ETFs deram a legitimidade que as criptomoedas precisavam, diz líder global da Binance
Em entrevista exclusiva à EXAME, Vishal Sacheendran elogiou adoção de cripto por brasileiros, com "grande conhecimento" sobre o setor
Repórter do Future of Money
Publicado em 23 de setembro de 2024 às 09h30.
O lançamento dos ETFs de bitcoin e de ether nos Estados Unidos em 2024 deram a "legitimidade" que o mercado de criptomoedas precisava, mas sem competir com as corretoras. A análise foi compartilhada por Vishal Sacheendran, head de Mercados Regionais da Binance, em entrevista à EXAME em Singapura, a primeira do executivo a um veículo brasileiro.
O executivo, que é um dos principais líderes da maior corretora de criptomoedas do mundo, avalia que os ETFs foram capazes de trazer os investidores institucionais para o mercado, o que "deu a cripto a legitimidade que precisava, de ser vista como uma classe de ativos como qualquer outra".
"Antes, tínhamos CEOs de grandes empresas dizendo que o bitcoin era um golpe, e agora algumas dessas mesmas empresas, gestoras, estão lançando seus ETFs", ressalta. Mesmo assim, ele afirma que esse crescimento não tem impactado a capacidade das exchanges de atrair investidores e capital, pelo contrário.
"Nosso números cresceram após o lançamento dos ETFs", destaca. Dados da Binance apontam que, na comparação entre os números acumulados até setembro de 2024 com todo o ano de 2023, houve umcrescimento de 11% no número de novos usuários, representando 45 milhões de novos investidores.
Os ativos dos usuários na corretora tambémcresceram 33% na comparação com o final de 2023, mais de US$ 26 bilhões, e o volume de negociações por investidores institucionaisaumentou 60%na comparação com o ano passado. Por isso, Sacheendran disse que projeções de que os ETFs "roubariam" investidores das corretoras se provaram erradas.
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De stablecoins a CBDCs
Com a responsabilidade de monitorar a atuação e o crescimento da Binance em diversos mercados ao redor do mundo, o executivo também apontou alguns elementos mais característicos de mercados específicos. Na América Latina, por exemplo, há um grande uso de stablecoins, criptomoedas pareadas a outros ativos, com destaque para o dólar.
Na visão de Sacheendran, "a estabilidade econômica dos países, ou falta dela, tem muito a ver com a adoção de stablecoins. A alta desvalorização da moeda nacional resulta nesse interesse, assim como uma falta de confiança nessas moedas nacionais".
"Se olha em algumas partes do mundo, em geral as pessoas usam cripto como uma classe de ativos para negociar, como ações, então as pessoas que investem são as que entendem o mercado, o funcionamento, e os projetos. Outro diferencial está na Ásia e no Oriente Médio, em que o uso de cripto como forma de pagamentos é maior. É um uso para o bitcoin depois do investimento", pontua.
Questionado sobre o avanço dos chamados RWAs - os "ativos do mundo real" tokenizados em redes blockchain - ao longo de 2024, o executivo da Binance disse que a exchange está "observando" os projetos, mas "ainda achamos que está cedo para dizer que vamos tê-los na exchange. Alguns podem ser considerados valores mobiliários, e não somos uma corretora de valores mobiliários".
Já sobre as moedas digitais de bancos centrais ( CBDCs, na sigla em inglês), ele diz que vê vantagens no uso futuro dessas moedas principalmente para o segmento de fintechs, mas pontua que ainda não sabe "o quão eficiente elas vão ser na comparação com as criptomoedas".
"As CBDCs vão contra o ethos de descentralização do mundo cripto, e nas mãos erradas os dados delas podem ser usados pelas pessoas erradas. Por isso, é preciso ser muito cuidadoso com esses projetos. Ainda precisamos ver se as CBDCs realmente serão merecedoras de uso e confiança. Hoje, as pessoas confiam no bitcoin, mas não nas CBDCs", afirma.
Cripto ao redor do mundo
Na visão de Vishal Sacheendran, o nível de adoção de criptomoedas por um país pode ser analisado por diferentes critérios. Um deles é a "liberação regulatória": "Alguns reguladores regulam, outros proíbem e outros esperam e assistem". Em seguida, é preciso levar em conta também o grau de acesso a internet no país, "como o público tem acesso à internet, se é barato, se as pessoas tem acesso a aparelhos mobile".
É preciso, ainda, levar em conta a divisão demográfica da população, com foco no tamanho da população jovem do país e o grau de conhecimento sobre tecnologia que ela tem. "Antes dos ETFs, de 80% a 90% das pessoas que adotaram cripto eram jovens. É onde a nossa base de usuários está", explica o executivo.
Levando em conta esses fatores, Sacheendran vê alguns países como destaque. Três estão na América Latina: o Brasil, El Salvador e a Argentina, que combinam populações com alto conhecimento sobre cripto e reguladores amigáveis ao setor. No caso de El Salvador, "o governo tem uma visão diferenciada e transformou o bitcoin em moeda legal ".
Já em relação ao Brasil, ele destaca um elevado grau de conhecimento dos investidores brasileiros sobre o setor. "Você encontra comunidades em que as pessoas segue uma onda, mas eles [os brasileiros] não, eles realmente entendem os projetos, o que vai ajudar, como vai ajudar, e eles discutem muito sobre. É incrível de ver. Pode ver que a paixão existe na comunidade".
Outro exemplo positivo é a Indonésia, que segundo Sacheendran "atinge todos os critérios" citados por ele na avaliação de adoção. "É um movimento puxado pelo governo, que agora está regulando o setor. Sempre ficaram de olho em cripto e a população tem aceitado bem", comenta.
Há, ainda, a Índia, que ele acredita ser o "gigante que acabou de acordar", devido a uma nova postura do governo, mais favorável ao setor. "O país possui uma média de 300 milhões de usuários em aplicativos de apostas ou fantasy games. É um mercado que vai crescer muito. A Índia sempre foi importante, se não não teríamos gasto tanto tempo e energia no país", pontua.
Por fim, ele cita também os governos dos Emirados Árabes Unidos e do Bahrein como exemplos positivos, em que o apoio do governo e a regulação tem ajudado a indústria de criptomoedas a crescer. E, apesar de não citar países específicos, o executivo também aponta quais fatores costumam retardar a adoção de cripto.
"Alguns países não entendem o produto. Precisa saber o que é, ter contato com as pessoas de tecnologia. E a maioria dos reguladores não tem essa presença de pessoas que entendem. O conhecimento é um ponto central. Alguns reguladores gostam mais de dizer ao invés de perguntar. Precisa estar junto com a indústria para criar essas políticas. É uma questão de atitude e falta de conhecimento", afirma.
Do lado da Binance, ele ressalta que "a meta é ajudar o setor a chegar a 1 bilhão de usuários globais. A meta é chegar a isso trabalhando com reguladores e usuários. Quero que as pessoas entendam blockchain antes de investir em cripto. Ter um esforço educacional, em contato com reguladores, é importante.Mas quero que blockchain esteja no ensino básico da escola, na educação financeira mais básica".