Nova fase da internet incluiria tecnologia blockchain e criptomoedas (metamorworks/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 27 de julho de 2022 às 16h31.
Última atualização em 29 de julho de 2022 às 11h03.
O próximo passo da internet, chamado de Web 3.0, é possivelmente um dos temas que mais têm recebido atenção da mídia e dos fundos de capital de risco hoje, movimentando bilhões de dólares na criação de veículos de investimento focados em empreendimentos relacionados ao tema.
Basicamente, estamos falando de uma visão e um conjunto de princípios que apontam para uma internet mais descentralizada, onde o indivíduo tem maior controle sobre seus próprios dados e a governança é mais aberta e transparente. Além disso temos, de forma nativa nesse sistema, componentes transacionais e de infraestrutura próprios vindos do mundo cripto, como a “programabilidade” de ativos digitais, conectando e integrando todo o potencial de inovações como finanças descentralizadas (DeFi), Smart Contracts, NFTs, dentre outras.
O frenesi, sobretudo por parte dos investidores, é grande e vem inflando o valor de mercado de várias iniciativas que decidiram abraçar o mote dessa nova Web, sob a promessa de transformar mercados inteiros conforme avançam no desenvolvimento de suas soluções. É comum ouvir relatos de empreendedores que, entre 2021 e meados de 2022, alteraram seus discursos (ou até mesmo pivotaram) em direção à Web3 e passaram a ser percebidos de forma diferente por alguns fundos de venture capital — algumas vezes até levantando mais recursos do que imaginavam inicialmente.
Até mesmo Adam Neumann, o polêmico fundador do WeWork, levantou um cheque de US$ 70 milhões com o fundo Andreessen Horowitz para uma startup de créditos de carbono tokenizados que incorpora esse discurso. Fatos como esse evidenciam que a vontade dos VCs em entrar nessa tese é grande — e o medo de ficar de fora (também conhecido como FOMO — Fear of Missing Out) é ainda maior.
Dando um passo para trás, encontramos a encarnação atual da rede, chamada de Web2, criticada pelos adeptos da nova Web por estar centralizada nas mãos das bigtechs que prestam serviços em troca dos dados pessoais de seus usuários, além de levarem uma grande parte das receitas produzidas pelos geradores de conteúdo que utilizam suas plataformas.
Essa dinâmica de funcionamento, e seus elementos, também se transpõe para os diferentes segmentos que se adaptaram a esse contexto para ofertar soluções em mercados como finanças, logística, mídia etc. Por outro lado, é importante termos clareza de que há também benefícios nessa realidade, afinal, atingiu-se um elevado estado de experiência do usuário e escala por parte de diferentes negócios da Web2 — e eles não vão mudar do dia para a noite, jogando fora toda essa jornada de desenvolvimento para se adequarem a uma nova internet que ainda está tomando forma e mostrando a que veio.
Há uma transição em curso e é justamente nela onde residem iminentes oportunidades, algo que preparará empresas, investidores e usuários para a futura virada de chave que veremos no mercado. Foi assim na mudança da Web1 (estática, limitada e pouco interativa) para a Web2 — e não será diferente desta vez.
Entre o status quo e a disrupção completa de mercados inteiros (levando à criação de novíssimos modelos de negócios e a morte de outros tantos) existem muitas oportunidades em utilizar alguns dos conceitos e peças desse mercado (combinando centralização e descentralização) para reduzir custos e aumentar a velocidade e a eficiência das mais variadas operações em múltiplos mercados, sobretudo no financeiro, passando por vários outros. E nesse sentido, o timing é agora.
Algumas gestoras de venture capital estão apostando nesse momento de transição, como é o caso da Fuse Capital, que tem chamado essa fronteira de Web 2.5. De acordo com Dan Yamamura, um dos sócios do VC, é possível trazer a Web3 para o mundo real dos negócios que temos hoje, não sendo necessário estarmos completamente imersos nela para usufruirmos dos seus benefícios.
Uma das empresas investidas pela Fuse Capital sumarizam bem essa visão, como é o caso da Credix. Fundada por empreendedores belgas, essa fintech se propõe a encontrar alternativas de funding através do uso de finanças descentralizadas (DeFi), substituindo, assim, estruturas tradicionais de mercado, como os FIDCs (além de remover demais intermediários da equação). Através da rede blockchain da Solana, a empresa consegue acessar investidores globais oferecendo retornos atrativos em operações de crédito para empresas em mercados emergentes, ao mesmo tempo que viabilizam empréstimos com taxas de juros competitivas.
Recentemente a Credix fechou uma parceria com a fintech a55, especializada em empréstimos para empresas da nova economia que possuem receita recorrente, ampliando ainda mais o acesso dessas operações junto a potenciais tomadores. Estruturas assim podem, de fato, promover uma revolução na área de DCM (Debt Capital Markets) — que compreende operações como renda fixa, empréstimo e securitização.
Com uma proposta similar à Credix encontra-se a recém-criada AmFi, que conta com sócios oriundos da fintech Grafeno. A AmFi (acrônimo que significa Amphibious Finance) se posiciona como uma fintech de infraestrutura de crédito baseada na tecnologia blockchain, sendo que utiliza a rede Avalanche para tal. Assim, ela fica entre as fintechs de crédito focadas em PMEs (no mundo financeiro tradicional) e os investidores institucionais (na realidade das finanças descentralizadas).
Há também um unicórnio brasileiro do segmento fintech que está criando esse tipo de “ponte entre dois mundos” no mercado local. Trata-se da Cloudwalk, responsável pela maquininha InfinitePay, que utiliza a tecnologia blockchain para aumentar e eficiência das suas operações e distribuem empréstimos de até R$6 mil para lojistas através das finanças descentralizadas.
A atuação dentro da intersecção entre o mercado financeiro tradicional centralizado e regulado e o mundo das finanças descentralizadas ganhou até um termo que se tornou popular na comunidade de inovação financeira, o “DeFi Mullet”. Criada pelo podcast Bankless em 2020, a expressão se refere ao famigerado corte de cabelo dos anos 1980, sendo mais alongado na parte de trás e curto nas laterais e na frente. Transpondo para a analogia financeira, temos finanças tradicionais (conhecido como TradFi) na frente e finanças descentralizadas (DeFi) na parte de trás.
Outra fintech que sinalizou a adoção do “DeFi Mullet” foi a Tribal Credit, que atua na América Latina e oferece uma plataforma financeira para startups, com uma conta, software de gestão de despesas, crédito, dentre outros produtos. Recentemente eles fizeram um acordo com a Bitso e com o protocolo Stellar (criadora da stablecoin USDC, pareada como o dólar) para permitir pagamentos internacionais para seus clientes, bem como uma conta multimoedas dentro do aplicativo.
No futuro, a empresa pensa também em expandir a ideia de usar DeFi em seu backend para mais produtos, como crédito. É importante ressaltar que a Tribal captou recursos através da venda de seus próprio token, chamado TRIBL, tendo levantado US$ 41 milhões no processo, sendo que tiveram desde fundos de VCs até pessoas físicas como compradores.
De acordo com a empresa, o token TRIBL será usado em seu ecossistema próprio dentro de sua plataforma, além de funcionar como um token de governança para o protocolo de empréstimos de finanças descentralizadas da empresa.
Explorar a resolução de problemas do mercado financeiro tradicional com tecnologia blockchain é algo que já acontece há alguns anos, sobretudo por parte de grandes bancos em seus laboratórios de inovação. Contudo, o avanço da criptoeconomia e do ecossistema de provedores de serviços de infraestrutura nesse ambiente, já é possível ver múltiplas soluções e possibilidades mais tangíveis para sua aplicação, conforme exposto anteriormente.
No mercado financeiro, alguns dos principais players internacionais decidiram acelerar no processo de otimização de suas operações, colhendo frutos nesse processo de transição rumo à Web3. É o caso do JPMorgan, que através da unidade Onyx Digital Assets, está trabalhando em várias maneiras de tokenizar ativos financeiros como renda fixa e fundos de investimento para serem utilizados tanto no mercado tradicional quanto na realidade DeFi — servindo até como garantia nessas operações. O head da Onyx Digital Assets, Tyrone Lobban, declarou ao Coindesk:
“O objetivo geral é trazer esses trilhões de dólares em ativos para o DeFi, para que possamos usar esses novos mecanismos de trading e empréstimos, mas com a escala institucional”. O Goldman Sachs também tem olhado para oportunidades nesse espaço pois, além de já ofertar criptoativos e contratos de derivativos, declararam no evento Financial Times Crypto and Digital Assets Summit (em abril deste ano) que: “a tokenização de ativos reais usando tokens não fungíveis (NFTs) é uma área que consideramos de grande potencial e interesse para a instituição”.
No Brasil, o Itaú largou na frente dentre os grandes bancos e criou sua área de Digital Assets. Essa unidade realizará tokenização de ativos, fará custódia de ativos digitais, prestará serviços de “Token-as-a-Service”, dentre outros. Outro player bem ativo nesse mercado é o BTG Pactual, que criou uma unidade de ativos digitais chamada Mynt e já realizou movimentos interessantes como a tokenização de ativos imobiliários através da emissão de um security token batizado de ReitBZ, via blochain Tezos.
Para além do mercado financeiro, diferentes empresas de segmentos como mídia, esportes, varejo de luxo, bens de consumo, dentre outros, também estão se posicionando no espaço da Web 2.5. Nesse caso, essas marcas conseguem entrar nesse mercado e se fazerem presentes com mais facilidade por não possuírem um elemento tech muito complexo de ser alterado em sua operação (como na realidade do mercado financeiro, por exemplo).
Elas podem, assim, encontrar possibilidades no mundo das NFTs e da Web3 como um todo, de forma a colocar os pés nessa realidade e realizar movimentos iniciais – que devem expandir e gerar frutos à medida que a adoção do grande público aumenta.
A Web3 é um experimento vivo, um laboratório à céu aberto, que ainda encontrará caminhos para disruptar diferentes indústrias. Por hora, há uma grande quantidade de FOMO envolvido e vários projetos devem ficar pelo caminho, inflados pelo “hype” do momento e incapazes de tangibilizar uma real revolução no mercado. Essa é uma questão que envolve timing e maturidade do ecossistema que está sendo desenvolvido.
Outro ponto a ser considerado é que temos hoje múltiplas infraestruturas buscando seu espaço, ao mesmo tempo em que provam a sustentabilidade de suas teses diante de um ambiente de forte stress no mundo cripto. E isso não é nenhum demérito, é apenas um processo evolutivo normal, como já vimos em outros momentos na história. Muitas empresas não sabem (e em alguns casos, não podem) lidar com esse nível de incerteza — o que inclui também a incerteza regulatória da própria criptoeconomia.
Por isso, a coexistência da realidade da Web2 e Web3 (ou do TradFi e DeFi) deve se estender por um tempo considerável. Novas gerações irão guiar a adoção e a mudança de comportamento dentro dessas novas realidades, com consequente popularização dos casos de uso e melhoria natural da usabilidade em um mundo já transformado e ativamente funcionando dentro do contexto da Web3.
Apesar de termos hoje várias peças capazes de serem combinadas para transformar de forma contundente a sociedade, ainda veremos diversos experimentos combinando essas peças — e a mudança, de fato, acontece aos poucos — gradualmente, e então, de repente.
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