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Mercado Bitcoin vai "seguir brigando" por regra para separação de fundos de clientes

Em entrevista exclusiva à EXAME, executivos da corretora destacaram a necessidade de adaptar regulação para o mercado cripto

Mercado Bitcoin defende segregação patrimonial no mercado cripto (Reprodução/Reprodução)

Mercado Bitcoin defende segregação patrimonial no mercado cripto (Reprodução/Reprodução)

João Pedro Malar
João Pedro Malar

Repórter do Future of Money

Publicado em 30 de junho de 2023 às 19h01.

Última atualização em 30 de junho de 2023 às 19h18.

Criado em 2013, o Mercado Bitcoin é uma das mais antigas corretoras de criptomoedas em operações no Brasil. Com o passar dos anos, a empresa foi se expandindo e diversificando seus negócios. Hoje, é a MB, trabalhando em áreas como tokenização, infraestrutura cripto e negociação. Recentemente, a exchange também presenciou um passo importante para o setor: a aprovação do Marco Legal das Criptomoedas, uma regulamentação específica para cripto.

A lei entrou em vigor em 20 de junho, poucos dias depois de o MB ter obtido uma licença junto ao Banco Central para lançar uma instituição de pagamento, a MB Pay. Ainda em junho, a empresa também obteve uma autorização do BC de Portugal para atuar como custodiante de ativos virtuais. Os avanços da empresa simbolizam a aproximação crescente entre reguladores e o mercado cripto.

Mas ainda há mais para ser feito. Em entrevista exclusiva à EXAME, Roberto Dagnoni, chairman da 2TM ⏤ holding controladora do Mercado Bitcoin ⏤ e Vanessa Lopes Butalla, head jurídica da 2TM, exaltaram os avanços do MB e a nova regulamentação brasileira, mas destacaram que alguns temas ainda precisarão ser debatidos. Um deles é a segregação patrimonial, que ficou de fora do marco mas que ainda é defendida pela empresa.

Regulamentação de criptomoedas

Roberto Dagnoni destaca que a importância da regulamentação é oferecer as "regras do jogo" que precisarão ser cumpridas por todas as empresas do mercado, incluindo elementos como prevenção de lavagem de dinheiro e financiamento de terrorismo e métodos de KYC, sigla em inglês para "conheça seu cliente". O principal problema do setor no momento, avalia, é que há uma "ausência de sanções para quem não cumpre esse básico. Fica uma lacuna para que atividades ilícitas sejam praticadas usando cripto, e quando estouram os escândalos é tarde demais".

"É ruim para o setor quando a cripto é usada como chamariz para tirar dinheiro das pessoas. Isso atrapalha mais que o regulador fazendo o trabalho dele", pontua o executivo. Por isso, ele espera que as regulamentações trazidas pelo Marco Legal das Criptomoedas não apenas tragam mais segurança para os consumidores como também evitem escândalos e ajudem a imagem do mercado.

Agora, caberá ao Banco Central e à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) definir as regras específicas que o setor precisará seguir. No caso da CVM, Dagnoni defende que é importante que a autarquia "crie regras específicas para blockchain, e não enquadrar em crowdfunding ou como securitizadora, porque é uma inovação tecnológica, que não cabe em modelos de negócios criados há muitas décadas".

Ele ressalta que o marco trouxe "pilares" que o setor precisará seguir, em especial de KYC e transparência sobre capacidade de investimento de clientes, dinâmicas de operabilidade e infraestrutura de tokenização e posterior oferta. Mesmo assim, ele considera que foi negativo a retirada da segregação patrimonial do texto aprovado.

A prática envolve a exigência de separação dos fundos dos clientes com os da empresa, evitando o uso indevido e mistura. Dagnoni ressalta que o caso da falência da FTX ⏤ que chegou a ser a segunda maior exchange do mundo ⏤ é um exemplo do "perigo da falta de segregação": "Um dos grandes blocos que levaram à implosão foi o mau uso, mistura de recursos de clientes com recursos corporativos e um uso de forma irregular. Vai ser muito danoso se tiver avanço [da regulação] sem isso, mas esse processo pode ocorrer em duas etapas, e é superpositivo que todo o resto ocorra".

O chairman da 2TM ressalta, porém, que a empresa vai "seguir brigando" para que a segregação se torne obrigatória no setor. Vanessa Lopes Butalla explica que, no momento, o Banco Central ⏤ responsável por criar as normas para empresas de cripto ⏤ entende que "tem uma limitação legal, porque a competência atual seria para dispor de forma infralegal sobre segregação de moeda, e ativos digitais não são moedas. Então sem receber a competência legal atualizada, não poderiam pedir a segregação no infralegal".

Ela afirma que isso reforça a importância do Congresso avaliar projetos de lei sobre o tema. Enquanto isso, porém, há formas de o Banco Central incentivar a segregação, mesmo sem exigi-la. "Ele pode estimular por exemplo critério diferentes de requisitos de capital social e governança para quem pratica segregação, incentivos. Ainda que não tenha a obrigação, ainda é importante a entrada em vigor da lei pelo motivo de evitar a arbitragem regulatória".

"O Banco Central tem sinalizado que está pensando a regulamentação para o setor com uma 'cabeça de base zero', uma nova regulação para um mercado total novo, com tecnologia nova e novos modelos de negócios e produtos. É uma visão bastante importante, que acomoda a novidade e o poder de disrupção das criptomoedas", pontua.

No caso da CVM, Butalla diz que o principal ponto de discussão será a definição do que é um valor mobiliário, e quais criptoativos se enquadram ou não na categoria. Quando esses casos ocorrerem, ela afirma que será preciso que o regulador "crie uma regulação que se adeque à novidade da tecnologia, sem força um enquadramento exato na legislação atual, porque é uma tecnologia e um modelo de negócios novos, que não se encaixa perfeitamente no que existe. Precisa ser bem adaptado".

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Brasil e Portugal

Segundo Dagnoni, o Mercado Bitcoin é uma das poucas corretoras de criptomoedas que conseguiram licenças diferentes para operações por parte de dois bancos centrais. No caso do Brasil, o Banco Central vai ser responsável por emitir licenças de operação para exchanges, mas apenas depois que as normas infralegais forem definidas. Enquanto isso, a empresa já obteve a licença de instituição de pagamento.

Enquanto isso, fazer comparações sobre as normas exigidas em Portugal e o ambiente regulatório brasileiro "fica difícil". "O que dá para falar de positivo é que o Banco Central foi escolhido como regulador e foi ter colocado o conceito de Vasp [Provadora de Serviços com Ativos Virtuais], que entendo como o melhor conceito globalmente para cripto", destaca.

A ideia da Vasp envolve tanto as atividades de corretora quanto de bolsas, ambas exercidas pelas exchanges no mundo cripto. Ao mesmo tempo, respeita o fato que "blockchain tem uma lógica distinta dos mercados tradicionais". No caso de Portugal, existem dois tipos de licença, uma para os serviços de exchange ⏤ focada na atividade de transações de cripto por cripto ou de cripto para moeda fiduciária ⏤ e outra para a de custodiante digital.

"Nas duas, o regulador tem um foco bastante importante na prevenção da lavagem de dinheiro e combate ao terrorismo, de explicar as práticas da empresa para isso, e entender quem são administradores, gestores, acionistas e beneficiários finais, além da origem de recursos e infraestrutura", explica Butalla. O Mercado Bitcoin foi uma das três primeiras empresas a obterem a licença de exchange, e agora obteve a de custodiante em menos de dois meses, um recorde.

Entretanto, o próprio quadro regulatório de Portugal pode mudar. O motivo é que a União Europeia caminha para finalizar a aprovação do MiCA, um conjunto de regras que o setor cripto precisará seguir em todo o bloco e que deve entrar em vigor entre 2024 e 2025. Mesmo assim, a executiva explica que "a expectativa é que exista um processo de ratificação das autorizações" já obtidas.

"Ainda não está absolutamente claro quais seriam as regras no MiCA para afirmar se vai ficar tudo igual ou não, mas é uma expansão da autorização concedida hoje. O MiCA vai permitir que a gente atenda clientes de todos os outros países. Hoje a gente consegue isso, mas ficamos limitados porque não pode ofertar proativamente serviços nesses outros países, como com propaganda. O MiCA dá uma licença semelhante ao do sistema financeiro, podendo atender e ofertar", explica Butalla.

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