ponto.  Além disso, o executivo é do tipo que não está disposto a mostrar quanto pode pagar por algo sem saber quanto o mercado entende que aquilo vale, até o último momento. Mas sabe na ponta do lápis o que faz sentido para ele.

Até agora, não houve a formação de um grupo de investidores da Smiles com fatia suficientemente relevante para definir o jogo — ou influenciá-lo bastante — para se colocar em posição negocial com a Gol. Ou, melhor dizendo, com Lark. Por isso, há quem acredite que a assembleia pode ser o palco que faltava para isso ocorrer.

A Esh Capital, antes Samba Investimentos, é das principais críticas e tenta inclusive arregimentar votos contrários, por meio de procurações. Argúcia e Mirae também não gostam das condições, mas essa última não está entre as 100 maiores acionistas. A Esh chegou a ter influência, junto com outras pequenas posições, perto de 15% do capital em circulação, mas essa posição caiu para 10%.

Ontem, na B3, a Smiles terminou o dia avaliada em R$ 2,55 bilhões, enquanto a Gol encerrou em R$ 7,6 bilhões. A primeira vez que a companhia aérea tentou incorporar sua controlada de programas de fidelidade, em 2018, a relação era praticamente inversa, ainda que em proporções menores. Smiles valia mais do que a Gol.

Sem dívida, sem passivo, acíclica, a companhia tinha recorrentemente, desde sua abertura de capital em 2013, um lucro líquido parrudo, distribuía gordos dividendos e bônus aos seus executivos e era uma das queridinhas do mercado. Chegou a valer perto de R$ 10 bilhões na bolsa.

Tudo isso até a Gol perceber — junto com diversas outras companhias aéreas — que ter a companhia de fidelidade separada não fazia sentido. O principal produto da Smiles é a Gol quem produz — os vôos, que representam 90% da troca de pontos. Mas quem investe nos aviões é apenas a Gol. Além disso, trata-se de um setor altamente cíclico, e nada disso se reflete nas condições acertadas com a Smiles.

Hoje, o grupo é o único que ainda tem as operações separadas. Quando a Latam incorporou a Multiplus em 2018, também disse que não renovaria as condições comerciais, se a transação não avançasse.

A diferença é que o contrato da Multiplus estava, na época, muito mais perto de vencer. O acordo entre Gol e Smiles foi desenhado em 2012, e nele trabalharam principalmente Flavio Vargas, então executivo da companhia aérea, e o genial Martin Escobar, da General Atlantic, que ancorou o IPO da empresa de fidelidade. Vargas, pouco tempo depois, tornou-se diretor financeiro da Smiles.

Lark, na época, estava no conselho de administração da Gol. Presente no grupo desde o berço da operação em aviação, se afastou das funções executivas entre 2008 e 2016, quando retornou, já para a atual posição.

Em meio à pandemia do novo coronavírus, tudo ficou muito mais sensível. “Quando vai tudo bem, ninguém vê os problemas. Mas, no meio de uma pandemia, as falhas se tornaram potenciais rachaduras, até se tornarem buracos que podem engolir a todos”, define uma pessoa próxima à situação, que vê risco de prejuízos importantes para as atividades separadas devido às pressões no setor aéreo com a crise gerada pela covid-19.

O entendimento é que, de cada R$ 1 real que a Gol gera com a venda de passagens, ao menos R$ 0,15 fica na Smiles. O contrato entre as empresas impede flexibilidade de posicionamento comerciais diversos pela companhia aérea, enquanto a empresa de pontos acumula dinheiro em sua operação.

No ano passado, R$ 1,5 bilhão do caixa da Smiles foram usados para compras antecipadas de passagens da Smiles em condições ainda melhores, como forma de melhorar a liquidez. Pouco tempo se passou, e a empresa já tem outro R$ 1 bilhão retido, enquanto a Gol volta a contar dinheiro diante da piora na pandemia.

A expectativa é que a operação possa gerar entre R$ 500 milhões e R$ 700 milhões a mais de Ebitda à Gol, e que além disso, haveria uma sinergia fiscal com economia da ordem de R$ 150 milhões em impostos pagos pela Smiles.

Pelo visto, daqui até segunda-feira, na assembleia, há muito para acontecer. Mas, a depender do que ocorrer no próprio encontro, é possível que a definição fique mais à frente — seja por uma negociação de ajustes de preços, o que consumiria alguns dias a mais, seja porque Gol e Smiles terão, entre as administrações, uma dura conversa no futuro, que sabe-se lá quanto tempo pode levar, enquanto ambas perdem valor.

Se por um lado a Gol quer pagar sempre menos pela Smiles, por outro, não houve organização na empresa de milhagem de forma a defender seu valor dentro do contexto de grupo e não apenas de forma isolada. Se, por hipótese, a pandemia tivesse levado à Gol a uma recuperação judicial no ano passado, o acordo com a Smiles, um passivo, se transformaria em pó, e teria de ser todo reestruturado.

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