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Ação da SEC contra gigantes cripto mostra incerteza jurídica do setor nos EUA e deve afetar mercado

Situação regulatória das criptomoedas nos Estados Unidos ainda não foi resolvida, o que abre margem para atuação mais dura do órgão

SEC tem realizado ações que afetaram empresas de criptomoedas (FabrikaPhoto/Envato/Reprodução)
JP

João Pedro Malar

Publicado em 13 de fevereiro de 2023 às 17h20.

Última atualização em 13 de fevereiro de 2023 às 17h20.

As decisões de duas gigantes do mercado de criptomoedas, a Paxos e a Kraken, de reverterem serviços para seus clientes em meio a ameaças de processos por parte da Comissão de Valores Mobiliários dos EUA ( SEC, na sigla em inglês) acenderam um alerta nos investidores nos últimos dias.

O bitcoin e outros criptoativos, que vinham em uma sequência de valorização desde o início de 2023, passaram a cair desde a sexta-feira, 10, em um movimento que ganhou força nesta segunda-feira, 13. Por trás desse quadro, especialistas apontam à EXAME uma situação de grande insegurança jurídica nos Estados Unidos, o que tende a afetar o mercado cripto como um todo.

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Por ser a maior economia do mundo e reunir uma grande quantidade de capital e investidores, o país é considerado essencial para a expansão das criptomoedas, o que por sua vez ajuda na valorização dos ativos. Entretanto, alguns atores do mercado já não descartam a possibilidade de que, após as últimas ações da SEC, o segmento acabe precisando se desenvolver sem uma presença direta no país por algum tempo.

Falta de regulação

Isac Costa, professor do Ibmec-SP e sócio de Warde Advogados, observa que o grande problema compartilhado tanto pela Kraken quanto pela Paxos foi o oferta de modalidades de investimento que a SEC acabou considerando como valores mobiliários. No caso da corretora de criptomoedas, o alvo foi o staking, modalidade de renda passiva com depósito de criptomoedas, enquanto a segunda empresa suspendeu a emissão do BUSD, uma stablecoin atrelada ao dólar.

"O conceito de valor mobiliário na legislação norte-americana é amplo e a entidade [SEC] é responsável por analisar as características de instrumentos financeiros que fazem com que sejam enquadrados como isso - a realização de uma oferta pública, a expectativa legítima de um benefício econômico e a atuação da empresa que capta os recursos ou de terceiros para que esse benefício seja gerado", explica Costa.

Ao falar sobre os dois, a SEC considerou que esses serviços tinham as características de um valor mobiliário, mas não foram ofertados seguindo as regras que esses ativos precisam seguir, incluindo a aprovação do órgão. Mesmo discordando dessa visão, as companhias fizeram acordos para retirar os produtos do mercado e evitar punições futuras.

Para Victor Jorge, professor do MBA in company da FGV e sócio do escritório Jorge Advogados, "o poder de atuação da SEC em relação aos criptoativos perpassa, necessariamente, pela questão da definição da natureza jurídica dos criptoativos e de suas respectivas operações. Essa disputa jurídica tem sido travada de forma bastante intensa não só em solo brasileiro, como também em solo estadunidense. A definição da natureza jurídica de criptoativos, de fato, não é tarefa das mais simples".

No Brasil, o Congresso aprovou recentemente um projeto de lei que regulamenta o setor de criptomoedas, incluindo com uma definição oficial para esse tipo de ativo. O texto já foi sancionado pela Presidência, e agora há a etapa de determinação de órgãos reguladores e outras regras mais específicas. Já nos Estados Unidos, não há nenhuma regulação oficial para o setor.

"A SEC tem se julgado competente para atuar em parcela considerável do mercado de ativos digitais. Isso porque, em sua ótica, a natureza jurídica de diversos criptoativos e suas respectivas operações são enquadráveis como valores mobiliários [...]. É importante pontuar que cada investigação e decisão da SEC leva em conta as particularidades do caso concreto", ressalta.

Isac Costa diz ainda que, ao contrário de grandes economias como a União Europeia e o Reino Unido, o presidente da SEC, Garyn Gensler, e a maioria dos executivos do órgão "têm empreendido uma cruzada contra a maior parte dos produtos cripto que são ofertados a cidadãos norte-americanos. Em vez de desenhar uma regulação específica ou adotar um regime de sandbox regulatório, a SEC tem adotado uma abordagem de 'punir para educar'".

Costa lembra ainda que Gensler já chegou a afirmar que todas as criptomoedas se configurariam como valores mobiliários, com exceção do bitcoin. Outro regulador do país, o CFTC, discordou, e incluiu o ether e a stablecoin USDC na lista de criptoativos que seriam commodities, não valores mobiliários.

E mesmo dentro da SEC não há consenso sobre o tema. Uma das comissárias da organização, Hester Pierce, divergiu da atuação recente da comissão, defendendo que seria preciso primeiro implementar uma regulação para as criptomoedas para depois punir as empresas que a violassem, evitando assim um desestimulo à inovação financeira.

Mesmo assim, o advogado acredita que "enquanto o Congresso norte-americano não alterar a regulação do mercado de capitais para acomodar um novo conceito para criptoativos, a SEC tenderá a enquadrá-los como valores mobiliários", o que abre margem para novas investidas contra empresas do setor.

Próximos passos

Victor Jorge também acredita que a SEC tende a manter uma postura "firme" e com esforços para investigar e punir empresas de criptomoedas que ofereçam investimentos que sejam considerados valores mobiliários. Ele lembra que "esse movimento não é novo e pode ser observado desde, aproximadamente, o ano de 2017".

"Como consequência, vislumbramos uma possibilidade de que as medidas adotadas mais recentemente pela SEC sejam ampliadas para outras empresas do segmento. Não é por outro motivo que o CEO da corretora Coinbase já se manifestou publicamente no sentido de que irá defender a legalidade da operação de 'staking' no Poder Judiciário estadounidense, se preciso for", pontua.

Ele lembra que o mercado de criptomoedas está "buscando estabilidade jurídica" em todo o mundo, e que a instabilidade jurídica atual nos EUA abre margem para ações que abalam o mercado como um todo, devido ao medo de que elas serão replicadas contra outras empresas.

"Certamente, haverá instabilidade no mercado, o que se demonstrará a partir de uma possível maior variação de seus preços. Contudo, sempre é bom frisar que o mercado de criptoativos é muito dinâmico, de sorte que tais acontecimentos podem ensejar novas oportunidades aos players que tiverem perfis de risco mais alinhados às oportunidades que surgirão", defende o professor.

João Marco Cunha, gestor de portfólio da Hashdex, opina que o serviço de staking da Kraken realmente tinha as características de um valor mobiliário, e que portanto a atuação da SEC foi "justificável e, fundamentalmente, não deveria ter impacto substancial sobre os preços dos principais criptoativos", como o que ocorreu.

Na visão dele, o movimento pode ter sido associado à própria queda no mercado de tecnologia como um todo, mas Cunha também acredita ter sido provável que "alguns investidores tenham usado o evento como gatilho para realização de ganhos auferidos ao longo desse ano".

Já Isac Costa observa que "o desenvolvimento do mercado cripto depende da validação de casos de sucesso e da adoção em massa de soluções baseadas em DLT, de um efeito de rede. Toda vez que um regulador decide limitar a expansão da oferta de criptoativos, a insegurança jurídica aumenta, afastando instituições incumbentes que querem investir no setor e, em alguma medida, o público em geral".

Por isso, ele acredita que o mercado de criptomoedas precisará ser englobado de alguma forma à regulação para que seja adotado por uma parcela maior da população. Nesse processo, ações como a da SEC podem ser vistas como "inconveniente", mas ele acredita que "é preciso dialogar com o mercado financeiro existente para a criação de uma ponte, permitindo a popularização dos criptoativos com segurança jurídica, proteção a investidores e garantia da estabilidade financeira".

"Enquanto a SEC continuar com a regulação pelo enforcement, de punir para orientar, o pleno desenvolvimento do mercado cripto não contará com a contribuição do mercado norte-americano, dependendo de desdobramentos em outras jurisdições, especialmente na União Europeia", opina.

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