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Na Clave, o mote do momento é qualidade, mesmo para cenário otimista

Gestora dá a largada com R$ 3,6 bilhões para gerir e foco claro em preservação de patrimônio do investidor, além de rentabilidade

Rubens Henriques (à esquerda), CEO da Clave, André Caldas (à direta), à frente da renda variável: “O mercado está cada dia mais difícil. Requer cada vez mais análises mais profundas e mais rápidas. Mas também precisa de cabelo branco” (Eduardo Frazão/Exame)
Rubens Henriques (à esquerda), CEO da Clave, André Caldas (à direta), à frente da renda variável: “O mercado está cada dia mais difícil. Requer cada vez mais análises mais profundas e mais rápidas. Mas também precisa de cabelo branco” (Eduardo Frazão/Exame)

Publicado em 19 de julho de 2021 às 19:35.

Última atualização em 19 de julho de 2021 às 19:44.

A Clave, a nova gestora de recursos fundada por Rubens Henriques, egresso da Itaú Asset Management, tem uma diretriz que vem antes — ou, no mínimo, colada, junto — da seleção de quais ativos mais vão subir: a preocupação em preservar capital do investidor. Essa é a filosofia que permeia a nova casa, que nasce com R$ 3,6 bilhões em ativos sob gestão. Isso para a largada. O total combina um aporte de R$ 2,5 bilhões em recursos do BTG Pactual (do mesmo grupo que controla a EXAME), mais os R$ 900 milhões de patrimônio dos fundos macro da gestora Vintage, que combinou sua operação, e mais os R$ 200 milhões captados nas duas primeiras semanas de vida.

“Vamos terminar o ano com alguns bilhões, mas ainda é cedo para saber quanto”, afirma Henriques. Em termos de capilaridade, os fundos da casa serão distribuídos em 20 plataformas de varejo, receberam compromisso de investimento de oito bancos, 20 family offices e também fundos de pensão.

André Caldas, um vetereno com anos de experiência no Credit Suisse e no Itaú, é quem vai liderar a estratégia de bolsa, que terá no início duas carteiras: uma totalmente comprada em bolsa, com foco em longo prazo (long only), e uma multimercado, mas com exposição de pelo menos 40% ao mercado de ações. No time dele, 12 pessoas, com um mix de jovens e sábios. “O mercado está cada dia mais difícil. Requer cada vez mais análises mais profundas e mais rápidas. Mas também precisa de cabelo branco”, falam quase em dueto Henriques e Caldas, em entrevista exclusiva ao EXAME IN. A primeira sobre a estratégia de bolsa.

A gestora vai ter, em uma primeira etapa, os fundos de ações, de Caldas, e os de macro tendências, com a absorção da Vintage, e conduzidos por Rodrigo Carvalho. Em alguns poucos meses, no máximo dois, virão os fundos quantitativos, cuja equipe é liderada por Moacir Fernandes.

O objetivo da Clave, porém, é ter outras verticais no futuro, como fundos imobiliários, de crédito e de participações. A premissa básica é que cada frente terá um sócio forte e de grande reputação à frente do negócio.

Vale para escolher ações e para a vida

O momento é de busca de qualidade para investimento, na visão de Caldas. Mas não é aquela febre do “fly to quality” que ocorre em momentos de incerteza ou pânico. É diferente. Vem do desafio de escolher o ativo certo para estar — mesmo para uma aposta em um cenário otimista, de recuperação econômica no Brasil, como é o da Clave. “Isso não coloca confortável com Brasil. Temos juros em alta, inflação subindo e desemprego em alta. É verdade que o Brasil não é lugar para amadores.”

A complexidade do momento vem justamente de ter de combinar aquilo que é seguro e tem qualidade — “90% da nossa carteira é composta por empresas líderes de mercado”, diz Caldas — e ao mesmo tempo saber se posicionar diante das novidades e das oportunidades.

“Não dá para repetir os mesmos erros de 2.000. É preciso estudar muito. Lá atrás, o mercado acertou que a internet ia mudar o mundo”, relembra, ao comentar que muitos e muitos erraram na escolha. “Mas já sabemos que não é tudo que vai dar certo.”

Daí a necessidade de análises mais profundas. A digitalização, a era dos dados, da inteligência artificial, tudo isso tirou Caldas da zona de conforto. Não basta ter jovens no time, é preciso aprender por si próprio. “Passei a investir, como pessoa física, em fundos de venture capital, para formar uma rede de networking, e leio muito sobre isso”, conta. Mas, se não bastasse isso, voltou mesmo a estudar. Está fazendo um curso sobre fintechs da Universidade de Stanford.

Na carteira da Clave, convivem Vale, Petrobras, Renner, Natura, Grupo Notre Dame Intermédica (GNDI), por exemplo. Uma mistura ainda de recuperação de atividade global, com inflação, e recuperação no Brasil. “Mas vivemos aqui uma recuperação assimétrica. Os grandes estão ficando maiores ou porque os menores estão mais fracos ou porque desapareceram.”

Tudo, porém, diante de tanto ineditismo, é dinamicamente avaliado. Quando ocorre de a companhia ser boa, ter boa gestão, mas já ter subido muito, a exposição começa a ser reduzida. Foi o que ocorreu com commodities, ainda que algumas escolhas ainda estejam na carteira.

O primeiro fundo da casa passou a ter cota marcada, ou seja, a existir oficialmente, em 2 de junho. Mas, desde o fim de 2020, quando a Clave estava em processo de formação, com alguns sócios cumprindo seus ritos de quarentena das casas das quais vieram, Caldas já começou a montar uma carteira ‘virtual’, para não perder o pulso do mercado, depois que deixou o Itaú Unibanco, junto com Henriques.

O cenário do terceiro para o quarto trimestre foi o que consolidou a aposta de Caldas em commodities, quando o petróleo ainda oscilava em US$ 20 altos e US$ 32 por barril — atualmente variando entre US$ 65 e US$ 70. Ele conta que quando o democrata Joe Biden ganhou a eleição nos Estados Unidos ficou clara a força da aposta na vacina. “A gente acredita na recuperação econômica e na vacina. Daí, percebemos que, se essa era nossa crença, não fazia sentido acreditar na queda do minério em 2021, como muitos analistas apontavam no ano passado. Nem acreditar que o petróleo ficaria em US$ 30.”

É dessa análise também que a Clave montou muito cedo uma percepção de que a tendência de aumento da taxa de juros nos Estados Unidos — e, portanto, em boa parte do mundo — é estrutural. “Ela pode ser gradual, mas não tenho dúvida que ela vem”.

Foi nesse momento que ficou muito evidente para a ainda futura gestora que os ativos nos quais o valor estava todo na perpetuidade, calcado na tese do custo zero de capital, enfrentavam risco relevante de queda. Dito e feito! Depois de um forte pico em fevereiro, o prêmio tech caiu substancialmente, no mundo todo.

E, então, conforme o mercado confirmava a tese das commodities em alta, e subia o preço das clássicas ‘old economies’ brasileiras, Caldas passou a crer que a oportunidade estava nas empresas ligadas à economia doméstica, que fossem líderes de mercado. Assim, ampliou aposta nessa direção e reduziu na tese anterior. Mas tudo ainda na carteira virtual. "A gente sabia que o Brasil tem capilaridade e experiência para vacinar. E nossa visão é que vai sobrar vacina no mundo."

O desafio da Clave é começar a vida com o Índice Bovespa em seu teto histórico,  próximo dos 130 mil pontos, acima do preço pré-pandemia, portanto. “Mas é importante não esquecermos que nosso mandato é de preservação de capital”, relembra Caldas sobre o DNA da casa.

Nesse momento, ele está debruçado no debate sobre o valor dos bancos e das fintechs brasileiras. O grande mistério a ser resolvido, na visão dele, é quem vai ficar com a riqueza. Caldas é um investidor entusiasta do financial deepening (a própria fundação da Clave é uma crença nessa tendência), mas sabe que as respostas não são óbvias, tampouco simples. “Eu gosto muito das estratégias de criar mercados novos. Mas tenho muitas dúvidas sobre a transferência de valor.”

Ele explica em seguida o que isso significa. É possível — Caldas ainda não tem uma resposta — que a digitalização, com seu princípio de desintermediação, acabe transferindo a riqueza do sistema para o consumidor, em muitas situações ou setores. Ou seja, ela não vai migrar do competidor antigo para o novo. Vai cair no colo do consumidor e o competidor novo vai aprender outras formas de ganhar dinheiro. “O bom é que os jovens saem da faculdade hoje já pensando em disrupção."

Daí, o cenário em que a mistura entre jovens e grisalhos faz muito sentido. “Os gestores mais old school estão todos tentando entender, ter clareza, se haverá um cenário de contração da liquidez. Algo que não se vê desde 2008. Tem gente no mercado com dez anos de experiência e que nunca viveu isso. Mas da mesma forma que eu não posso negar a digitalização, não posso ignorar os efeitos de um recolhimento da liquidez”, diz Caldas.

E, mais uma vez, a Clave sabe sua receita: retorno e preservação de capital. Ter um norte facilita todas as tomadas de decisão. "Se a bolsa vai subir ou cair no curto prazo é uma resposta que ninguém tem. Um grande chute. É como jogar uma moeda para cima. O importante é saber o que precisa fazer."

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