Real Digital tem previsão de lançamento para o público no final de 2024 (Reprodução/Reprodução)
Repórter do Future of Money
Publicado em 7 de julho de 2023 às 19h16.
Última atualização em 17 de julho de 2023 às 11h20.
O projeto de criação do Real Digital iniciou neste semestre a segunda etapa de seu desenvolvimento, a fase de testes com um piloto. Nela, será desenvolvida toda a infraestrutura que permitirá o funcionamento da moeda digital de banco central (CBDC, na sigla em inglês), além da sua emissão e um teste de caso de uso de negociação de título do Tesouro tokenizado.
Em entrevista à EXAME, Thamilla Talarico, sócia-líder de blockchain e cripto da EY, destacou que o principal desafio para essa fase do projeto deverá ser a garantia de privacidade dos futuros usuários, em especial pensando na expansão da moeda digital para redes públicas de transações. Por isso, ela espera que esse seja um dos focos do Banco Central nos próximos meses.
Além disso, a especialista destaca que o Real Digital possui um amplo potencial de incrementar e incentivar a democratização do sistema financeiro nacional ao servir como um impulsionador do processo de tokenização da economia, em que ativos do mundo real são inseridos em blockchains e ganham versões virtuais, com negociação, controle e transferência facilitados.
Talarico avalia que a questão da privacidade no projeto envolve conseguir "respeitar o que tem de regras existentes hoje em relação à privacidade, proteção de dados, envolvendo LGPD e sigilo bancário, mas sem perder os ganhos de programabilidade do dinheiro". A programabilidade permitirá não apenas programar transações do ponto de vista temporal mas também estabelecer condições que precisam ser cumpridas para que um pagamento seja realizado.
Nesse sentido, ela destaca que garantir a privacidade no uso de blockchains públicas será "um grande desafio", precisando conciliar uma demanda de legislação com uma realidade diferente no ambiente cripto. Ela explica ainda que o Banco Central já estuda o tema e vai selecionar algumas opções de ferramentas que possam garantir essa privacidade nas redes. A EY, por exemplo, lançou uma ferramenta com esse objetivo, a Starlight, e está na disputa pela seleção da autarquia.
Ao mesmo tempo, Talarico pondera que existem algumas questões que são desafios para o Real Digital e ainda não estão sendo devidamente observadas, até por não serem o foco do piloto. Uma delas envolve a governança do blockchain escolhido para basear a infraestrutura do projeto. Além disso, há a necessidade de avaliar a escalabilidade efetiva que a rede conseguirá oferecer.
"Passada a discussão de privacidade, o Banco Central vai precisar pensar nessas duas coisas, e ainda não estão sendo endereçadas", pontua a executiva. Ao mesmo tempo, ela acredita que o potencial da CBDC brasileira de destravar a tokenização da economia também vai depender de avanços na questão regulatória para a área, que não foram totalmente resolvidas.
"A legislação não avança tão rápido quanto o desenvolvimento tecnológico. Tudo pode ser tokenizado, representado digitalmente e fracionado, mas nem tudo pode ser ofertado no formato de token ou ativo tokenizado, especialmente quando a gente pensa em ativos que continuam representando valor mobiliário", explica a executiva da Ernst & Young.
O lançamento do Real Digital está previsto para o fim de 2024. A executiva acredita que ele será a "plataforma de liquidação da economia tokenizada. Quando pensa em blockchains, para fazer a liquidação do novo produto hoje, precisa de uma moeda que seja própria desse universo. A ideia é reduzir riscos sistêmicos, evitar receios, com o regulador criando uma infraestrutura própria. Isso dá mais segurança e facilita esse processo".
Na visão de Talarico, o Real Digital realmente possui o potencial de ser um "Pix dos serviços financeiros", como prometido pelo Banco Central. Entretanto, diferentemente do Pix, com quem a sociedade interage diariamente, o Real Digital "não vai chegar na carteira da população". "O que vai chegar é o Real Tokenizado, da sua instituição de pagamento".
"O Real Digital traz como potencial ser uma nova infraestrutura de mercado financeiro para liquidação da economia tokenizada. É uma plataforma propícia para liquidação nativa da economia tokenizada, nativa digital. Hoje, você precisa usar ou stablecoins ou métodos de conversão de moedas para liquidar todos esses serviços do universo tokenizado, e essas opções trazem riscos inerentes", afirma a executiva.
Ela destaca que a CBDC funciona como uma "nova expressão da moeda fiduciária, com liquidação mais simples para toda a cadeia". Por isso, "o grande benefício que a sociedade vai ter é a questão de democratização e inclusão financeira, porque a economia tokenizada, as instituições, passam a poder oferecer novos produtos e serviços que antes não conseguiam. É uma democratização do acesso a crédito e ao investimento".
Ao mesmo tempo, as empresas conseguirão ter um acesso ao universo cripto mais regulado, com mais segurança e menos risco, o que deve incentivar empresas tradicionais a entrarem nesse espaço da economia tokenizada. O projeto destaca esse esforço de atração de empresas ao ter como um focos o próprio atacado.
"Cada modelo de CBDC busca resolver um problema inerente à sua jurisdição. No Brasil, a CBDC de varejo foi descartada porque elas focam em pagamentos instantâneos, e já temos o Pix, já é um problema bem resolvido. Nossa CBDC não é exclusivamente focada no atacado, tem essa perna, mas é híbrida, o Real Digital só roda entre bancos e o Banco Central, mas traz o Real Tokenizado para poder fomentar novos modelos de negócios", destaca.
Nesse sentido, ela destaca que o Brasil está entre os países mais avançados no mundo no desenvolvimento de moedas fiduciárias digitais. Na América Latina, por exemplo, "nenhum outro país está perto de olhar para isso". O foco no atacado também faz com que o projeto do Real Digital ganhe mais particularidade: "O Brasil está muito avançado na sua CBDC pensando na América Latina e a nível mundial. É uma CBDC referência a nível global".
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